Arte

As mulheres mais f*das do rock: 5 brasileiras e 5 ‘gringas’ que mudaram a música para sempre

13 • 07 • 2018 às 14:43
Atualizada em 13 • 07 • 2018 às 15:04
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

A história do rock é também a história das grandes mulheres que ajudaram a moldar, ampliar e radicalizar o mais importante estilo musical do século 20. Apesar de naturalmente o universo desse gênero também reproduzir as lógicas e estruturas de poder que sustentam o machismo, ainda assim um sem-fim de grandes mulheres colocaram a atitude, os corações em fúria, a rebeldia, a poesia, a beleza e a força em suas canções para determinar do que se tratava e ainda trata o rock – muitas vezes se valendo da própria opressão de gênero como impulso e combustível para fazer do rock o que ele pode (ou podia) ser de melhor: um estilo musical que desafia justamente estruturas conservadores em nome de uma maior liberdade.

Em tal perspectiva, o rock naturalmente é um estilo perfeito para a força feminina se afirmar. Não é por acaso que, apesar do espaço reduzido e dos preconceitos que tiveram de enfrentar, tantas artistas, desde os mais ancestrais primórdios de seu surgimento – não seria exagero afirmar que uma das mulheres dessa lista ajudou a literalmente inventar o estilo – até hoje se destacam como alguns dos mais importantes acontecimentos dentro da história desse movimento cultural.

Assim, para celebrar o dia do rock, nada mais justo do que destacar algumas das mais importantes mulheres de sua história – cantoras, guitarristas, compositoras, liderando bandas ou em carreiras solo com doses especiais de coragem, força, talento, atitude e, acima de tudo, a mais maravilhosa música, para não deixar dúvida ou pedra sobre pedra a respeito do rock ser também o que sempre foi: um lugar de mulher.

Junto de cada perfil, indicamos o disco da artista em questão que escolheríamos se só pudéssemos levar um exemplar para a uma ilha deserta.

1. Sister Rosetta Tharpe

 

Conforme já sugerimos em matéria anterior, mais do que possível é necessário que afirmemos que o rock também foi inventado por uma mulher negra ainda nos anos 1940. Como, afinal, olhar para a incrível Sister Rosetta Tharpe, empunhando e esmerilhando sua icônica guitarra Gibson SG sem reconhecer em tal cena as premissas claras e objetivas do que o rock viria a ser? Sister Rosetta permaneceu pouco reconhecida até recentemente, recebendo ao máximo o título de “madrinha do rock”. É preciso, no entanto, que superemos os machismos e o purismo que costuma pautar tal debate para admitirmos o óbvio: não é por acaso que muitos daqueles que costumamos considerar os inventores do gênero – Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash, Little Richard e Chuck Berry, entre muitos outros – a citaram a vida todo como influência direta. Sem essa sensacional guitarrista do sul dos EUA, o rock simplesmente não seria possível.

Para levar a uma ilha deserta: Gospel Train (1956)

2. Celly Campello

Assim como Sister Roseta Tharpe deve ser vista como uma das inventoras do rock, no Brasil o rock brasileiro só passou a ser um estilo forte e verdadeiro – indo além e mais fundo do que somente uma moda comercial e passageira – quando Celly Campello entrou em cena. Não haveria, portanto, rock brasileiro “de verdade” sem Celly. Prodígio musical, Celly gravou seu primeiro disco em 1958, aos 15 anos, junto com seu irmão, Tony, que a acompanharia por toda sua carreira. Foi no ano seguinte, que sua carreira decolou, ao lançar a versão em português de Stupid Cupid, que por aqui se tornou “Estúpido Cupido” (sucesso até hoje) – e, com ela, decolava também o rock no Brasil. Celly trouxe carisma e principalmente juventude (elemento essencial do estilo) para o rock nacional. Além de “Cupido”, Celly lançou diversos outros clássicos, como “Banho de Lua” e “Biquíni de Bolinha Amarelinha”, colocando o estilo no trilho no qual ele de fato cresceu e se estabeleceu.

Para levar a uma ilha deserta: Estúpido Cupido (1959)

3. Aretha Franklin

Será possível sequer cogitar alguma cantora mais poderosa, virtuose e impressionante que Aretha Franklin? Tendo suas bases fincadas no R&B, no Soul e no Jazz, Aretha trouxe juventude, suingue e principalmente sua imensa potencia vocal para a música negra dos anos 1960, misturando-a com o rock para se tornar incontestavelmente uma das maiores (senão a maior) cantora da história. Por mais que coloca-la numa lista de cantoras “de rock” pudesse ser questionável em algum sentido purista sobre o estilo, quem não puder perceber a força e a atitude de Aretha em qualquer uma de suas gravações, em especial nos anos 60, como elementos definidores do rock não tem um coração batendo em fúria em seu peito. Aretha é uma das maiores cantoras de rock da história, e ponto – para além de qualquer rótulo.

Para levar a uma ilha deserta: I Never Loved a Man the Way I Love You (1967)

4. Janis Joplin

 

Janis Joplin gravou quatro álbuns ao longo dos quatro anos de sua curtíssima carreira – mas essa discografia foi o suficiente para transforma-la em possivelmente a mais icônica cantora de rock de todos os tempos. Falecida aos 27 anos em 1970, era o espírito soul e blues que guiava a mais impressionante voz a gritar tal gênero, fundamentando a sonoridade do que viria ser a geração de bandas de rock que viria a confirmar a tomada de poder jovem do final dos anos 1960. Sofisticada e radical, explosiva e visceral como ninguém (poderia existir um vocalista como Kurt Cobain sem que a cantora antes pavimentasse seu caminho?), bastaram poucos minutos da presença elétrica de Janis Joplin com sua Big Brother and the Holding Company no palco do festival de Monterey, em 1967, para que o mundo tivesse certeza que estava diante de um acontecimento histórico: o surgimento de uma das maiores vozes da história – da cantora que tomou o rock para si e confirmou que aquele era também – e essencialmente – um gênero furiosamente feminino.

Para levar a uma ilha deserta: Cheap Thrills (1968)

5. Gal Costa

Apesar de hoje ser quase que imediatamente reconhecida como uma cantora de MPB, basta olhar para os primeiros discos de Gal Costa para ter certeza de que se trata de uma das maiores cantoras de rock não só do Brasil, mas do mundo em todos os tempos. Não é por acaso que a explosão de sua carreira se deu com sua explosiva rendição de “Divino, Maravilhoso”, que Caetano e Gil escreveram em 1968 especialmente para que Gal transformasse em uma das melhores gravações de rock de toda música brasileira. Radicalismo, experimentalismo, força e sensualidade são alguns dos adjetivos que se aliam à intensidade de Gal, que tanto serviu para criar alguns dos melhores discos de rock já gravados. Gal Costa se apropriou da influência do rock sobre o tropicalismo e, enquanto seus pares baianos estavam presos ou no exílio londrino, manteve acesa com luminosidade e calor próprios sua subversiva e desafiadora chama através de uma das mais afinadas, impecáveis e poderosas vozes da música mundial.

Para levar a uma ilha deserta: Gal (1969)

6. Baby Consuelo (Baby do Brasil)

O justo elemento que fez dos Novos Baianos uma das mais importantes e interessantes bandas da música brasileira parece ser, em mistura com os mais diversos ritmos nacionais, o rock. Trata-se, afinal, de uma banda que tem ninguém menos que Pepeu Gomes, um verdadeiro guitar hero brasileiro, como seu guitarrista principal. E a principal voz, que mais e melhor defendeu a postura e a intensidade que definem não só o rock como sua presença na musicalidade da banda foi mesmo de Baby – quando ainda se chamava Consuelo, e não Do Brasil. Tendo na voz um verdadeiro instrumento – solo, de percussão, harmônico – Baby imprimiu sobre a originalidade das composições do grupo sua indelével e inconfundível marca, entrando em poucos discos e ainda muito jovem para o hall das grandes cantoras – de rock, de MPB, de música em geral – do Brasil.

Para levar a uma ilha deserta: Acabou Chorare (1972)

7. Patti Smith

Derramando poesia sobre guitarras cruas e furiosas, com o intenso despojamento que marcou o faça-você-mesmo e despiu em gritos o polido rock da década de 1970, Patti Smith não só fundou como fundamentou o punk com mais profundidade e sentido do que simplesmente a anarquia suja que poderia parecer definir o estilo. Mais do que somente a rejeição a tudo e a impureza essencial em seu som, foi também com Patti Smith que o punk ganhou camadas mais densas, sentidos políticos e estéticos mais complexos, sempre combinando os melhores versos de todo o movimento com uma imagem andrógena radical e singular, uma postura de palco corajosa e desafiadora, desafiando com sua obra mas também com o próprio corpo todo o status quo como um símbolo encarnado daquilo que o punk pode possuir de mais impactante.

Para levar a uma ilha deserta: Horses (1975)

8. Rita Lee

Nenhuma outra mulher personifica melhor e com mais propriedade e talento o rock no Brasil que Rita Lee Jones. Se Rita tivesse abandonado sua carreira no instante em que deixou Os Mutantes já seria o suficiente para ela estar presente no topo dessa lista – ser, afinal, a líder da melhor banda de rock brasileira de todos os tempos, e uma das melhores do mundo, já a qualificaria para tal título. Somente uma artista como Rita, no entanto, poderia também estar no topo da lista se fizéssemos o oposto: se ela jamais tivesse feito parte dos Mutantes, e tratássemos somente de sua carreira solo, ela também ser seria a mais importante cantora e compositora de rock do Brasil. Em uma rara aliança entre qualidade única, atitude especial e um imenso sucesso comercial, Rita Lee é a perfeita tradução do que o rock pode ser – e com um talento para escrever canções memoráveis que a coloca como a própria encarnação do rock brasileiro no imaginário de todo o país.

Para levar a uma ilha deserta: Fruto Proibido (1975)

9. Debbie Harry

Se Pattie Smith tornou-se a encarnação feminina do espírito punk, foi Debbie Harry quem trouxe o pop dançante e a sexualidade mais diretamente para dentro do CBGB’s, clube seminal do movimento em Nova York, onde se apresentava à frente de sua banda Blondie – e onde braço norte-americano do punk nasceu. Indo além do esperado dentro de tal estética, muitas vezes rotulada como uma banda “new wave” e tendo flertado com a disco music (principalmente em seu irresistível hit “Heart of Glass”, que alcançou o topo das paradas americanas), o Blondie sempre teve em Debbie sua arma secreta – uma cantora estilosa, singular, sensual, que ajudou a definir a estética de uma era, com seu cabelo, suas roupas, suas sonoridades diversas, seu talento para a composição, sua voz e sua hipnotizante presença de palco, explodindo as amarras patriarcais do rock e criando as bases estéticas e éticas para praticamente todas as artistas que a sucederam.

Para levar a uma ilha deserta: Parallel Lines (1978)

10. Cássia Eller

A perda tão prematura de Cássia Eller acabou por deixar um buraco irreparável no cenário da música brasileira atual. Atravessando fronteiras estéticas com naturalidade e, acima de tudo, originalidade – como uma cantora singular, furiosa e doce, capaz de migrar do samba-canção para o rock, do maracatu para o rap como se todos os estilos fossem seus de berço -, não há dúvidas de que Cássia era essencialmente uma grande cantora de rock. Fazendo de sua conhecida timidez um contraponto preciso para sua explosão no palco e nos vocais, mesmo quando se apropriava de outros estilos como se fossem seus por essência, ela tinha como combustível sua atitude, sua voz rouca e forte, sua impressionante capacidade de se agigantar em cena e provocar a plateia ao delírio – como se fosse, sozinha, uma imensa e fantástica banda de rock. Cássia ajudou a salvar a música e o rock do marasmo que acometia o Brasil no início dos anos 2000, e tornou-se rapidamente uma das grandes de nossas história.

Para levar a uma ilha deserta: Cássia Eller (1994)

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© fotos: Divulgação / Reprodução


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