É difícil concluir o que é mais notável no artista norte-americano Robert Mapplethorpe – seu talento para a fotografia e as artes visuais, o efeito político dos registros que realizou da cena sadomasoquista e homossexual americana das décadas de 1970 e 1980, ou sua relação de absoluta simbiose e turbulência com a poeta e cantora norte-americana Patti Smith. O que se pode concluir é que Mapplethorpe é um dos mais interessantes fotógrafos da segunda metade do século 20.
Os jovens Patti Smith e Robert Mapplethorpe
Para Patti Smith, Robert Mapplethorpe foi o artista de sua vida. É fácil de supor que ela também ocupasse a mesma função na vida dele. Foram 22 anos de amizade intensa, tendo vivido juntos no final dos anos sessenta, como amantes, amigos, parceiros, ao longo do período em que Mapplethorpe se encontrava também com sua própria homossexualidade.
Tal fato, porém, jamais abalou o profundo sentido amoroso que houve em seu encontro com Patti, como verdadeiras almas gêmeas que foram. O mais lembrado fruto desse encontro é provavelmente a icônica capa do disco de estreia de Patti, a obra prima Horses, fotografada por Mapplethorpe, em uma imagem especialmente andrógena, provocadora e bela.
A capa do disco Horses
Ao longo do mesmo período, Robert começou a fotografar, em grande parte retratos – muitos deles da própria Patti. Ainda que suas imagens mergulhem em universos variados, indo de flores a celebridades ou halterofilistas, sua vertente mais impactante é provavelmente as fotografias eróticas – principalmente as que brutalmente retratam o universo sadomasoquista. O erotismo é, na realidade, fio condutor de seu olhar sempre. Até mesmo as flores parecem emitir uma força erótica em seus retratos.
Naturalmente que os conservadores e todos aqueles que preferem fingir que o mundo é somente como seus olhos consideram correto tentaram conter a força do trabalho de Mapplethorpe. Livros foram recolhidos, exposições foram embargadas, políticos, religiosos e juízes em geral declararam publicamente repúdio e horror à obra de Mapplethorpe – que cresceu, diante do público e da classe artística, tanto pela força e beleza quanto pela contundência da revelação que parece trazer em cada retrato.
Robert faleceu em 1989, em consequência do vírus HIV, mas seu trabalho permanece ecoando. Sua relação com Patti é tema do premiado e muito recomendado livro Só Garotos, escrito pela cantora, que se tornará em breve uma série para TV.
Para conhecer a vida dos dois, e compreender um pouco mais um encontro amoroso que se dá para muito além dos limites sociais e convencionais impostos sobre os relacionamentos (o encontro entre dois artistas), Só Garotos é a melhor pedida. Um documentário sobre o trabalho e a vida de Robert será lançado pela HBO em abril próximo.
A franca e bela rudeza com que Patti elegantemente se tornou um ícone feminino do punk – trazendo um tanto mais de poesia e literatura para o movimento – de certa forma se complementa com a beleza inclemente e agressiva das imagens de Mapplethorpe.
Autorretrato; Debbie Harry
Andy Warhol; David Hockney
Nada é mentira, e tudo está posto na mesa no trabalho dos dois – as coisas como são, e quem sentir a necessidade de se identificar com algo cru porém sempre real, ainda que eventualmente cruel, o trabalho, a vida, o amor e a parceria desses dois artistas é uma piscina cheia de poesia, sangue, lágrimas e beleza, pronta para se mergulhar. Hoje o trabalho de Mapplethorpe é um dos mais comemorados e valorizados da fotografia mundial.
Escritor, jornalista e músico, doutorando em literatura pela PUC-Rio, publica artigos, ensaios e reportagens. É autor dos livros Tudo Que Não é Cavalo, Boca Aberta, Só o Sol Sabe Sair de Cena e Dólar e outros amores.
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