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No extremo oriental da zona leste de São Paulo está o bairro São Mateus, que segundo Mapa da Desigualdade, carece muito de centros culturais, museus, teatros e salas de cinema. Sem esperar pelo poder público, é a própria população que precisa se unir e resolver o problema. É neste cenário que surge a Favela Galeria, galeria a céu aberto que não apenas colore, mas renova e engaja a comunidade.
A iniciativa partiu do coletivo de artes Opni (Objetos Pixadores Não Identificados), encabeçado pelos irmãos Toddy e Val Opni, que estão inseridos na arte urbana desde 1997. Nestes 20 anos, eles notaram mudanças significativas para os grafiteiros, que entraram para galerias, foram reconhecidos como grandes designers e artistas, mas sem perder seus principais valores, vindos da rua. “Talvez uma mudança para a cena foi a tecnológica, no sentido da comunicação usada para divulgação. Apesar disso, a primeira e mais importante maneira de divulgação, visibilidade, de mostrar um trabalho, uma ideia, são os muros”, contaram ao Hypeness.
A Vila Flávia, um dos distritos do bairro, sempre foi alvo dos graffitis da dupla, desde o início da carreira artística. Em 2009 houve a ideia de concentrar os murais por alguns trajetos e a galeria urbana se formou, assim, despretensiosamente. “A maioria das artes está localizada na parte do bairro que é favela, mas foi natural e não pensado o nome Favela Galeria. Algumas pessoas da comunidade inclusive já chamavam lá dessa forma, então a gente nem encara como uma mudança pensada, mas um processo de transformação, assim como esse projeto de ter uma galeria, que aconteceu de uma forma muito orgânica”.
Em 2014, o projeto foi vencedor na categoria “Territórios Culturais” do Prêmio Governador do Estado de São Paulo para a Cultura e se tornou, oficialmente, Favela Galeria. Um “simples” desenho num muro consegue ter um impacto enorme, que afeta diretamente os moradores. Os artistas contam que muitos jovens e crianças têm criado interesse pela arte, mas não só isso, abrem outras possibilidades que só a cultura pode trazer. “O ser humano às vezes não tem nem tempo de se descobrir nesse mundo louco, todo projetado, que você tem que entrar na escola, vai ter que se doutrinar no que a sociedade pede, seguir padrões. E então você acaba vivendo uma vida totalmente doutrinada. Com a arte queremos gerar totalmente outra reflexão, a de as pessoas conseguirem se descobrir, de as pessoas fazerem o que gostam, descobrirem sua aptidão, então o graffiti para gente lá é isso. A coisa tem que ser orgânica, da vontade da pessoa, ela tem que buscar”.
Como os muros falam, seus autores querem não só gerar impacto, mas ecoar olhares diferentes para a própria existência, resgatando a autoestima dos moradores retratados nos muros, o que amplia o empoderamento da comunidade. “A gente ouve histórias deles. Tem uma que começou a usar black power e flor no cabelo por conta dos graffitis. A gente retrata também pelo graffiti uma denúncia, para mostrar que estamos vivos, de olho. Vemos que às vezes essa forma de denunciar traz um diálogo com o poder público, por exemplo, na questão da iluminação, para colocar um asfalto, ou seja, também ajuda nesse contexto”.
Além disso, o uso das cores é capaz de trazer tranquilidade, isso não só pelos fundamentos da cromoterapia, mas pelas mudanças que acontecem em ambientes periféricos a partir do momento em que a arte se insere. “A gente sabe que as cores têm poder e procuramos resgatar isso. Há lugares que a gente pintou e sente que ficou mais tranquilo, então queremos tranquilizar, trazer conforto também através das cores, usar o poder da arte e tentar colocar num lugar que não tem muita perspectiva, onde existe o abandono. O pessoal geralmente vem à favela em busca de droga. Então começamos a convidar as pessoas para vir buscar arte”, explicam.
As mudanças deste e outros recursos culturais são lentas, porém, eficazes. Em agosto deste ano foi feito um grande evento para celebrar a nova fase do projeto e pintar novos murais com outros coletivos e artistas envolvidos, como Binho Ribeiro, Does e Prozak. O convite não é à toa: “queremos que os artistas sintam a comunidade e pintem o que têm a dizer para esse povo, uma provocação mesmo. E, para a comunidade, o desafio é o de aceitar a viver com esse momento artístico que não estão acostumados”.
Como nem só de graffiti vive a cultura do bairro, Val e Toddy também criaram outro legado, a ONG São Mateus em Movimento. Criado através da união de vários coletivos regionais, do Opni e do rapper Negotinho Rima, o espaço sedia eventos e atividades voltadas para a comunidade e funciona praticamente como o único do tipo na região. Para não ser injusta, recentemente uma área de descarte no Jardim da Conquista foi transformada em área de lazer ao ar livre.
Com cada um contribuindo com sua arte e conhecimentos, surgem várias mudanças positivas no bairro. “É plantar sementes e tentar regá-las ao longo do tempo para ver se dá bons frutos. Essa é a luta, com várias derrotas, várias tristezas, e com tentativas de alegria. Hoje temos diversos outros coletivos e pessoas agregadas, todo mundo acreditando, trabalhando em prol disso”.
Tanta garra, força de vontade, paixão pelo o que faz, levou a dupla Opni até o “New Orleans Jazz & Heritage Festival”, em New Orleans, no EUA, que é o berço do jazz e tem raízes afros, que também é base para o trabalho deles, sempre retratando figuras afrodescendentes, especialmente mulheres negras – que no geral são mais esquecidas, injustiçadas e prejudicadas, segundo eles. “É muito louco poder ir para outros lugares e ver pessoas fazendo a mesma coisa que a gente faz de formas diferentes. E conhecer um pouco mais da cultura negra, que é tão rica… Lá é um lugar inspirador, acho que a gente levou inspiração para um lugar inspirador. (…) Esperamos trazer as pessoas de lá pra cá”, concluíram, almejando romper ainda mais as fronteiras entre favela e mundo.
As artes se concentram na rua Archangelo Archina, 587, Vila Flávia, Bairro São Mateus/SP e em seus entornos.
Todas as fotos © Fábio Feltrin
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