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O compositor americano Bob Dylan é o vencedor do prêmio Nobel de literatura de 2016, por sua inestimável contribuição para o surgimento de “novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana”, segundo a academia sueca. Dylan é o primeiro músico e compositor a ganhar o prêmio, e a velha polêmica sobre se letra de música pode ou deve ser considerada literatura se reacende – assim como o próprio debate sobre o sentido e a importância do Nobel.
As opiniões foram diversas, ainda que em sua maioria tenham sido favoráveis, e assunto pautou debates virtuais, profundos embates em meios acadêmicos e em mesas de bar mundo a fora no dia de ontem.
Quem parece estar acima de qualquer debate é o próprio Dylan e sua obra, que se torna a primeira pessoa a vencer o Nobel, o Oscar, o Grammy e o Globo de Ouro – e com justiça. Dylan é sem dúvida um dos maiores compositores de todos os tempos, e suas canções – com evidente destaque para suas letras – redimensionaram o sentido, a importância e a relevância da canção pop e das letras de música, a partir do cenário americano para todo o cenário mundial.
O debate, portanto, se deu ao redor de dois pontos: primeiro, se seria justo considerar a obra de Dylan “literatura”; segundo se, de qualquer forma, não haveria escritores que “precisariam” mais do prêmio do que o compositor americano.
Partindo da efervescente cena folk e de protesto do início da década de 1960, Bob Dylan se firmou como um trovador profético, um poeta reconhecido como a voz de uma das mais importantes gerações do século XX – aquele capaz de, em suas letras de música, significar o sentimento, a dor, as angústias e o sentido de seus pares geracionais – e tudo isso, elevando a letra da música pop à condição de fina e sofisticada poesia.
As opiniões, como não poderiam deixar de ser, se dividiram. Para a escritora Cristina Judar, a notícia do Nobel “logo se transformou na reflexão sobre a força da palavra poética, seja ela cantada, proclama ou escrita. Dylan é músico, é escritor, é visionário, é beat. Esse Nobel nos faz pensar na literatura que não está restrita ao objeto livro, e que, não por isso, deixa de ser literatura. (Aliás, quem pode negar que a letra de ‘Like a Rolling Stone’ não é capaz de impactar como alguns livros inteiros?)”.
Para Leonardo Tonus, professor de literatura brasileira e diretor do departamento de estudos lusófonos na universidade de Sourbonne, na França, porém, a sensação foi amarga, apesar da inegável qualidade da obra de Dylan. “Em tempos em que a literatura ocupa um espaço social tão reduzido, sinto que o prêmio não tenha sido atribuído a uma autora ou autor cuja obra reflita com maior contundência as questões da atualidade e as incertezas que atravessam o mundo contemporâneo”, afirmou.
É incontestável que outros autores “precisariam” mais do prêmio do que Dylan, mas não é assim que o Nobel funciona. Esperar justiça de qualquer prêmio literário (e que este, sendo o maior de todos, dê conta de todas as dimensões, contradições e dilemas do cenário literário mundial) é, no mínimo, ingenuidade – assim como esperar uma funcionalidade social, no sentido de incentivar uma carreira que “precise” do prêmio.
O Nobel de literatura é uma escolha curatorial como qualquer outra, com significados maiores, mas incapaz de dar conta de tantos questões que seu sentido envolve. Ganhar ou deixar de ganhar o Nobel em verdade não quer dizer nada a respeito da qualidade de obra alguma – a não ser o empurrão comercial que um prêmio oferece. Todo questionamento é bem vindo – assim como a própria questão sobre a validade de tais prêmios como um todo, para além do aporte financeiro que o Nobel dá ao vencedor.
O debato sobre se letra de música é ou não é literatura não tem fim nem finalidade, e flutua entre acadêmicos e intelectuais acima do amor real e pungente que o público devota aos compositores e a Dylan há cinco décadas – e acima principalmente da qualidade de sua obra.
A poesia e o canto são inseparáveis em suas origens e em seu DNA, desde os gregos e até hoje. Pois essa é a parte incontestável: a qualidade das letras, a devoção às palavras, o incessante trabalho de escritor que Dylan exerceu desde sua juventude e até hoje, e que reverberou em corações e mentes do mundo com força expansiva, emocional e simbólica extraordinária.
Mais do que canções isoladas – e a lista seria interminável, de Mr. Tambourine Man a Ballad of a Thin Man, de A Hard Rain’s gonna Fall a Don’t Think Twice it’s Allright, passando por Jokerman, Knockin’ on Heaven’s Door, Like a Rolling Stone, Simple Twist of Fate, Masters of War e centenas de outras mais – é possível indicar discos inteiros da obra de Dylan para se comprovar sua qualidade literária. The Times They Are A-Changin’, Bringin’ it All Back Home, Highway 61 Revisited, Blonde on Blonde e Blood On The Tracks, entre outros, são discos que, ouvidos ou simplesmente lidos, se afirmam como grandes momentos de afirmação da palavra e das letras, para além do suporte.
No mais, o Nobel se modernizar e se expandir não é em nada uma má ideia – tirar um pouco a poeira do prêmio e torna-lo novamente quente, digno de nota e debate é também trazer a literatura aos olhos do mundo, seja ela no formato que for. Questionar o Nobel, sua validade e sentido, é gesto importante e saudável – mas Bob Dylan merece qualquer prêmio, assim como a literatura merece Bob Dylan, um dos grandes poetas de nossa história recente, capaz de, nos poucos minutos de uma canção, mover sonhos, realidades e imaginários da mesma forma que os maiores livros.
© fotos: divulgação
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