Inspiração

Três Copas, três seleções: O meia Dejan Stankovic é o resumo da dissolução da Iugoslávia

14 • 06 • 2018 às 06:50
Atualizada em 18 • 06 • 2018 às 16:48
Breno França
Breno França

A Copa do Mundo é um dos poucos eventos capazes de reunir os povos de todos os cantos do planeta em torno de um único objetivo. O mundial de futebol que chega a sua 21ª edição completa 88 anos em 2018 e ajuda a contar um pouco da história do período.

Ao todo, 79 países já disputaram o mundial pelo menos uma vez. E em todos eles houve pelo menos um estreante. No total, mais de oito mil jogadores tiveram o privilégio de defender suas nações no campeonato de futebol mais importante do mundo. Mas mesmo diante de tanta história e no meio de tanta gente, Dejan Stankovic se tornou um caso triste e único.

Nascido em 11 de setembro de 1978, Stankovic viu o dia do seu aniversário passar a ser lembrado pelo maior atentado terrorista de todos os tempos quando completava 23 anos. Muito antes disso, porém, a vida do jogador já estava marcada pelo derramamento de sangue. O motivo nada tinha a ver com sua data de nascimento, mas tinha com o local.

Stankovic nasceu na cidade de Belgrado, que em 1978 ainda fazia parte da Iugoslávia. Um território comandado pelo General Tito que, ora pela força, ora pela diplomacia, conseguiu manter unido um território marcado por diferenças culturais, étnicas e religiosas do fim da Segunda Guerra Mundial até sua morte em 1980.

Mapa mostra antiga Iugoslávia fragmentada pelas novas repúblicas da Eslovênia, Croácia, Bósnia Herzegovina, Macedônia, Sérvia e Montenegro.

A partir de então, movimentos separatistas de praticamente todas as repúblicas que integravam a antiga Iugoslávia começaram a demonstrar o desejo de terem maior autonomia, dar fim ao partido único e instalar uma democracia de modo que uma série de declarações de independência se sucederam e provocaram guerras de todos os tipos.

Entre 1991 e 1995, inúmeros conflitos armados entre sérvios, croatas, eslovenos, bósnios e albaneses mataram mais de 140 mil pessoas e deixaram mais de 4 milhões desalojadas na região dos Bálcãs.

Em meio a tudo isso, Dejan Stankovic crescia e perseguia o simples sonho de se tornar jogador de futebol. Em 1995, aos 16 anos, tornou-se o jogador mais novo a estrear no time profissional do ex-poderoso Estrela Vermelha e logo mostrou seu potencial. Em três temporadas participou de 96 partidas, anotou 35 gols e, aproveitando-se de um pouco mais de estabilidade política de seu país, conseguiu a convocação para a seleção iugoslava que jogaria a Copa do Mundo de 1998, na França.

Iugoslávia: primeira Copa

Além do jovem e talentoso camisa 20, o time da Iugoslávia também contava com outros bons jogadores, entre eles Vladimir Jugovic, Dejan Savicevic, Predrag Mijatovic e Sinisa Mihajovic de modo que a seleção conseguiu passar pela fase de grupos invicta após vencer os Estados Unidos e o Irã, ambos por 1 a 0, e empatar com a poderosa Alemanha em 2 a 2.

O pequeno saldo de gols, no entanto, fez com que os iugoslavos perdessem a primeira posição do grupo para os alemães nos critérios de desempate. E a partir daí não deram mais sorte. Nas oitavas de final, diante da badalada e talentosa seleção da Holanda, perderam por 2 a 1 com um gol sofrido nos acréscimos do segundo tempo e encerraram o que ainda não sabiam mas seria a última participação da Iugoslávia no Mundial.

Eles ainda não sabiam, mas essa seria a última seleção unificada da Iugoslávia a entrar em campo numa Copa do Mundo; Dejan Stankovic começou no banco

A performance de Dejan Stankovic, no entanto, chamou a atenção da Lazio e diante dos conflitos domésticos, o meia de passe refinado e chute poderoso de longa distância resolveu deixar a terra natal em direção à Itália onde ainda na primeira temporada conquistaria o primeiro título de sua carreira: a finada Recopa Europeia; além do vice-campeonato da liga italiana.

Na temporada seguinte, porém, algo ainda melhor estava reservado para Stankovic e seus companheiros. Depois de ser determinante na conquista da Copa da Itália, o insinuante meia iugoslavo ainda contribuiu para a conquista do segundo Scudetto da história da Lazio. Algo que não acontecia desde 1974.

Dessa maneira, Stankovic conquistou cada vez mais espaço no time onde passou sete anos, disputou 205 jogos e marcou 33 gols, além de inúmeras assistências, sua maior especialidade. Finalmente, já em 2004 quando a Lazio conquistou novamente a Copa da Itália, o futebol de Drago chamou a atenção de Juventus, Fiorentina e Inter de Milão, time pelo qual escolheu atuar os últimos nove anos de sua carreira.

A essa altura, porém, as coisas não iam lá muito bem na sua antiga Iugoslávia. Após sucessivos confrontos, a população do novo território agora batizado de Sérvia e Montenegro vivia em pobreza extrema por conta das sanções internacionais aplicadas pela ONU por conta do ininterrupto derramamento de sangue.

Sérvia e Montenegro: segunda Copa

Nesse clima, pensar em futebol parece até descabido e é claro que a seleção iugoslava não se classificou para a Copa do Mundo de 2002. Mas logo depois, em 2003, a reunião pacífica de dois povos resultou no novo estado de Sérvia e Montenegro que somou forças, disputou as eliminatórias e conquistou uma vaga na Copa de 2006, na Alemanha.

A tensão política, porém, voltaria a dar as caras ainda antes do mundial. Convocado, Dejan Stankovic estava prestes a disputar sua segunda Copa do Mundo pela segunda nação diferente quando o inesperado mais uma vez aconteceu. Um plebiscito convocado para o dia 21 de maio de 2006, apenas 18 dias antes da abertura do mundial, decidiu pela separação de Montenegro da Sérvia.

A seleção, porém, deveria permanecer unida pelo menos naquele mundial para a qual se classificou jogando junto. Algo que, na prática, não aconteceu. Os sérvios, talvez ressentidos pela separação, boicotavam os montenegrinos e esses, por sua vez, não trabalhavam em conjunto com os primeiros.

Num esporte coletivo como o futebol, o time dividido sucumbiu perante os adversários e com três derrotas, uma delas por 6 a 0 para a Argentina, se despediu da sua única participação na história do mundial de forma melancólica. Dessa vez, cientes de que não haveria uma próxima vez.

Sérvia: terceira Copa

Capitão da Sérvia

Na sua última passagem pela Copa do Mundo, Dejan Stankovic mesmo veterano foi camisa 10 e capitão da promissora seleção Sérvia

Quatro anos depois, porém, Dejan Stankovic ganhou sua nova chance. Já envelhecido, diante do fim precoce de sua carreira, ganhou o status de capitão e conduziu a nova seleção sérvia em mais uma eliminatória. Com 70% de aproveitamento na forte eliminatória europeia, a Sérvia novamente mostrou capacidade, deixou a então vice-campeã mundial França para trás num dos grupos mais difíceis da classificatória e garantiu uma vaga na Copa do Mundo da África.

Classificação histórica por ser a primeira do novo país. E histórica por ser a terceira de Dejan Stankovic que se tornava o único jogador a disputar três Copas por três países diferentes. Uma marca que dependeu de seu talento e longevidade, mas também de conflitos que feriram, mataram e desalojaram milhões de pessoas ao longo dos anos. E é por isso que Stankovic queria um resultado melhor para sua despedida.

“Estou feliz com a marca, mas preferia vencer. É bom ter estado em três Copas do Mundo, mas eu ficaria mais satisfeito com melhores resultados”, disse na saída do jogo contra a Austrália na Copa de 2010 quando um empate classificaria a seleção para a próxima fase, mas a derrota por 1 a 0 acabou eliminando a equipe.

Oito anos depois, Deki, como é chamado pelos compatriotas, deu nova entrevista onde evidenciou que o sentimento não tinha mudado muito:

Sou orgulhoso, primeiramente de ter jogado três Copas do Mundo. Como você disse, é um recorde estranho: três mundiais por três países diferentes, mas aquele jogo contra a Austrália foi uma das maiores decepções da minha carreira. Aquele é o único jogo em 20 anos de carreira que eu gostaria de jogar de novo.


O tempo, porém, não volta mais para redimir o desempenho da Sérvia. Mas também não apaga a marca histórica que Stankovic carrega em nome de um povo que sofreu, mas que sempre mostrou talento e capacidade para se reerguer e tentar mais uma vez.

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