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Contamos a história de 5 dos blocos mais tradicionais do Carnaval carioca

01 • 02 • 2016 às 09:47
Atualizada em 20 • 04 • 2018 às 01:13
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Se, ao pensar no Carnaval do Rio de Janeiro, o que lhe vem à cabeça é uma escola de samba desfilando pela Sapucaí, repleta de bonecos gigantes e celebridades trôpegas tentando sambar, ou a indefectível voz do narrador repetindo “Dez! Nota dez!” na apuração das notas dos jurados (chegando a resultados tão insuspeitos quanto uma nota de três reais e oitenta centavos), pode crer que você está deixando de fora a melhor e mais importante parte dessa festa: o Carnaval de rua.

© Divulgação
Foto: Divulgação

Na contramão do processo de mercantilização absoluta que infelizmente tomou conta dos desfiles das escolas de samba carioca (retirando a aura, o sentido catártico e verdadeiramente popular que por tanto tempo carregaram), os blocos de Carnaval vivem há vários anos um intenso processo de revitalização, que faz hoje da festa de rua do Carnaval carioca uma parte mais relevante e comovente do qualquer desfile campeão.

São muitas milhares de pessoas que, a cada dia ao longo da infinita semana de Carnaval, tiram a fantasia de responsáveis trabalhadores para revelaram sua verdadeira identidade de folião.

© Leo Correa AP Photo
Foto © Leo Correa / AP Photo

Goste você ou não do Carnaval, é revigorante que, por esse breve período de tempo, seja normal cruzar com homens vestidos de mulher, mulheres vestidas de homem, seres humanos fantasiados e felizes, embriagados de festa, a qualquer hora do dia ou da noite, em qualquer recinto, sempre prontos para cantar e dançar.

O Carnaval de rua do Rio de Janeiro não só é maior em termos de público (e provavelmente mais impactante até mesmo para a economia carioca em época de Carnaval) como resgata hoje algo desse sentido catártico e dionisíaco que a Sapucaí insiste em perder.

O Pierrot na rua ©Ascom Riotur
Foto © Ascom Riotur

Porém, nem sempre foi assim. Ao longo dos anos de chumbo da ditadura militar, naturalmente que a liberdade dos blocos de rua não era vista com bons olhos – afinal, se um grupo reunido na rua para conversar já era considerado suspeito, imagine milhares de pessoas fantasiadas, ébrias, cantando e dançando, com sua alegria e sexualidade à flor da pele.

O fim da ditadura e a volta dos exilados foi, aos poucos, devolvendo aos blocos de Carnaval a força de ocupação da cidade e subversão do convívio e do próprio espaço público que hoje eles novamente possuem.

O Cordão da Bola Preta, o maior bloco de carnaval do Rio (e, segundo os organizadores, do mundo) ©Paulo Múmia/Riotur
O Cordão da Bola Preta, o maior bloco de Carnaval do Rio (e, segundo os organizadores, do mundo). Foto © Paulo Múmia/Riotur

1. Cordão da Bola Preta

Alguns dos mais tradicionais blocos do Rio, no entanto, surgiram muito antes dessa revitalização, e se mantêm desde sempre fortes e simbólicos, para além dos momentos políticos, modismos ou tendências, como a encarnação em multidão justamente do espírito livre que marca essa festa popular. Criado em 1918, o Cordão da Bola Preta é o mais antigo bloco em atividade no Rio de Janeiro.

O Bola Preta e seus fundadores em 1918, ano de sua criação ©Divulgação

O Bola Preta e seus fundadores em 1918, ano de sua criação. Foto: Divulgação

Em 1930, o Bola Preta reunido ©Divulgação

Em 1930, Os músicos do Bola Preta reunidos, à espera da musa do bloco. Foto: Divulgação

O hino da agremiação é uma das mais famosas marchinhas de todo o Carnaval carioca, com os versos “Quem não chora não mama/ Segura, meu bem/ A chupeta/ Lugar quente é na cama/ Ou então no Bola Preta”. O nome do bloco surgiu em homenagem a uma linda mulher que passava na rua, quando de sua fundação, com um vestido branco com bolas pretas. Atualmente o Bola Preta disputa com o Galo da Madrugada, de Recife, o título de maior bloco de Carnaval do mundo (em 2012 o Bola Preta teria reunido 2,5 milhões de foliões em seu desfile).

O Cordão da Bola Preta desfila tradicionalmente no sábado de Carnaval, no Centro do Rio, a partir das 09hs da manhã.

Os "índios" do Cacique de Ramos, nos anos 1970 ©Divulgação
Os “índios” do Cacique de Ramos, nos anos 1970. Foto: Divulgação

2. Cacique de Ramos

Outro bloco que atravessou a ditadura em desfile – e um dos que mais reúne estrelas do samba entre seus membros, crias e fundadores – é o Cacique de Ramos. Fundado na Zona Norte do Rio de Janeiro em janeiro de 1961, nenhum outro bloco lançou tantos clássicos do samba quanto o Cacique – basta dizer que, antes de serem gravadas e se tornarem grandes sucessos, “Coisinha do pai”, de Almir Guineto, Luiz Carlos e Jorge Aragão, e “Vou Festejar”, de Jorge Aragão, Dida e Neoci Dias, foram temas do bloco.

O grupo Fundo de Quintal nasceu dentro do Cacique, e entre seus membros históricos estão Arlindo Cruz, Jovelina Pérola Negra, Luiz Carlos da Vila, Jorge Aragão, Almir Guineto, João Nogueira, Zeca Pagodinho e Beth Carvalho – que não só popularizou vários dos sambas do Cacique em suas gravações, como tornou-se madrinha do bloco.

A vanguarda do Cacique, em 1974 ©Divulgação

A vanguarda do Cacique, em 1974. Foto: Divulgação

Os foliões do bloco, em delírio pela Av. Rio Branco, no Centro do Rio ©Divulgação

Os foliões do bloco, em delírio pela Av. Rio Branco, no centro do Rio. Foto: Divulgação

A Av. Rio Branco enfim tomada pelo desfile do Cacique de Ramos, em 1978 ©Divulgação
A Av. Rio Branco enfim tomada pelo desfile do Cacique de Ramos, em 1978. Foto: Divulgação

A história do Cacique de Ramos é tão icônica dentro do Carnaval carioca que a agremiação já foi homenageada por outro bloco histórico, a Banda de Ipanema, recebeu em 2011 a Medalha Tiradentes como representação da cultura carioca, e até serviu de tema para o desfile da Mangueira, em 2012.

O carro abre-alas do desfile da Mangueira em homenagem ao Cacique, em 2012 ©Wilton Junior

O carro abre-alas do desfile da Mangueira em homenagem ao Cacique, em 2012. Foto © Wilton Junior

Beth Carvalho e Jorge Aragão no desfile da Mangueira ©Marcos Arcoverde
Beth Carvalho e Jorge Aragão no desfile da Mangueira. Foto © Marcos Arcoverde

O Cacique de Ramos desfila na Avenida Rio Branco, com concentração na esquina da Avenida Presidente Vargas, aos domingos, segundas e terças de Carnaval, às 20hs.

A Banda de Ipanema em 2015 ©Divulgação
A Banda de Ipanema em 2015. Foto: Divulgação

3. Banda de Ipanema

Fundada em 1964 por Albino Pinheiro, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral e a turma do jornal O Pasquim, a Banda de Ipanema foi criada ao redor da mística hedonista e boêmia que o bairro de Ipanema trazia como essência – feito uma ilha paradisíaca e idílica no coração do Rio.

Herminio Belo de Carvalho, Jaguar, Ziraldo e Sérgio Cabral, fundadores da Banda de Ipanema, em desfile nos anos 1990 ©Sandra de Souza

Hermínio Bello de Carvalho, Jaguar, Ziraldo e Sérgio Cabral, fundadores da Banda de Ipanema, em desfile nos anos 1990. Foto © Sandra de Souza

Albino Pinheiro, fundador da Banda, em frente dos músicos do bloco ©Márcio Mercante/Ag. O Dia

Albino Pinheiro, fundador da Banda, em frente dos músicos do bloco. Foto © Márcio Mercante/Ag. O Dia

Os membros da banda usavam terno e tocavam instrumentos quebrados, e contratavam uma banda de verdade para tocar. O primeiro desfile da banda saiu do famoso bar Jangadeiros – reduto de artistas, palco do cinema novo, da bossa nova, dos tempos áureos da boemia ipanemense – e o bloco foi utilizado como meio de se fazer críticas políticas e até debochar da situação do país mesmo durante o regime militar (a banda foi fundada no mesmo ano do golpe).

Desde então, a Banda de Ipanema teve entre seus padrinhos e madrinhas nomes como Chico Buarque, Leila Diniz, Clara Nunes, Clementina de Jesus, Bibi Ferreira, Grande Otelo Martinho da Vila e Cartola, entre muitos outros. e até hoje arrasta multidões pela ruas do bairro.

Leila Diniz, madrinha e musa do Bloco, em desfile da Banda de Ipanema nos anos 1960 ©Divulgação
Leila Diniz, madrinha e musa do Bloco, em desfile da Banda de Ipanema nos anos 1960. Foto: Divulgação

Cartola tocando trombone na Banda de Ipanema ©Divulgação
Cartola tocando trombone na Banda de Ipanema. Foto: Divulgação

A Banda de Ipanema é ainda um bloco de ambiente especialmente democrático, reunindo jovens, velhos, gays, heteros, drags, senhoras de família e crianças, para juntos brincarem o carnaval.

As tradicionais drags da Banda ©Alexandre Durão
As tradicionais drags da Banda. Foto © Alexandre Durão

Em 2004, a Banda de Ipanema foi declarada patrimônio imaterial do Rio de Janeiro. O bloco desfila no sábado de Carnaval, saindo no meio da tarde da Praça General Osório – em Ipanema, é claro.

O bloco Simpatia é Quase Amor, tradicional de Ipanema ©Alexandre Durão
O bloco Simpatia é Quase Amor, tradicional de Ipanema. Foto © Alexandre Durão

4. Simpatia é Quase Amor

Espécie de irmão mais novo da Banda de Ipanema, o Simpatia é Quase Amor também sai da Praça General Osório, no domingo de Carnaval, e tem entre seus padrinhos o próprio Albino Pinheiro – além de Dona Zica da Mangueira como madrinha histórica. Criado em meio as campanhas pelas Diretas Já, em 1985, o simpatia tem como suas cores temáticas o amarelo e o lilás, em homenagem ao remédio Engov, que ajuda a evitar a ressaca no dia seguinte.

Os foliões do Simpatia, vestidos com as cores do Engov ©Alexandre Durão

Os foliões do Simpatia, vestidos com as cores do Engov. Foto © Alexandre Durão

Apesar de reunir multidões, o Simpatia é considerado por muitos o bloco mais simpático da Zona Sul. Seu nome é inspirado em um personagem do compositor Aldir Blanc que, assim como o bloco, é um fanfarrão conquistador. O deboche político também faz parte do espírito do Simpatia, que em seu grito de guerra manda um alô para a “burguesia de Ipanema”.

O privilegiado cenário em que desfila o Simpatia ©Alexandre Durão
O privilegiado cenário em que desfila o Simpatia. Foto © Alexandre Durão

O Simpatia é Quase Amor desfila no domingo de Carnaval, saindo da Praça Gal. Osório às 14hs.

O Suvaco do Cristo desfilando pelo Jardim Botânico em 2015 ©Fernando Maia/Riotur
O Suvaco do Cristo desfilando pelo Jardim Botânico em 2015. Foto © Fernando Maia/Riotur

5. O Suvaco do Cristo

Nascido no ano de 1986, o bloco Suvaco do Cristo é também um dos mais queridos e, apesar da pouca idade, é também um dos mais identificados com o carnaval de rua carioca. Como o próprio nome explica, o Suvaco nasceu no bairro do Jardim Botânico, sob as axilas dos braços abertos do Redentor, no morro do Corcovado. Seu nome surgiu de uma fala do compositor Tom Jobim, morador do bairro, que dizia que em sua casa tudo mofava justamente porque ele morava no suvaco do cristo.

A primeira (e pequena) formação do Suvaco, em 1986... ©Divulgação

A primeira (e pequena) formação do Suvaco, em 1986… Foto: Divulgação

...e já imenso, em 2011 ©Publius Virgilius
…e já imenso, em 2011. Foto © Publius Virgilius

Oriundo da praia, como um bloco para reunir os amigos – entre eles o compositor Jards Macalé, Lenine e o poeta Chacal – o Suvaco cresceu, se tornando um dos mais populares blocos da Zona Sul do Rio. O Suvaco desfila pelo bairro do Jardim Botânico uma semana antes do Carnaval e também no domingo, e o ponto de encontro permanece o mesmo desde sua fundação: o bar Jóia, na esquina da Jardim Botânico com a Rua Faro.

Em 2006, derivado do Suvaco, nasceu o Suvaquinho, bloco infantil formado em sua maioria por crianças do morro Santa Marta.

As Baianas do Suvaco ©Mara Cecília
As Baianas do Suvaco. Foto © Mara Cecília

Cynthia Howlett, madrinha e porta-bandeira do Suvaco ©Divulgação
Cynthia Howlett, madrinha e porta-bandeira do Suvaco. Foto: Divulgação

Nos últimos anos o Carnaval de rua cresceu tanto, que não é incomum que blocos reúnam dezenas de milhares de pessoas em seu desfile de estreia – enquanto outros mais tradicionais cada vez mais se aproximem da casa dos milhões de foliões.

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Seja do tamanho que for, que o Carnaval de rua continue assim: um tanto vira-lata, essencialmente popular, desfilando em nome do delírio e da alegria.

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