Debate

O doutor mais jovem do Brasil é negro e filho de pedreiro e costureira

11 • 04 • 2018 às 12:51
Atualizada em 18 • 04 • 2018 às 09:30
Kauê Vieira
Kauê Vieira   Sub-editor Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.

Jovem negro de 26 anos, Guilherme Lopes se tornou o doutor mais jovem do Brasil. Filho de pedreiro e costureira, o universitário teve sua tese de doutorado em biologia aprovada pela UFPI, em Paranaíba, Piauí.

Intitulada “Bioprospecção da bergenina isolada de Peltophorum dubium, com ênfase nas propriedades antioxidantes e anti-anti-inflamatórias: aporte para o desenvolvimento de novos fitomedicamentos”, a tese é fruto de oportunidades alcançadas em função de programas de ações afirmativas e de incentivo a pesquisa, como o Ciência sem Fronteiras.

Guilherme Lopes é o doutro mais jovem do Brasil

Foi por meio da bolsa que Guilherme, natural de Piripiri, no Piauí, teve a oportunidade de passar um ano na Espanha aperfeiçoando sua pesquisa no Departamento de Farmacologia da Universidade de Sevilla.

Aluno de escola pública, o caminho de Guilherme Lopes foi pavimentado em função do ENEM e do PROUNI, facilitadores para que conseguisse bolsa de estudos no curso de Biomedicina da Faculdade Maurício de Nassau, na capital Teresina.

Atualmente lecionando nas disciplinas de Farmácia e Enfermagem na Faculdade Chrisfapi, o jovem ressaltou o apoio para concluir o objetivo de se tornar Doutor. “Me lancei ao novo, vivenciei o inesperado, saboreei o doce e o amargo, mas em todo o tempo o Todo Poderoso cuidou de mim”, declarou ao site Awebic.

Meritocracia não, políticas públicas

Beneficiado por uma série de políticas públicas de democratização do acesso aos estudos, a história de Guilherme reafirma a necessidade do fortalecimento das ações afirmativas como instrumentos de saneamento de desigualdades históricas. Entre elas se destacam a Lei de Cotas,  sancionada pelo governo federal em 2012 e que desde então provocou uma mudança no perfil dos estudantes universitários e de institutos federais.

Ao reservar 50% das vagas para alunos negros, indígenas ou pessoas vindas de escolas públicas, a iniciativa deu mais um passo para a equidade racial e inclusão social. Para se ter ideia dos efeitos das cotas, o número de negros nas universidades dobrou em menos de 10 anos. De acordo com dados da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Seppir, a medida já ofertou por volta de 150 mil vagas para negros até 2015.

“Em três anos a Lei de Cotas nas Universidades provou ser um instrumento eficaz para reduzir as desigualdades existentes na sociedade. A medida permitiu o ingresso no ensino superior de jovens que normalmente não teriam essa chance”, explicou a ex-ministra da Seppir Nilma Lino Gomes em matéria do Geledés.

Os avanços são substanciais, mas ainda é preciso percorrer um longo caminho, já que a disparidade entre negros e brancos permanece enorme. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que em 2015 o número de negros entre 18 e 24 anos que chegaram ao nível superior era de 12%, ou seja, menos da metade dos 26,5% de brancos.

O IBGE destaca ainda que a dificuldade de acesso dos negros se dá pela educação defasada recebida por esta parcela da população. No tempo em que deveriam estar matriculados em universidades, 53,2% dos negros ainda estão no ensino fundamental ou médio, ante 29,1% de brancos.

A intelectual Sueli Carneiro é uma das grandes defensoras das ações afirmativas no Brasil

Sueli Carneiro, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e fundadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra – primeira organização negra e feminista independente de São Paulo, acredita que a as cotas escancaram os efeitos causados pelo racismo na sociedade brasileira.

“O melhor das cotas é a sua capacidade de tirar as máscaras do racismo, da discriminação racial, e explicitar a verdadeira natureza dessas ideologias: a legitimação de privilégios raciais e sociais. Elas obrigam que os diferentes interesses envolvidos e beneficiários da exclusão se manifestem. E é por isso que elas são capazes de galvanizar a opinião pública porque o monopólio histórico dos grupos racialmente hegemônicos no acesso as melhores oportunidades sociais se vêem por elas ameaçados. Para preservá-los, diferentes discursos são acionados”, salientou em artigo publicado no próprio Geledés.

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Fotos: foto 1: Reprodução/foto 2: Reprodução/Marcus Steinmayer


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