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A paralisação dos caminhoneiros atingiu em cheio a economia do Brasil. Iniciada na última segunda-feira (21), a mobilização prejudicou o abastecimento alimentício, a produção agropecuária, além de comprometer o funcionamento das grandes cidades com a falta de combustível.
O movimento causou uma série de consequências políticas e econômicas e escancarou a dependência brasileira do sistema rodoviário. A Fundação Dom Cabral demonstrou que as rodovias são utilizadas para o transporte de 75% da produção do Brasil, sendo que 60% da carga é formada por alimentos, combustíveis e automóveis.
A constatação não é uma novidade para especialistas e a população em geral, que há tempos discute os efeitos deste impeditivo crônico ao desenvolvimento do país, tanto no setor econômico quanto o ambiental.
A paralisação de caminhoneiros jogou luz em problema crônico do Brasil
O Brasil inaugurou sua primeira ferrovia em meados de 1854, no Rio de Janeiro em um processo de crescimento que se encerrou em 1920. No período o trem era sinônimo de progresso e representava uma mudança na logística, pois era muito mais rápido do que os até então tradicionais carros de boi. O avanço da malha ferroviária integrava um plano de nação representado pela Estrada de Ferro Dom Pedro II, depois batizada de Estrada de Ferro Central do Brasil.
Porém o encantamento com os trens, pelo menos da parte dos governantes, cessou e o país decidiu apostar todas as suas fichas no transporte terrestre. Ou seja, carros e caminhões se transformaram na galinha dos ovos de ouro.
Welber Luiz é historiador, doutorando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e dedica boa parte de seu trabalho pesquisando a história da relação do Brasil com os trens. Em entrevista concedida ao Hypeness, ele afirma que o problema não é necessariamente a falta de investimento em ferrovias, pelo contrário, a grande questão é a relação histórica entre o governo, construtoras e empreiteiras e a ditadura militar.
“O Brasil é o quinto maior país do mundo em território e o sexto em população. O mapa ferroviário, por mais rarefeito que seja, segue pelas regiões de acordo, em muito, com a densidade demográfica. Não é que o Brasil exatamente não investe em ferrovias; o maior problema é como historicamente a relação entre empreiteiras/construtoras vem se construindo. No plano de metas do governo Juscelino Kubitschek, as estradas de ferro possuíam grande importância estratégica e em 1957 foi criada a Rede Ferroviária Federal S. A., que era uma empresa estatal para administrar todas as ferrovias da União, exceto as da Companhia Vale do Rio Doce. No âmbito da RFFSA, o intuito inicial era corrigir as falhas das ferrovias mais atrasadas e potencializar a integração com as de melhor desenvolvimento, como a Estrada de Ferro Central do Brasil e a Santos a Jundiaí”, encerra.
Para Welber, que também é membro-diretor do Núcleo de Estudos Oeste de Minas (NEOM), o debate sobre transporte no Brasil precisa passar impreterivelmente pelo regime militar que se arrastou por mais de 20 anos. “Veio o golpe de 1964 e a consequente ditadura, o que mudou profundamente os objetivos da RFFSA, praticamente invertendo sua razão de ser”, alerta.
A ditadura militar foi um desastre sem precedentes para história brasileira
Os saudosistas apontam a década de 1950 como um dos períodos mais promissores da vida brasileira. Sob a batuta de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, o país se abriu para o capital externo e promoveu investimentos nunca antes vistos na estrutura rodoviária, aeroportuária e hidroviária. Aliás, foi neste momento em que JK ficou marcado pela célebre frase dos “50 anos em cinco”, sublinhando o conceito de grandiosidade que tomava conta da sociedade.
Welber diz que apesar do arrefecimento os trens ainda faziam parte dos planos de JK, assim com na gestão do antecessor Vargas. O historiador aproveita para rechaçar uma ideia muito difundida de que o brasileiro fomenta a “mentalidade do carro”.
“É exatamente o contrário. E não é exatamente uma questão de mentalidade. Mentalidade é a forma como a sociedade, em sua maior média, pensa o mundo. E eu duvido que você consiga me provar que o povo brasileiro não gosta de trem. O senso comum propaga um mito sobre o governo Juscelino, que foi criado pela ditadura para difamá-lo”.
O início do sucateamento da malha ferroviária do Brasil é mais um dos frutos do desastre econômico que foi a ditadura militar. Certamente você já deve ter ouvido falar sobre o “milagre econômico”, nome dado ao projeto econômico traçado e conduzido pelo então Ministro da Fazenda Delfim Neto. Considerado por alguns como um dos momentos de maior crescimento da história esta linha entre os anos de 1968 e 1973 não foi tão próspera quanto se imagina. Pelo contrário.
Apesar do aumento de 14% no Produto Interno Bruto (PIB) e um crescimento de 10% ao ano, o Brasil sofria com uma queda vertiginosa da inflação. O Índice Geral de Preço (IGP), então responsável pela medição, registrou decréscimo de 25,5% para 15,6%.
As políticas aplicadas pelos militares estimularam a desigualdade e concentração de renda nas mãos dos mais ricos. Ou seja, a população mais vulnerável acabou sentindo os efeitos de um projeto econômico falho. O índice de Gini, então usado para medir a concentração de renda saltou de 0,54 para 0,63 em 1977. Lembrando que o coeficiente de Gini vai de 0 a 1.
Aliada ao desastre econômico surgiu o chamado “plano de erradicação de trechos deficitários”, que fez sumir do mapa uma quantidade considerável de vias férreas se perpetuando até o Plano Nacional de Desestatização (PND), no governo Collor, como mostra o blog Trilhos do Oeste.
Viadutos e túneis de uma linha que nunca foi assentada
“O maior responsável pela forma como os meios de transporte no Brasil funcionam hoje – e eu falo isso com muita tranquilidade – foram os governos militares, que passaram a utilizar os dados para a melhoria da rede ferroviária para fazer o contrário: erradicar as linhas. A partir de 1967, o Mário Andreazza, ministro dos transportes dos governos Costa e Silva e Médici (1967-74), aprofundou o modus operandi, ao profissionalizar a corrupção nas relações entre construtoras e governos. Duas obras ferroviárias do período são o retrato do que eu falo aqui.
Uma é a construção do sistema de cremalheira na Serra do Mar, que substituiu o fabuloso sistema britânico do funicular entre Paranapiacaba e Santos. A outra, projetada no período Andreazza, foi a Ferrovia do Aço. Nessas obras é que as grandes empreiteiras, muitas hoje famosas justamente pela relação espúria com agentes do Estado e dos governos, cresceram e tomaram um poder imensurável”, salienta Welber.
Desde então, o Brasil vem colhendo os frutos do divórcio com as ferrovias. Na década de 1990, o governo de Fernando Henrique Cardoso concedeu a malha federal para a iniciativa privada, beneficiando principalmente a Vale, que vai administrar o setor por 30 anos.
Em 2010, Dilma Rousseff instaurou o Plano Nacional de Logística com o objetivo de promover uma integração maior entre trem e caminhão. Em um primeiro momento o governo Temer deixou a medida de lado, mas recentemente abriu consulta pública sobre assunto. Agora com a greve dos caminhoneiros o debate está de volta, mas para o historiador Welber Luiz em função de questões estruturais não dá para criar expectativas de uma mudança no curto prazo.
“Assim que as coisas voltarem ao ‘normal’ nas entregas de combustível e bens de consumo ou de primeira necessidade, a vida segue sem trenzinho mesmo. Até porque, a velocidade de costume no andamento das obras de infraestrutura, especialmente de ferrovias que possuem uma lógica mais, digamos, especializada, dificilmente muda, pois as construtoras continuam sendo as mesmas e os responsáveis pela fiscalização, também”, assegura ao Hypeness.
Seja pelo grande número de acidentes fatais registrados nas estradas, como pelas perdas financeiras geradas pela dependência extrema dos caminhões, não dá para um país como Brasil viver exclusivamente de rodovias. Não se trata de uma demonização, sim de um clamor por um equilíbrio. Economia, meio ambiente e sociedade saem ganhando.
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