Inspiração

Rap Plus Size: ‘Ouvir de mulheres que você salvou a vida delas é algo muito profundo’

06 • 08 • 2018 às 06:47
Atualizada em 07 • 08 • 2018 às 11:49
João Vieira
João Vieira Com seis anos de jornalismo, João Vieira acredita na profissão como uma ótima oportunidade de contar histórias. Entrou nessa brincadeira para dar visibilidade ao povo negro e qualquer outro que represente a democracia nos espaços de poder. Mas é importante ressaltar que tem paixão semelhante pela fofoca e entretenimento do mais baixo clero popular.

Você se lembra que, recentemente, nós falamos por aqui sobre o Quebrada Queer? O quinteto busca ocupar um espaço fundamental dentro do rap nacional, carregando um poderoso discurso contra a homofobia, um dos elementos historicamente negativos de um estilo musical que, na teoria, deveria sempre defender a resistência e a democracia.

Mas o preconceito contra a comunidade LGBTQ+ não é o único obstáculo imposto pela cena. A predominância da masculinidade tradicional foi fator fundamental da construção do rap, no Brasil e no mundo, o que torna a comunidade uma reprodutora natural e direta do machismo.

A evolução provocada pelo tempo, com o surgimento de gerações mais questionadoras sobre a existência dos feudos criados pela opressão, fizeram com que artistas como Mano Brown, por exemplo, viessem a público algumas vezes para se desculpar por rimas que denegriam ou incitavam comportamentos violentos contra mulheres.

Mas desculpas não são o bastante, é preciso de representatividade.

Assim, a porta de entrada do rap tem sido aberta para mulheres pela força de nomes como Karol Conka, Drik Barbosa, Preta Rara, Flora Matos e, mais recentemente, o Rap Plus Size.

Rap Plus Size

Foi em 2012 que Issa Paz e Sara Donato se conheceram. As duas se encontraram no Cine Rima Vida, evento organizado por Issa no Jardim Pery Alto, zona norte de São Paulo, do qual Sara participou para divulgar um som novo. “Depois disso foi criada uma conexão pra além da música, e isso se estendeu até hoje e culminou no convite pra uma parceria, que inicialmente era pra ser [para] apenas um CD, mas que deu tão certo que formamos uma dupla e temos nos tornado referência na cena”, dizem elas, em entrevista exclusiva ao Hypeness.

Rap Plus Size durante show no Red Bull Station

Além de combater o machismo e fortalecer a ocupação feminista no rap, a dupla também traz a gordofobia como um fator fundamental de discussão em suas rimas. O objetivo é espalhar mensagens de combate aos padrões sociais de beleza e fortalecimento da autoestima. “Ouvir de mulheres que você salvou a vida delas é algo muito profundo”, dizem elas, que fizeram questão de compartilhar a assinatura de todas as respostas enviadas à nossa reportagem.

A entrevista completa você pode ler abaixo: 

Hypeness – Representatividade no rap é algo que tem sido bastante debatido nos últimos tempos. Recentemente, surgiu o Quebrada Queer na cena levantando a bandeira LGBTQ+, que está longe de ter o espaço que deveria ter dentro do estilo. Agora, vocês chegam mirando dois problemas de uma vez: o machismo e a violência causada pelos padrões de beleza. Como tem sido pra vocês ajudar a carregar essa bandeira no movimento? 

Rap Plus Size – Acreditamos que representatividade é algo muito importante e aprofundar esses debates dentro do rap tem sido um grande divisor de águas. Ouvir de mulheres que você salvou a vida delas é algo muito profundo, assim como música direcionou nossas mentes a pensar sobre diversos assuntos importantes, estamos mostrando na prática que ser o que somos não é ruim, e que nós mulheres podemos e vamos ser/fazer o que quisermos, pois somos donas de nossas vidas e corpos.

Nessa linha, como vocês enxergam a cena do rap nos dias de hoje? Tem melhorado, se tornado mais democrática, ou ainda está deixando a desejar? 

Rap Plus Size – A cena do rap vem ocupando espaço muito importante e acredito que toda essa visibilidade para nós mulheres e pessoas LGBTQ+ é fruto de muito trabalho, pois nada foi dado, tudo tem sido conquistado. E, mesmo assim, acreditamos que tem muito mais espaços pra se ocupar, pois quando tem um line de show com seis grupos e nenhuma mina alguma coisa errada tem. Quando se tem 10 cyphers (reuniões de MCs) por mês com cinco caras e nenhuma mina, algo de muito errado está acontecendo. Tem muito a se conquistar ainda.

Ouvir de mulheres que você salvou a vida delas é algo muito profundo, assim como música direcionou nossas mentes a pensar sobre diversos assuntos importantes, estamos mostrando na prática que ser o que somos não é ruim

Como rolou essa conexão entre vocês? Vocês já se conheciam de antes ou foi na caminhada do rap mesmo? 

Rap Plus Size – Nos conhecemos em 2012, quando a Sara lançou um som solo e veio pra São Paulo participar do Cine Rima Vida, um evento que a Issa organizava no Jd. Pery Alto. Depois disso, foi criada uma conexão pra além da música, e isso se estendeu até hoje e culminou no convite pra uma parceria que, inicialmente, era pra ser apenas [para] um CD, mas que deu tão certo que formamos uma dupla e temos nos tornado referência na cena.

Pelo que vi, vocês são da cena independente, como muita gente do rap ainda é. Como é vender para o mercado um material tão enraizado no empoderamento feminino e que enfrenta de frente os padrões do mercado? 

Rap Plus Size – É ser subversiva do início ao fim, pois estamos ocupando espaços que jamais imaginávamos que estaríamos um dia. Além de toda militância, nossa música traz algo com que muitas mulheres de diferentes recortes e classes sociais possam se identificar. Seja as minas da cena underground, como inclusive mulheres do meio plus size, que também têm os mesmos questionamentos que nós, até mulheres em grandes cargos de decisão e pessoas de diferentes meios que reconhecem a importância que o Rap Plus Size tem. Acreditamos que quando falamos de “nois pra nois” com muita verdade, isso transpassa as barreiras da cena do rap e atinge o mercado musical e de mídia, onde conseguimos nos manter. Além do nosso público que sempre fortalece nosso corre!

Vocês recebem muitas mensagens de minas que ouvem o som de vocês e se sentem fortalecidas? Como é pra vocês ter esse contato mais pessoal com os fãs? 

Rap Plus Size – Cara, a gente sempre responde as pessoas que entram em contato, sempre! O diferencial do Rap Plus Size é sermos acessíveis e estarmos sempre abertas pro diálogo e trocas de ideias pra além da música, pois estamos falando de vidas que importam que já foram muitas vezes silenciadas, que as vezes só precisam conversar. E o mais foda é que em praticamente toda mensagens nos falam: ‘continuem, não parem!’. Ter esse feedback é muito importante pra gente, fortalece muito nosso trabalho. Estamos recebendo mensagens do Brasil inteiro de mulheres e homens cis, hétero, bi, gay, lésbicas, homens e mulheres trans, não-binários, e até de pessoas magras também, mas principalmente de pessoas gordas dizendo que estamos mudando a vida delas, estamos transformando a mente dessas pessoas, chegando no coração mesmo! Isso é o mais louco de tudo! É a devolutiva que comprova que nosso trabalho tem dado cada vez mais certo e temos alcançado nosso objetivo principal com o rap, na música, que é o de quebrar barreiras e padrões provocando uma mudança definitiva na autoestima das pessoas. Estamos no caminho certo e isso faz a gente muito feliz.Essa troca direta com as pessoas que curtem nosso trabalho é essencial!

Rap Plus Size chegou chegando no rap nacional

E no outro sentido? Quais artistas mais inspiram vocês? Musicalmente e em outros aspectos também. 

Rap Plus Size – Temos muita referencia da cena de mulheres no hip hop e no funk também. Nos espelhamos muito em mulheres que estão mais próximas de nós, que são nossas parceiras mesmo. Souto, Bivolt, Alinega, [elas] têm inspirado nossos trampos cada vez mais. Assim como a gente tem uma referência muito forte de mulheres que vêm revolucionando espaços de diversas maneiras. Sempre citamos a Preta Rara, ela é pra gente um exemplo muito forte do que uma mulher preta, periférica e gorda pode fazer, saca? Ocupar espaços que não aceitavam nossa permanência neles é agir de maneira subversiva. De qualquer modo, habitamos em uma cena muito orgânica, somos bombardeadas de novas referências o tempo todo e isso reflete de uma forma ou outra no nosso trabalho.

Preta Rara é uma das influências do Rap Plus Size

O som de vocês tem muita influência do funk, principalmente Toda Grandona. Como aconteceu essa mistura? Foi um processo natural de vocês ou uma coisa mais pensada? 

Rap Plus Size – Então, Toda Grandona foi uma música encomendada pela festa de mesmo nome que é organizada por alguns youTubers BodyPositive de grande relevância, como a Alexandrismos e o Bernardo Fala. Ambos abordam temas muito importantes em seus canais e criaram a festa pra pessoas gordas se divertirem. Então pensamos em algo que desse o impacto da mensagem e ao mesmo tempo que fosse uma ode à liberdade gorda, que, enquanto pessoa gorda, vive a vida de maneira plena, e se diverte da mesma maneira que pessoas magras, que aproveita uma balada com as amigas e se sente bem sendo como é. A gente gosta muito de funk, então pra escrever esse trampo a gente pegou umas referências como MC Carol e Tati Quebra Barraco, e pôs pra estralar no beat da DJ Brum e do Vibox.

Quais são os objetivos de vocês daqui pra frente? Como vocês pretendem espalhar cada vez mais a mensagem de vocês Brasil afora? 

Rap Plus Size – Estamos trabalhando em muitos projetos, o maior e mais importante é no nosso próximo disco. E esse disco vai muito além da música, queremos de verdade aprofundar em debates e discussões para além do raso que é vendido na grande mídia e ir além do senso comum da militância da internet. Queremos propor reais soluções para os problemas da atual sociedade que vivemos e esse trabalho vai conter isso, além de realizarmos rodas de conversa e debates presenciais e online. Também estamos trabalhando no nosso canal do YouTube com o programa #PegaAVisão, [criado] pra discutir temas essenciais além dos nossos sons. Foi o que fizemos no primeiro vídeo do programa, denunciando a homofobia escancarada da cena e falando sobre a importância do Quebrada Queer. Pra além disso, queremos promover cursos, workshops e fortalecer cada vez mais as mulheres na cena a nível nacional. Esse é o intuito principal do Rap Plus Size.

Falando de música, vocês são mais um componente da nova cena da música pop brasileira, que tem um viés muito forte na democracia racial, de gênero e etc. Além disso, musicalmente também é uma geração que tem ousado bastante na criatividade. O que mais chama a atenção de vocês na cena atual? 

Rap Plus Size – Vemos um novo cenário se formando na base de uma definição de público muito forte, pautada na identificação direta com o artista e o discurso proposto. Isso é extremamente importante, porque atribui sentido ao recorte na cena que antes não existia, era homogênea e homofóbica, masculina e misógina. Tanto o hip hop, quanto vários outros movimentos musicais ao redor do mundo, têm sofrido essa transformação, diríamos até que revolucionária e extremamente necessária. Estamos vivendo um geração que está ocupando e ressignificando espaços. Estamos num momento de levante geral por parte das minorias e isso está refletindo diretamente na arte e cultura, e não sabemos dizer se isso começa na arte e na contracultura, que já têm esse teor militante de quebrar paradigmas e questionar todas as normas estabelecidas, ou se é a militância de base que age diretamente nisso. De qualquer modo, a arte é um reflexo das vivências humanas e isso é documentação histórica. Estamos definitivamente retomando a cultura e invadindo espaços para escrever novas possibilidades. E a gente fica muito feliz de fazer parte disso!

Publicidade

Fotos: foto 1: Facebook/Reprodução; foto 2: Red Bull Station/Divulgação; foto 3: Facebook/Reprodução; foto 4: Facebook/Reprodução


Canais Especiais Hypeness