Inovação

Ele ganhou um relógio do pai que se quebrou. Então, ele criou um que suporta 24 toneladas

25 • 07 • 2018 às 05:51
Atualizada em 25 • 07 • 2018 às 15:57
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Por trás de um grande feito costuma haver uma grande história de superação pessoal. Em áreas diversas, as invenções mais criativas e impactantes são quase sempre movidas por histórias pessoais e singulares de seus criadores, superando acasos e eventos mundanos através da inventividade humana para depois mudarem o mundo. O Band-Aid foi inventado para facilitar os curativos da esposa desajeitada de um inventor que se machucava constantemente cozinhando, a camiseta foi criada por um empresário solteiro e solitário que não sabia costurar de volta os botões de suas camisas, o airbag foi inventado após seu inventor quase sofrer um grave acidente, e assim sucessivamente. E foi assim também que nasceu o mais resistente relógio em todos os tempos, o G-Shock, um clássico desenvolvido pelo japonês Kikuo Ibe.

Antes de criar seu relógio indestrutível, porém, Ibe era somente um engenheiro desajeitado caminhando pelas ruas de sua cidade em meados de 1982, quando esbarrou em outro pedestre. O encontrão fez o relógio que trazia em seu pulso se desprender e cair no chão – e o impacto o destroçou em pedaços. Também em pedaços ficou o coração de Ibe, pois o relógio que se quebrou era um importante presente de seu pai, dado a Ibe quando este entrou na faculdade.

Quem diria que um esbarrão tão comum seria um verdadeiro encontro com seu próprio destino.

Do esbarrão à criação

O acidente ofereceu a Ibe um insight, que rapidamente se tornou uma obsessão: construir um relógio que justamente suportasse os mais fortes impactos – um relógio indestrutível, que pudesse ultrapassar gerações sem problemas como uma simples queda ou um esbarrão. Para isso, Ibe precisou por 2 anos chefiar uma equipe de outros oito engenheiros da empresa Casio, e destruir mais de 200 protótipos sem se dar por satisfeito. Para superar seu trauma, Ibe não queria menos do que o que até então parecia impossível – um relógio que conseguisse o que ele chamou de “triplo 10”: aguentar uma queda de 10 metros, possuir uma bateria que durasse 10 anos, e fosse à prova de água a até 100 metros de profundidade (10 BAR).

Seus protótipos foram castigados, jogados de janelas e atropelados por carros, sem que alcançassem o patamar de resistência que Ibe havia estabelecido para sua criação. Quando estava para desistir de seus planos, ele saiu para refrescar a cabeça e sentou num banco em um parque. Foi  então que, observando uma criança brincando com uma bola, ele enfim alcançou o momento de “eureca!” que procurava, para desenvolver enfim o design inquebrável. Ao perceber como o movimento de ar dentro da bola que a criança quicava fazia com que a parte exterior sofresse um impacto maior do que a de dentro, ele entendeu que precisaria criar uma estrutura que permitisse justamente que o relógio “flutuasse” internamente em caso de um impacto – e assim nasceu o G-Shock.

O primeiro modelo do G-Shock

O primeiro modelo, o DW-5000, foi lançado em 1983, e cada elemento do relógio foi projetado para absorver e dispersar impactos – incluindo sua estrutura “oca” com o relógio suspenso em gel, que, como a bola, diminuía radicalmente o efeito de qualquer acidente. O sucesso foi imediato e tremendo, e o G-Shock em seus diversos modelos tornou-se um triunfo não só da resistência mas também do design, capaz de por mais de três décadas agradar aos mais diversos tipos de pessoas.

Naturalmente que o relógio desde o início agradou a quem trabalha com cargas e tarefas com riscos e impactos em potencial, mas de forma alguma o invento de Ibe é hoje um relógio restrito aos trabalhadores pesados. Pelo contrário, sua extrema popularidade na década de 1980 fez com que o G-Shock hoje se tornasse um objeto-fetiche de estilo, entre os mais modernos hipsters, empresários, esportistas, indo perfeitamente do casual ao social sem literalmente se abalar.

Com o passar dos anos, o G-Shock foi ganhando novos designs, como esses modelos jeans, e novas tecnologias, como tough solar, tabua de mares e até dados da lua.

“Acho que o tempo representa emoções em um momento particular. Quando você está irritado, triste, feliz ou satisfeito, é algo que se lembra com os cinco sentidos, mas sempre conectado com um tempo em particular. E o relógio nos ajuda a lembrar do tempo”, disse Ibe, em entrevista para o Vice.

Assim, como todo acessório, o G-Shock se tornou um ícone, uma marca da própria personalidade de quem o usa ao longo desses 35 anos. Dessa forma, por trás do design que se tornou um índice de uma época e desse estilo versátil, a força que o relógio simboliza também compõe a relação fiel com que homens e mulheres usam a invenção de Ibe desde 1983.

E é desde essa época que o G-Shock permanece como líder inconteste em termos de resistência entre relógios. E não se trata de uma liderança publicitária somente – quem confirma a veracidade de tal título é o próprio Livro dos Recordes. No início de 2018 o modelo G-Shock DW-5600E-1 recebeu um certificado do Guinness, após ser atropelado por um veículo de 24,9 toneladas e seguir funcionando perfeitamente, como o mais resistente do mundo.

O teste para que o relógio entrasse no Guinness…

…e o relógio funcionando após o teste

Ainda hoje todos os modelos da linha oferecem não só a resistência absoluta como marca essencial, resistência à água 200m (padrão de qualquer G-Shock), horário de 48 cidades pelo mundo, display LCD e cinco alarmes diários.

Em 2012, o primeiro G-Shock com Bluetooth

Por trás de toda essa rigidez e do estilo inconfundível, no entanto, há uma bonita história de resiliência, superação, saudade e afeto entre um filho e um pai – como se o relógio fosse ao mesmo tempo um símbolo de resistência e de carinho paterno. Assim, seja qual for o jeito e o estilo de vida de seu pai, um G-Shock é um presente perfeito para o dia dos pais – como se nele se encarnasse o sentido simbólico quem um relógio oferece, e o presente fosse em verdade o tempo.

Nos 20 anos do G-Shock, uma luxuosa versão comemorativa em metal

O pai de Ibe já faleceu, e hoje o presente que se quebrou perdeu para ele o peso que um dia teve.

“Quando enfrentei sua morte, foi como se o tempo tivesse parado”, ele disse.

Hoje o tempo para ele é diferente, mas sempre permanece como um interessante e profundo mistério que molda nossa vida.

Um G-Shock de ouro fabricado recentemente para o mercado australiano


“Se você estiver diante de um grande obstáculo, é preciso tirar seu tempo para superá-lo, e não desistir”. Melhor, contudo, se esse “tempo” resistir a 24 toneladas, 200 metros de profundidade em três décadas de um estilo insuperável, como é o tempo que Ibe construiu para o resto do mundo.

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© fotos: divulgação


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