Estilo

5 livros que resumem a revolução no jornalismo criada por Tom Wolfe

18 • 05 • 2018 às 08:28 Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Se houve uma figura capaz de definir e reunir em si todo o romantismo sobre ser jornalista no século 20, essa pessoa foi o americano Tom Wolfe. Do seu jeito de se vestir e falar, passando pelos temas que cobriu, descobriu e eternizou em seus texto, até o seu estilo de escrita, Wolfe, sua vida e seu trabalho, encarnou uma espécie de sonho para os aspirantes ou os operários da profissão, sobre até onde o jornalismo poderia ir – revolucionando-o em mil sentidos, e se tornando uma espécie de herói do papel e da pena. Poucos jornalistas foram tão reconhecidos, celebrados, debatidos e mudaram de forma tão indelével o texto jornalístico no século 20 como Tom Wolfe, que faleceu ontem, em Nova York, aos 88 anos.

Wolfe em sua casa em Nova Iorque

Sempre impecavelmente elegante, Wolfe era como um dândi, flanando pelas ruas de Manhattan com seu indefectível terno branco, chapéu e sapatos, camisa de seda em gola alta, lenço no bolso, relógio de bolso sobre um homem alto e esbelto – em estilo que ele próprio batizou como “neo-pretensioso”. Assim ele se tornou um mito do jornalismo, justamente por subverter o que se esperava da figura clássica desse profissional – tanto em sua aparência e seu jeito de ser quanto em sua escrita. Sofisticado, apreciador de gostos refinados e dono de uma escrita como a de um grande romancista, Wolfe aplicou doses radicais de loucura, ficção, estilo e grandiloquência, misturando erudição e oralidade, citações profundas e onomatopeias em um mesmo texto, com a naturalidade da vida que vivia e observava – e assim, ajudou a fundar uma das linhas mais importantes do jornalismo moderno, que ficou conhecida como Novo Jornalismo.

O jovem Tom Wolfe e sua máquina de escrever em 1965

A premissa era ousada e única: tratar o jornalismo não mais como um mero transmissor de fatos, mas sim como uma forma de arte – aproximando-o da literatura através de técnicas narrativas, estilos descritivos, edições de texto, linguagens e construções estruturais até então utilizadas somente em romances, novelas e contos – e sem abandonar a investigação, a revelação e o acompanhamento dos fatos que uma boa reportagem costuma exigir. Descobrindo as histórias dentro de uma história, como que sempre olhando um acontecimento por um enfoque pessoal e não usual – para assim descobrir o que havia de realmente interessante em um tema – o Novo Jornalismo trouxe emoção, opinião, envolvimento, aventura e ousadia ao até então engessado formato que pautava o jornalismo dos anos 1960.

O autor em 1988, depois do lançamento de A Fogueira das Vaidades

No seu manifesto, presente no livro The New Journalism, Tom Wolfe aponta algumas das premissas estruturais fundamentais para a construção da revolução textual e jornalística que ele e seu grupo estavam criando: a construção “cena a cena” do ocorrido (pela qual Wolfe afirma que, no lugar de relatos terceiros, o jornalista deveria testemunhar os fatos e recria-los, passo a passo, para o leitor), o uso de diálogos como aconteceram, com oralidades, gírias, palavrões e onomatopeias, o uso da terceira pessoa (abusando da lógica de um romance para envolver o leitor) a partir de um narrador, e uso dos detalhes sociais e contextuais, tornando não só os personagens e eventos o centro do texto, mas também os arredores, os entornos, os detalhes – ferramentas que Wolfe utilizava para fazer o que chamava de “autópsia social” de uma história.

Wolfe com Jerry Garcia, vocalista do Grateful Dead, e o empresário da banda, na famosa esquina de Haight e Ashbury, em San Francisco

No caso de Wolfe, a ironia, a crítica de costumes, a sátira, a irreverência se vestiam com sua habilidade singular para a escrita – que o levou a ser chamado de “o Balzac da Park Avenue” no obituário do jornal The New York Times. Junto de Wolfe na leva de escritores que faziam parte do Novo Jornalismo estavam nomes como Truman Capote, Gay Talese, Norman Mailer e Hunter S. Thompson, entre outros.

O impacto foi tamanho que, enquanto alguns críticos o viam como a degradação da importância do trabalho do jornalista, outros o apontavam como não só o futuro das reportagens como o próprio futuro da literatura – e o êxito de um livro como A Sangue Frio, sucesso de crítica e público em que Capote se vale das premissas do Novo Jornalismo para “cobrir” um crime, ilustra tal recepção.

Hunter S. Thompson e Tom Wolfe

Tom Wolfe publicou nas principais revistas e jornais do mundo, e recebeu prêmios ao longo de toda sua vida. Assim, em homenagem a esse revolucionário do ofício, separamos aqui 05 livros que melhor definem sua obra, seu legado e sua vida – uma vida inteira dedicada a levar o jornalismo e nossa imaginação como leitor a novos limites. Através deles se entende a razão pela qual todo escritor de não-ficção já quis um dia escrever como Tom Wolfe.

1. The Electric Kool-Aid Acid Test (1968)

Publicado no Brasil como “O Teste do Ácido no Refresco Elétrico”, esse livro-reportagem de 1968 talvez seja o mais popular exemplo do Novo Jornalismo. Nele, Wolfe relata as viagens de um grupo de hippies intitulados Merry Pranksters que, liderados pelo escritor americano Ken Kesey (autor de Um Estranho no Ninho), percorriam os EUA em um ônibus colorido – tomando ácidos e outras drogas psicodélicas feito fossem água. O livro ilustra os “Testes do ácido”, em que o LSD era colocado em um suco para que um grupo tivesse uma viagem coletiva, e também os encontros dos Pranksters com figuras símbolo da época, como Neal Cassidy, o poeta Allen Ginsberg, a banda Grateful Dead, os Hell’s Angels, assim como conta a controversa história do próprio Kesey, sua fuga para o México e suas prisões. Esse foi o livro que colocou Wolfe no mapa, e que até hoje serve como um olhar essencial sobre a contracultura americana dos anos 1960 – assim como uma porta de entrada maravilhosa para o Novo Jornalismo.

O escritor Ken Kesey dentro de seu ônibus

2. Radical Chic & Mau-Mauing The Flak Catchers (1970)

 

Antecipando um tema frequente nos debates sociais e virtuais de hoje, o livro Radical Chic… reúne dois grandes artigos de Wolfe que tratam basicamente de racismo, da luta e revolta negra nos EUA e da culpa da parcela branca da população diante das injustiças e desigualdades. O primeiro artigo, “These Radical Chic Evenings” (Essas Tardes Radicais Chics, em tradução livre), retrata uma festa que o maestro Leonard Bernstein (autor, entre outras, do musical Westside Story) ofereceu para arrecadar fundos para os Panteras Negras, partido ativista pela luta e os direitos negros, como uma leitura aguda do aspecto dos paradoxos do interessa da burguesia branca por um partido revolucionário e negro. Já o segundo artigo denuncia a corrupção dentro de secretarias do governo americano responsáveis por programas anti-pobreza no país. Controverso, o livro levantou debates de todas as frentes, e seu título serviu de origem para a personagem em quadrinhos Radical Chic, criada por aqui pelo cartunista Miguel Paiva.

3. The New Journalism (1973)

 

Publicado ao mesmo tempo como uma antologia de exemplos do estilo e como um manifesto em nome desse novo tipo de jornalismo, o livro The New Journalism (O Novo Jornalismo) reúne alguns dos principais nomes do jornalismo de então, capitaneado por Wolfe. Escritores como Truman Capote (com um trecho de A Sangue Frio), Hunter S. Thompson, Gay Talese, Norman Mailer, Joan Didion, Barbara Goldsmith, além do próprio Wolfe, oferecem alguns de seus melhores ensaios na segunda parte do livro. A primeira parte, o manifesto, é formada por quatro ensaios previamente escritos por Wolfe, e não só define algumas das premissas do estilo, como ataca o realismo da literatura americana da época, afirmando o Novo Jornalismo como algo mais interessante e importante.

4. Os Eleitos (The Right Stuff) (1979)

Para retratar a criação e o desenvolvimento do primeiro programa espacial americano, Wolfe se valeu de todas as suas premissas e técnicas, relatando um acontecimento real com estilo novelístico, feito fosse um romance. Assim ele misturou as histórias pessoais dos astronautas que participaram do grupo que ficou conhecido como “Mercury Seven” – e que formou e desenvolveu o Projeto Mercury – com o contexto e a história política americana da época, para, assim oferecer um complexo e profundo retrato da corrida espacial entre os EUA e a União Soviética ao longo de toda a década de 1960. O livro foi adaptado para o cinema, em um filme homônimo vencedor de diversos Oscars, em 1983.

Cena do filme “Os eleitos”, de 1983

5. A Fogueira das Vaidades (1987)

Apesar de ter marcado a história do jornalismo e revolucionado a escrita de não-ficção, possivelmente o livro mais célebre ao redor do mundo de Wolfe é seu primeiro romance, “A Fogueira das Vaidades” – um livro de ficção. Nele, Wolfe destila seu olhar crítico, irônico e incendiário sobre um um de seus alvos contextuais preferidos: o mundo de Wall Street. No livro o autor retrata, através da vida fora de controle de um investidor da bolsa de Nova Iorque, as classes sociais, a política, o caos e a decadência de uma metrópole e da própria década de 1980 nos EUA, criando assim um dos livros mais essenciais da época. Wolfe ainda viria a escrever outros três romances.

Cena do filme “A Fogueira das Vaidades”, de 1990

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© fotos: divulgação/reprodução


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