Hypeness
Menu Fechar
Fechar
por: Bruna Rasmussen
Certa vez um amigo comentou que iria comprar um notebook novo. Quando perguntei onde ele pretendia fazer a compra e sugeri as lojas da internet por serem mais baratas que as físicas, ele riu. Os planos eram outros: ele iria embarcar em um avião, passar nove horas espremido entre as poltronas, jantar aquela comida sem tempero, chegar aos Estados Unidos, ir para um hotel barato onde o notebook, comprado pela internet em uma loja de lá, já o estaria esperando, passar o fim de semana curtindo a gringa, embarcar em outro avião, fazer cara de paisagem para o fiscal de Receita na saída do aeroporto e ir para casa. “Sai mais barato que comprar aqui”, ele me garantiu.
Quando viajar para um outro país para comprar um produto é mais vantajoso do que adquiri-lo no mercado nacional, mesmo com os custos da viagem, é porque algo está errado. Todo brasileiro está careca (e com a conta no vermelho) de saber que comprar no Brasil é mais caro – e a regra vale para coisas que vão de um par de meia a bebidas e carros. Mas por que?
Vamos lá: contenha a síndrome de vira-lata, não se mude para Miami antes do último parágrafo e tente não culpar um único partido político. Em vez de balançar a cabeça e murmurar um conformado e tristonho “ê, Brasil” cada vez que você se deparar com a diferença de preços no Brasil e em outros países, vamos entender a situação:
Imagem © Intravel
Quando você compra um carro, por exemplo, algo em torno de 40% do valor pago1 vai para o governo na forma de impostos. Já nos Estados Unidos e na China, essa porcentagem dificilmente passa dos 20%. A alta carga tributária brasileira, que figura no ranking das 15 maiores do mundo2, incide sobretudo no consumo e na produção, aumentando o preço de todo produto feito ou comprado por aqui.
Em vez de ter um imposto único sobre o produto comercializado, o Brasil possui uma família deles: ICMS, IPI, PIS, Cofins, ISS, IOF e CSSL. E o pior de tudo é a lógica e a hierarquia dessa família maluca, o que permite que o PIS, Cofins e CSSL influenciem no ICMS. É imposto sobre imposto! E além de taxas nacionais, há um tributo chamado substituição tributária3, que varia conforme o estado. Isso significa que um mesmo produto pode ter um preço em São Paulo e outro na Bahia.
Imagem: Reprodução
O que nos deixa mais frustrados em precisar pagar tudo isso ao governo é que o retorno nem sempre vem. Isso pode ser observado na saúde, na educação e na infraestrutura do país, de forma geral. Caso o dinheiro arrecadado com impostos fosse bem empregado, o Brasil seria um bom lugar para a instalação de indústrias, mas não é. O que nos leva ao segundo tópico.
Sabe porque a Receita Federal taxa a caixinha da sua encomenda da China? Para fazer você pensar duas vezes antes de comprar de fora e dar espaço à indústria nacional. Afinal, se todo mundo comprasse produtos por lá, o que seria das fábricas e lojas por aqui? A queda nas vendas faria a indústria quebrar e, consequentemente, milhões de empregos seriam perdidos. Um caos, certo?
Todo e qualquer empresário brasileiro sabe que não é fácil manter um negócio por aqui: a burocracia é grande, a família de impostos é complexa, a infraestrutura do país não é das melhores, a mão de obra é cara e o risco do investimento é alto. Para contratar um trabalhador em regime de CLT, por exemplo, o empregador chega a pagar quase um salário inteiro em impostos4. O que acontece, então? Há menos empresas e, consequentemente, menos competitividade, o que dá brecha a margens de lucro maiores e preços lá em cima.
Imagem © Unepar
Imagem © Multiways
Outro fator que contribui para isso são as fusões realizadas em alguns setores. Empresas enormes acabam comprando as pequenas e, uma vez líderes de um nicho, têm o poder de mandar e desmandar nos preços. Ou você paga e tem o produto ou não tem. E aí, qual vai ser?
Na cena internacional, segundo o Fórum Econômico Mundial de 20145, o Brasil ficou em 570 no ranking de competitividade, atrás de países como o Panamá e Barbados. Com essa indústria morna, em relação a mercado interno e externo, somada à crise internacional de 2008, em que países em recessão deixaram de comprar, o Brasil foi invadido por importados e a valorização do Real frente ao Dólar ajudou a impulsionar as vendas. Mas mesmo assim, enquanto que um iPod nano pode ser pago com 9 horas de trabalho em Nova York, aqui no Brasil ele custa 7 dias de um cidadão médio6.
Um iPod no Brasil sai por cerca de R$ 549, enquanto que nos EUA o mesmo produto é vendido por R$ 256. Além dos impostos e da falta de competitividade da indústria nacional, o preço dos produtos no Brasil é também influenciado por um fator bem simples: o status.
Imagem © Veja SP
Não adianta negar: eu, você e qualquer brasileiro leva em conta o status na hora de escolher um produto, mesmo que não de forma consciente. A camiseta é da Hollister, o celular tem que ser iPhone e o tênis precisa ser Nike. Mas por que você não pode ir pra balada com um Nokia tijolão, uma camiseta básica que é vendida no supermercado e um tênis genérico? Ora, porque você deixaria de fazer parte. No Brasil, comprar determinado produto é o que diz se você pertence a esta ou àquela classe social; a este ou àquele grupo. E o marketing das empresas é o grande responsável por categorizar os produtos e ajustá-los ao desejo de cada público-alvo.
Desenvolvemos o nosso estilo para poder pertencer a um grupo. É por isso que a galera do skate usa Adidas, os mauricinhos, Nike e os alternativos, All Star. E é por isso também que, aos domingos, aquele rapaz da nova classe média (um dos mais de 9 milhões de brasileiros que saíram da classe C nos últimos anos) quer dar um rolezinho12 no shopping com seu tênis novo, que custou R$ 800 parcelados em 10x no cartão.
Imagem © Wanderley Preite Sobrinho/iG
Com o salário que ele ganha, não consegue bancar o tênis à vista, mas os bancos facilitam o crédito, como forma de estimular a economia. Com isso, ele agora quer usar Hollister, John John, andar bonito e arrasar com as meninas, assim como qualquer jovem das classes média e alta.
Mas o que isso tem a ver com o preço?
Na época da escola, sempre achei bem chique os colegas que iam à aula usando moletom da GAP, com o peito estufado e passaporte da Disney carimbado. Quando fui aos Estados Unidos pela primeira vez e vi que esses moletons, por lá, eram vendidos como roupa de ficar em casa, ao lado da seção de pijamas, fiquei encasquetada. Por que diabos algo que é considerado básico para eles adquire um status de chique por aqui?
Só porque o Zucka usa, não quer dizer que é chique, ok? Imagem © A Rede Social/Reprodução
Brasileiro adora a fantasia de uma marca. Alguém disse que era chiquérrimo ter moletom da GAP e a marca por aqui passou a ser vista assim. O mesmo acontece com Tommy Hilfiger, Ralph Lauren e Victoria Secret7, que os norte-americanos consideram marcas médias e, no Brasil, são tidas como luxo. Com isso, ao chegar ao Brasil, essas empresas se dão ao direito de cobrar mais caro. Afinal, como vimos acima, o brasileiro paga, nem que seja parcelado – segundo o Banco Central, metade dos brasileiros fazem compras parceladas no cartão de crédito8.
Outro bom exemplo é o celular. Não importa se o iPhone 6 chegou custando R$ 3.199 e é o mais caro do mundo9. Afinal, é um iPhone! – mesmo que você só o utilize para falar no Whastapp e acessar o Facebook.
Imagem © GAP
Imagem © Montblanc
Aliás, você sabia que o Brasil é o único país do mundo em que você pode comprar uma caneta Montblanc em 10x no cartão10? As nada suaves prestações são uma das estratégias que a marca usa para vender seus produtos de luxo no Brasil – e funcionam!
Segundo o coordenador da FGV na área de formação de preço, Fabiano S. Coelho, em entrevista aO Globo, essa relação de fantasia de marca e preço pode ser vista com clareza no mercado de vodcas. A Smirnoff e a Absolut são consideradas de igual qualidade na Europa. Contudo, ao chegar no Brasil nos anos 2000, a Absolut usou o marketing para forçar no consumidor a percepção de que seu produto é superior ao da Smirnoff, presente no mercado desde 1974, colocando o preço bem acima de seu concorrente.
Imagem © UOL
No Brasil, os impostos são altos, as condições da indústria brasileira provocam baixa competitividade e o brasileiro reclama, mas continua disposto a pagar mais caro por um produto. Já nos Estados Unidos, os impostos são menores, a competitividade da indústria é alta e os norte-americanos buscam preço baixo.
A consequência disso são milhões de brasileiros que viajam para os Estados Unidos todos os anos e voltam com as malas abarrotadas de roupas, calçados e eletrônicos. Porque, obviamente, lá é muito mais barato. Dá uma olhada nessa comparação:
Imagem © Apple
EUA: US$1.799 (R$ 5.037,20)
Brasil: R$ 10.499
Imagem © Apple
EUA: US$ 499 (R$ 1.397,20)
Brasil: R$ 2.079
Imagem © Chevrolet
EUA: US$ 55 mil (R$ 154 mil)
Brasil: R$ 227 mil
Casa em Miami por R$ 2,7 milhões Imagem © Homes.com
Casa em São Paulo por R$ 2,7 milhões Imagem via VivaReal
Preço médio do metro quadrado em São Paulo (SP): R$ 9.191
Preço médio do metro quadrado em Miami (EUA): US$ 2.714,15 (R$ 7.599,62)
Imagem © Asics
EUA: US$ 99,95 (R$ 279,86)
Brasil: R$ 599
Imagem © Graco
EUA: US$ 221,51 (R$ 620,22)
Brasil: R$ 1499
Imagem © Microsoft
EUA: US$ 350 (R$ 980)
Brasil: R$ 1.699
Imagem © McDonald’s
EUA: US$ 4,79
Brasil: US$ 5,86
Imagem © Canon
EUA: US$ 3.099 (R$ 8.677,2)
Brasil: R$ 16.999,99
Imagem © MAC
EUA: US$ 16 (R$ 44,80)
Brasil: R$ 66
*Todos os preços citados acima foram coletados em 11/02/2015 e podem sofrer variações nas lojas linkadas.
Dá até uma dor no bolso só de ver a diferença entre esses preços, hein? Mas reduzir os preços no Brasil não é jogo simples. A fim de diminuir margens de lucros abusivas e proporcionar uma situação favorável à indústria nacional, o país precisa diminuir a burocracia, tornar a lei mais simples, criar um sistema tributário menos complexo e incentivar investimentos. Ao estimular a criação de novas indústrias por aqui e dar condições de infraestrutura para que isso aconteça, o Brasil garante mais competitividade, preços mais baixos e elimina a necessidade de viajarmos até outro país só para comprar um produto.
Claro que estes são conceitos abrangentes e ideias até mesmo um pouco vagas, mas indicam o longo e tortuoso caminho que o Brasil precisa percorrer para ter preços mais justos. E então, que horas sai o voo?
Notas
1. G1 e O Presente 2. JusBrasil 3. ST 4. Época Negócios 5. Uol Economia/AFP 6. UBS 7. O Globo 8. Veja 9. Bloomberg 10. Uol Economia 12. Geledes
Publicidade
*por Mirian Bottan - Em 4 meses completo 29 anos. Dessas quase 30 primaveras, passei 15 vomitando muito do que comia....
Em sua quinta edição, o Desafio de Design Odebrecht Braskem selecionou estudantes de arquitetura e design para...
Sonhos começam quando a gente menos espera e o de Karina Novais, que hoje tem 23 anos, começou aos 8, quando ela foi...
O Brasil mata 23 mil pessoas negras por ano, sendo uma a cada 23 minutos em média. Toda vez que um de nós vira...
Não, a futurologia não se dá através de cartas de tarô, mapas astrais, linhas da mão ou de borras de café. Nem...
"Eu aprendi que mães têm uma força inimaginável, que têm poderes sobrenaturais, que têm dons que a gente não...
Ruth de Souza nos deixou. Aos 98 anos, a atriz brasileira não resistiu a uma pneumonia e faleceu no domingo (28), na...
Um país que celebra a ditadura militar que ajudou a perfurar ainda mais fundo o fundo do poço de sua história, e que...
A professora Ana Carolina Gil estava no segundo ano como concursada da Prefeitura Municipal de Florianópolis quando...
Marcas que apoiam e acreditam na nossa produção de conteúdo exclusivo.