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No país das telenovelas, um novo estilo de narrativa vem surgindo com força, motivado principalmente pelo sucesso que as séries americanas já fazem há tempos no Brasil.
Entre 2008 e 2014, as produtoras independentes registraram um aumento de 318% na produção de séries brasileiras, de acordo com um estudo realizado pela Fundação Dom Cabral em parceria com o Sebrae e a Apro (Associação Brasileira da Produção de Obras Audiovisuais).
“Tivemos um avanço nos últimos anos, principalmente por conta de políticas públicas, em especial a Lei da TV Paga que permitiu um investimento maior no setor. Há muitas novas séries surgindo e algumas destas estão passando da primeira temporada, reflexo de que de certa maneira elas estão sendo bem aceitas pelo público.“, comenta Leo Garcia, mestre em roteiro de ficção para TV e Cinema e sócio da produtora de roteiros Coelho Voador.
Leo já roteirizou as séries “Elvis e o Cometa” (TV Brasil), “Sapore D’Itália” (RBSTV e Globo Internacional), “Bocheiros” (TVE-RS e Prime Box Brazil) e “Werner e os Mortos” (Canal Brasil).
Cena da comédia “Elvis e o Cometa”, exibida na TV Brasil em 2010. Clique na imagem para ver o trailer.
A Lei da TV Paga à qual Leo se refere é uma regulamentação aprovada em setembro de 2011 que, entre outras coisas, obriga canais que exibam produções audiovisuais a dedicar pelo menos 3 horas e meia por semana a conteúdos criados no Brasil. Deste tempo, metade precisa ser produzido por uma produtora brasileira independente.
A roteirista Manuela Bernardi também ressalta a importância da regulamentação. “O mercado de séries no Brasil é muito novo e está evoluindo muito rápido. Há apenas seis anos, antes da Lei da TV Paga, todo mundo estava tateando no escuro“, comenta. Além de roteirizar a série “Do Amor“ (Multishow), Manuela fez mestrado em roteiro na University of Southern California, em Los Angeles, com bolsa da CAPES/Fulbright. Durante os dois anos em que passou em Los Angeles, chegou a trabalhar na Valhalla Entertainment, produtora do sucesso The Walking Dead.
Cena da série “Do Amor”, disponível no serviço Multishow Play.
Mesmo com o crescimento do mercado, produtores independentes ainda encontram obstáculos para sua colocação. É o caso de Felipe Rodrigo Borba, que está terminando a produção da série Juízo Final, sobre um crime ocorrido dentro de um hospital que afeta a vida de vários personagens da trama. “Não é fácil produzir arte aqui. Principalmente quando é um projeto independente como o nosso“, desabafa.
A série conta com o apoio de sete empresas que colaboram apenas com produtos, mas não investem na produção. Os recursos são arrecadados entre os integrantes da equipe. “Se tratando de um projeto de longa data, como uma produção de série demanda, uma hora ou outra surge essa necessidade e você tem que saber driblar essa carência de recurso“, diz.
Equipe da série “Juízo Final”, ainda sem previsão de estreia.
Para Felipe, as séries estão prontas para ocupar o espaço que antes pertencia às novelas. “[As pessoas] não têm tempo e nem paciência pra assistir 170, 200 capítulos. Isso é um fato, basta você ver a queda de audiência que as novelas de emissoras abertas tiveram de 2010 pra cá. E, com isso, acho que as séries ganharam força, porque são tramas intensas e sempre a serem desenroladas em poucos episódios“, comenta.
Não são apenas as novelas de grandes redes televisivas que perdem audiência. O próprio público tem migrado para outros espaços de exibição online, como o Youtube e a queridinha Netflix, com seu catálogo recheado de séries, incluindo uma produção 100% brasileira, o enredo de ficção científica “3%“, que retrata a desigualdade social em um futuro distópico.
Elenco de 3%, disponível na Netflix desde novembro de 2016. Foto: Pedro Saad/Netflix
Apenas quatro meses após seu lançamento, a produção já havia se tornado a série de língua não-inglesa mais assistida nos Estados Unidos. Embora não compartilhe dados de audiência, a Netflix afirma que metade das horas vistas de 3% ocorreram fora do território brasileiro, mostrando que as produções nacionais também têm força para conquistar outros mercados.
A segunda temporada da série já está em produção e estará disponível globalmente para os mais de 100 milhões de assinantes do serviço em 2018. No próximo ano, mais duas produções brasileiras devem estrear na plataforma de streaming: “O Mecanismo“, drama inspirado livremente nos recentes esquemas de corrupção descobertos no Brasil, e “Samantha!“, uma série de comédia que retrata a vida de uma ex-estrela mirim que busca voltar à fama.
Elenco de “Samantha!”, comédia brasileira com estreia prevista para 2018 na Netflix.
Os sistemas de vídeo on demand (VOD), como a Netflix, são citados pelos roteiristas como grandes propulsores deste mercado. Porém, não são os únicos canais por onde passam as séries online.
“A internet tem uma linguagem própria, meio anárquica, e a produção audiovisual se beneficia disso podendo ir pra lados experimentais – e ainda assim com popularidade. ‘Girls in the house‘, uma websérie brasileira que usa personagens do jogo The Sims como ‘atores’ e ‘atrizes’, é um ótimo exemplo“, comenta Felipe Longhi, que já roteirizou as séries “Pé na Porta” (RBSTV) e “Paralelo 30” (Prime Box Brazil) e está trabalhando em uma nova produção de detetive atualmente. “‘Vamos fazer uma série’ é o novo ‘vamos montar uma banda’. As séries estão sendo um jeito muito forte de expressar e dialogar com sentimentos“, diz.
Gravação de “Paralelo 30”, com lançamento previsto para abril de 2018 no Prime Box Brazil.
Manuela Bernardi também acredita que o mercado ainda tem um enorme potencial a ser explorado. “A internet é um universo infinito de possibilidades que a gente só está começando a explorar. Por um lado, uma boa parte do conteúdo online está se confundindo com o conteúdo de TV, o que é o caso das séries VOD – Netflix, Amazon etc. Por outro, existe uma linguagem exclusiva de internet que ainda está sendo construída. Existe um campo de experimentação maravilhoso com séries transmídia, jogos narrativos de realidade alternativa, séries de ficção de Instagram ou de Snapchat“, diz.
Um dos desafios de ascensão deste mercado é a dificuldade de monetizar séries lançadas em plataformas alternativas de distribuição, como o Youtube. Manuela destaca que a falta de financiamento para essas produções pode comprometer parte da qualidade, porque resulta em uma equipe com menos tempo para se dedicar ao trabalho, além de menos equipamento. “No Brasil, os vlogs já têm um poder de influência inacreditável. Além disso, há vários programas brasileiros de não-ficção que bombam na internet, como o ‘Pipocando‘, e fenômenos de ficção também, como o ‘Porta dos Fundos‘ e o ‘Girls in the House‘”, comenta
Cena de “Girls in The House”, disponível no canal do Youtube Rao TV
Girls in the House é mesmo um fenômeno de baixo orçamento: por utilizar os personagens do jogo The Sims como atores, a série não precisou de um grande investimento para ser concluída. Criada pelo carioca Raony Phillips, a produção foi das telas do jogo para o Youtube e se tornou um livro em agosto deste ano, assinado pela personagem Duny Eveley, que sonha em ser famosa. Após vender 20 mil cópias, a obra já está em sua segunda tiragem.
Apesar do sucesso de produções do gênero, os roteiristas são unânimes ao destacar que o brasileiro ainda está desvendando esse novo formato de narrativas. “Uma série não é simplesmente ‘um filme dividido em vários episódios’. Tem coisas específicas, geralmente um foco maior em personagens, com um estudo aprofundado das características psicológicas e dos fatores que levaram as personagens a serem como são no momento em que as conhecemos no início da série“, comenta Felipe Longhi.
Cena da série “Sopore D’Italia”, exibida em 2011 pela RBSTV e Globo Internacional.
“Muitas produtoras ainda não entenderam que realizar uma série é bem diferente de realizar um longa. Para uma série funcionar, o criador e/ou roteirista tem que ser mais respeitado, deixando de lado aquela lógica do diretor como figura central da produção – que é algo que faz todo sentido em um longa, mas em uma série é bem comum ter vários diretores por temporada seguindo uma linguagem e estilo previamente estabelecidos“, cutuca Leo Garcia.
Para Leo, um dos entraves para que se crie uma linguagem própria em séries brasileiras é o fato de que a maioria dos roteiristas ainda têm como referência principal as séries americanas, assistindo pouco conteúdo nacional. “É claro que é importante assistir ‘Leftovers’, ‘WestWorld’, ‘BoJack Horseman’ e afins. Mas a bem da verdade que existe muito mais chance de uma série brasileira ficar parecida com algum par seu nacional (enfrentando desafios semelhantes) do que achar que vai fazer o ‘Breaking Bad’ brasileiro. Até porque não vai“, diz.
Cena da série “Bocheiros”, exibida em 2014 na TVE-RS e Prime Box Brazil.
Para Manuela, os desafios são outros e estão mais relacionados à adaptação a um mercado que está em constante mutação. Ela destaca ainda o fato de que a maioria dos contratos são feitos por projetos, o que gera menos estabilidade aos roteiristas, que trabalham como freelancer e precisam ainda cultivar seu marketing pessoal. “Sem falar que, como a remuneração de cada trabalho raramente é o suficiente para se manter, os roteiristas precisam trabalhar em três, quatro, cinco projetos ao mesmo tempo para ter uma carreira“, ressalta.
Outro desafio consiste na desigualdade de gêneros nesse mercado, onde a presença feminina ainda está engatinhando. De acordo com uma pesquisa da Ancine sobre a participação feminina na produção audiovisual brasileira, as mulheres são responsáveis pela direção de apenas 17% e por 26% dos roteiros das produções seriadas no Brasil. Sobre esse aspecto, Manuela é otimista. “O desequilíbrio entre homens e mulheres no mercado audiovisual é reflexo de toda a cultura ao redor, no Brasil e no mundo. Não consigo enxergar um caminho linear e fácil para resolver isso, principalmente no curto prazo, mas nos últimos anos, nós mulheres estamos nos unindo e procurando nossos caminhos juntas, o que é lindo“.
Cena de “Juízo Final”, ainda sem previsão de estreia.
A roteirista conta que cada vez mais encontra um mercado disposto a abraçar a presença feminina não apenas nos bastidores, mas também fora deles. A mudança é um reflexo da sociedade que vem demandando cada vez mais histórias com personagens femininas complexas.
“Hoje em dia, é bem mais difícil que o público deixe barato uma personagem feminina unidimensional, por exemplo. Ou um retrato irreal do que é ser mulher. Ou uma série em que só os personagens masculinos têm profundidade. Tudo isso é criticado hoje em dia. Mais do que isso: o público está pedindo histórias diferentes. Aos poucos, os investidores e os canais estão percebendo que, para ganhar dinheiro, eles precisam da representatividade (de gênero, de raça, de classe social, de orientação sexual etc.), tanto nas telas quanto atrás delas“, diz.
Cena da série “Pé na Porta”, exibida pela RBS-TV.
O público ainda está se acostumando com este tipo de narrativa. “Série de TV, no formato como se pensa ultimamente e que tem sido marcante nos últimos tempos, ainda não tivemos nenhuma produzida no Brasil que tenha gerado tanto diálogo com o público. E esse também é um desafio. Porque assim como nós, roteiristas brasileiros, estamos desvendando as características específicas da escrita de uma série, o público brasileiro também está se acostumando a consumir séries nacionais. É um processo que leva tempo“, comenta Felipe Longhi.
Para Leo Garcia, entretanto, a chegada de uma série brasileira de peso pode estar perto de acontecer. “Precisamos de ideias frescas e originais nesse sentido. De qualquer forma eu sigo otimista, ainda mais com os agentes de VOD entrando com tudo e também investindo em conteúdo. Vejo o mercado crescendo, boas séries estão surgindo e torço que apareça alguma brasileira que seja um marco, sucesso de crítica e público. Acho que não estamos tão longe disso acontecer“.
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