Sustentabilidade

O que aconteceu comigo quando passei uma semana sem comer carne

13 • 02 • 2015 às 07:12
Atualizada em 26 • 05 • 2018 às 20:05
Daniel Boa Nova
Daniel Boa Nova Redator / Roteirista / Produtor de conteúdo

Percorri todos os itens do cardápio. Fora uma salada e uma tigela de açaí, a única opção era um omelete. Seria isso ou mandar um sanduíche. Chamei o garçom do boteco e perguntei como vinha o omelete. Com queijo, tomate e presunto. Ok, vou querer. Mas sem presunto, por favor! Ele me olhou em tom de provocação e perguntou: sem ovo também?

Diariamente, vegetarianos são obrigados a ouvir esse tipo de piadinha. Eu mesmo já devo ter feito alguma com algum amigo em algum momento da vida. Foi passando uma semana sem comer carne neste novo Desafio Hypeness que senti na pele como é estar do outro lado. E não achar a menor graça. E ter que manter a esportiva, afinal, você que é o diferente.

No país desigual que é o maior exportador e segundo maior produtor mundial de carne, vegetarianos são hereges. É como se estivessem cometendo um crime ao abdicar da polpa animal no seu dia a dia. Como podem fazer isso quando tem um monte de gente morrendo de fome por aí? Já ouviu essa crítica? Ela é bastante corriqueira e tem um verniz de preocupação social, mas falta nela um compromisso maior com a realidade.

Você sabia que a criação de animais para consumo humano em escala industrial está relacionada com o desmatamento da Amazônia, o aquecimento global, o desperdício de água e até com o trabalho escravo? Isso tudo se soma aos riscos para a saúde que a ingestão excessiva de carne – principalmente vermelha e processada – pode trazer. Não se trata de negar o valor nutricional que ela tem, mas de entender que comemos muito além do que precisamos. E que o meio ambiente não vai suportar esse padrão em escala mundial. Segundo Mark Bittman, do New York Times, 30% da superfície terrestre está direta ou indiretamente dedicada à criação dos animais que vamos comer. Mantendo a tendência atual, a previsão é que essa porção dobre nos próximos 40 anos.

Bem, aqui talvez seja necessário abrir um parêntese para dizer que eu amo carne. Amo hamburger, bacon, feijoada, embutidos e um dos meus pratos favoritos é frango de padaria. OH MY GOD, HOW I LOVE THEM! Na véspera de começar o desafio, me despedi da minha normalidade mandando um churrasquinho com queijo bem gorduroso, no mesmo boteco onde dias depois eu seria alvo de chacota por pedir um omelete sem presunto.

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Mas voltando à questão ambiental: sabendo de tudo que sabemos sobre as consequências da produção pecuária industrial, por que a gente segue comendo tanta carne? Não pergunto nem para quem bebe sangue e mastiga gordura a cada refeição – para essas pessoas, tenho certeza que isso aqui é papo pra boi dormir. Pergunto sim é para você que, como eu, já se convenceu de que essa redução seria benéfica, porém vem adiando ela para algum dia no futuro. Sem que fosse preciso fazer mudanças radicais, qualquer diminuição na quantidade consumida já seria um avanço hoje mesmo, não?

São perguntas incômodas, sei bem. Até surgir o desafio desta semana, nunca tinha me preocupado em dar respostas convincentes para elas. E a conclusão que cheguei depois dessa experiência é bastante trivial: porque sou guloso e preguiçoso. Sou um pecador, irmãos e irmãs!

O que eu ganho reduzindo meu consumo de carne? Essa é fácil: menos gordura na cintura, uma saúde mais equilibrada e menos impactos no planeta. Mas o que eu perco com a mudança? Sendo direto e reto: perco prazer. Comer é um dos poucos momentos de deleite cotidianos que a gente tem na vida. E, apesar de não nascermos com desejo de carne, nos acostumamos a apreciar seu sabor. Sei lá, minha gula me diz que aquele arroz com feijão e fritas estaria mais gostoso se acompanhado por um bifão no lugar do omelete.

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Quando o final de semana chegou, teve dois momentos em que minhas papilas gustativas sentiram muito a ausência da carne. O primeiro foi na festa de aniversário da filhinha de um amigo, que aconteceu em um buffet infantil. É complicado ficar vendo coxinhas, croquetes e hot dogs passarem e só poder atacar a bolinha de queijo.

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O segundo foi após prestigiar o bloco carnavalesco do meu bairro. Como você pode imaginar, quando terminou eu estava mais pra lá do que pra cá.

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Na volta era preciso garantir algum recheio para o estômago caso não quisesse passar por maus bocados. E eu só conseguia pensar em cheeseburger, picanha ou qualquer combinação envolvendo massa com linguiça calabresa. Trash por trash, passei pela bombonière, parei na pastelaria e depois segui o caminho de casa. Pra você ver que, ao mesmo tempo em que não precisa ter carne para ser gostoso, ficar sem carne não necessariamente quer dizer comer saudável.

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Falei da gula, mas faltou contar do outro pecado capital que vinha me mantendo ancorado no reino dos carnívoros: a preguiça. Inevitavelmente, quem é vegetariano tem que se virar mais na cozinha e ser criativo para não cair na mesmice. E não é que eu seja dos mais pró-ativos, pacientes e habilidosos na hora de pilotar um fogão.

Em um desses dias minha esposa deixou pronto um arroz com vagem e gergelim. Coube a mim preparar abóbora e shimeji para acompanhar. Ficou bem bom, mas você pode notar a expertise do master chef aqui pela cor da abóbora.

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Vale dizer também que só fiz meu próprio almoço em dia útil porque não bato mais cartão. Haja força de vontade e presença de espírito para chegar do trabalho à noite, preparar alguma receita, guardar no tupperware, levar no dia seguinte, esquentar no microondas e comer na mesa do escritório. Além de conquistar minha admiração, quem consegue fazer isso no dia a dia também acaba assumindo um status de relacionamento diferente com os alimentos. Sai o mastigar em modo automático, entram a atenção na escolha e manejo dos ingredientes, o cuidado durante o preparo e a satisfação de comer algo feito por você mesmo. Isso é válido para quem cozinha em geral, mas para quem não consome carne é quase uma necessidade. Porque vegetarianos não têm tantas opções assim para comer na rua.

Nessa semana chamou minha atenção como a oferta de restaurantes desse tipo é restrita. E olha que eu moro em São Paulo, uma cidade que bate no peito se dizendo capital da gastronomia. Você busca no Google e até encontra, mas não são tão comuns como italianos, japoneses, chineses, árabes, hamburguerias, etc. E, se você pedir algo sem carne em um restaurante qualquer, é bem provável que receba um prato pálido, insosso e broxante como esse risoto de champignon que tive o desprazer de deixar pela metade no último domingo.

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Com raras exceções, é isso ou ficar apenas na salada, opção veggie mais comum servida nos restaurantes brasileiros. Ei, chefs: desde quando vegetariano virou sinônimo de herbívoro?

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A boa surpresa foi ir a um restaurante indiano e sair saciado. No menu, arroz integral com legumes, dahl de lentilhas, almôndegas de ricota com molho de tomate e quibe de abóbora. Estava muito, mas muito bem temperado e saboroso. E me senti alimentado pelo resto do dia.

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Os dias sem carne se passaram. E a grande verdade é que, a não ser por uma leve perda de peso, não notei grandes diferenças no meu estado em geral. Não passei fome, não senti fraqueza, não me senti incrivelmente melhor ou pior, nada de muito anormal. O ponto é exatamente esse: não custa nada adotar essa pequena mudança no seu cotidiano. Ninguém morre, você não sofre e o planeta agradece.

É quase uma questão de fé. Todas as religiões fazem algum tipo de sacrifício por um bem maior. O jejum é um deles. Se você acredita fielmente que o meio ambiente deve ser explorado de maneira sustentável, por que não renunciar aos prazeres da carne também? Não apenas porque os animais são fofos: é questão de sobrevivência a longo prazo. Ao contrário do que muitos supõem, nosso ecossistema não é um outlet. Quantos outros Estados Unidos e Brasis o mundo aguenta? Tem aí uma China inteira ávida por consumir bifes maiores. Vamos desenvolver a criação de gado extraterrestre pra dar conta da demanda?

Aqui em casa já estabelecemos que no mínimo um dia por semana será vegetariano. Não dá para querer ver mudanças sem se coçar um pouquinho. Já comi bastante carne na vida e posso ficar 24 horas semanais sem ela, numa boa. Agora, se não for pedir demais da conta, posso contar com a sua contribuição também?

Aproveite que 2015 está no início e ainda dá tempo de botar as resoluções do réveillon em prática. Aproveite que o Brasil só começa a funcionar depois do carnaval e dê o pontapé inicial nesse projeto na quarta-feira de cinzas. Aproveite a quaresma para isso. Experimente passar uma semana sem comer carne e registre a experiência ao longo dos dias. Só não esqueça de usar as #desafiohypeness5 e #umasemanasemcarne pra gente poder acompanhar. Vamos nessa?

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Todas as fotos © Daniel Boa Nova Hypeness

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