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Na década de 1980, as ruas do Engenho Velho de Brotas, que fica ali pertinho do Dique do Tororó, eram tomadas pela alegria de um ritmo que contagiava a Bahia. O afoxé. A cidade do Salvador estava encantada pelo ritmo e pelo Badauê.
O Bloco foi fundado no final dos anos 1970 por Didi, Nelsinho, Jorge Sacramento, Edinho e Tremedeira e Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê. Apesar de não andar bem das pernas nos dias de hoje, o Badauê encantou. Ninguém ficava de fora, de anônimos que dançavam pelas ruas da Roma Negra, até nomes como os cantores Gilberto Gil e Caetano Veloso.
O Badauê tem uma história muito bonita. Nos afoxés, nos blocos afro, há uma cultura do corpo. O corpo é instrumento, daí vem a coisa do mestre, percussionista, que ensinava o grupo a dança afro. A dança estava no corpo por causa do afoxé. Ele não é um cara que aparece no verão, Moa tem um trabalho de base. Se essa coisa horrorosa não tivesse acontecido, hoje ele ia dar aula para seus alunos, diz em conversa por telefone com o Hypeness a cantora e atriz baiana Juliana Ribeiro.
Para Juliana Ribeiro, Moa do Katendê era uma alma boa
Moa nos deixou em um domingo de outubro de 2018, vítima da intolerância que ainda toma conta do Brasil. O mestre de capoeira foi esfaqueado em um bar por defender o voto no PT e criticar o então candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro.
A notícia pegou todo mundo de surpresa. Descrito por Juliana Ribeiro como uma pessoa de “alma boa”, Moa do Katendê fazia a diferença na cultura brasileira. Foi ele, ainda nos tempos do Badauê, o responsável por seduzir Caetano Veloso. O baiano de Santo Amaro ficou tão impressionado com o ritmo do afoxé proposto por Moa, que compôs Beleza Pura inspirado em seu trabalho. Dizem por aí que era o Moa do Katendê o “moço lindo do Badauê”.
Juliana Ribeiro cantou ao lado de Moa, em um show realizado no Solar da Boa Vista, no Bairro de Brotas. A convite de Chicco Assis – gerente do Espaço Cultural da Barroquinha, ela se apresentou junto do mestre de capoeira e outros convidados especiais.
Juliana Ribeiro cantou ao lado de Moa nos tempos do Badauê
“Houve um especial do Badauê e Chicco (Assis) me convidou pra fazer lá no Solar. Ele se aproximou dos artistas, fomos de branco e azul, cantamos com ele tocando. Cantamos as músicas do Badauê com Márcia Short, Lia Chaves, Lazzo Matumbi, tem muita gente. Um tributo ao Badauê, que é vivo, mas não anda como deveria e gostaríamos. Fizemos um tributo lindo. Lazzo tem várias. O afoxé foi tão lindo que impactou Caetano para compor a partir de uma coisa tão baiana”, recorda ao Hypeness Juliana, que também é historiadora e formada em técnica em canto lírico pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“No badauê, gira princesa, primeira beleza, amor em mim. No badauê”, canta Juliana Ribeiro ao telefone e é difícil não se emocionar com a perda de um figura tão representativa para a história do Brasil. A referência é mais uma de Caetano Veloso, Sim/Não, lançada em 1979.
Com o passar dos anos, Moa do Katendê encontrou na capoeira uma forma de promover o desenvolvimento de comunidades em situação de vulnerabilidade social. Das maiores referências do Jogo de Angola no país, o soteropolitano mergulhou de cabeça e criou um projeto para ensinar capoeira aos pequenos moradores do Engenho Velho de Brotas. Todos os dias, lá estava ele, pronto para transmitir essa prática ancestral negra para meninas e meninos.
Moa ajudava crianças carentes com capoeira e já alertava sobre o discurso de ódio
“Ele é mestre de capoeira, um dos mais mais importantes que trabalharam no Forte do Santo Antônio. Ele fazia trabalho social no Engenho Velho de Brotas com crianças em situação de vulnerabilidade. Ensinava capoeira, dava aula de dança. A cultura de matriz africana é passada oralmente e ele fazia isso nos grupos de capoeira. Ele dava aula de dança afro no grupo de capoeira”, salienta Juliana Ribeiro, nome importante da cena cultural baiana.
Moa era referência. Iniciou a trajetória com a cultura afro-brasileira ainda aos oito anos de idade, no Ilê Axé Omin Bain, terreiro de sua tia e maior incentivadora. Em 1995, ele criou o Amigos do Katendê e viajou o mundo todo. Aliás, eles se apresentariam em São Paulo, se a intolerância não tivesse intervido. Foi ele o autor de uma das faixas mais célebres do Ilê Aiyê, que acabou levando o campeonato do Festival da Canção, de 1977. Como não pensar em Moa ouvindo Badauê.
Ainda sem entender, a cantora Juliana Ribeiro lembra de Moa como uma pessoa doce. Para a soteropolitana, Katendê era determinado em promover a mudança.
Não se trata de mártir. Ele estaria na comunidade dando aula pros meninos. Isso foi tirado. É grave. É sério. Ele não é um cara violento, é um mestre de capoeira, um professor de crianças. Não consegue ser associado com uma pessoa violenta. Estamos esperando a investigação da polícia, não posso afirmar, mas dificilmente você vai ver um mestre, com a idade que ele tem, que ensina os outros, com uma atitude dessas. As coisas estão feias. É um ato covarde, você fica sem saber onde isso vai levar a gente.
Em seu Instagram, Caetano Veloso lamentou a notícia da morte de Moa do Katendê. “Moa do Katendê, a quem devo a revelação que foi ver e ouvir o grupo de pessoas na rua cantando ‘Misteriosamente o Badauê surgiu’. Moa era meu amigo e foi uma das figuras centrais na história do crescimento dos blocos afro de Salvador. Estou de luto por ele”.
Como um bom capoeirista, Moa estava atento aos sinais e ainda em 2017 alertava sobre os perigos do crescimento do discurso de ódio que acabou o vitimando.
“Nós, de matriz africana, respeitamos todos. E o que queremos? Em troca, respeito e consideração. Agora, invadir terreiros, procurar difamar uma tradição milenar é uma ignorância muito grande. Aqui é um desabafo, e isso no país todo está fortalecendo”, disse em vídeo publicado na página do Facebook.
Com apresentações em França e Portugal, Moa do Katendê deixa um legado difícil de assimilar. São muitas as referências e simbologias propostas por uma mente que teimava em exaltar o povo preto da Bahia. Consequentemente do Brasil.
Tá todo mundo assustado e tem gente que não viu a notícia ainda. Eu tomei um susto quando fui entender. As comunidades de terreiro também postaram. Existe uma mobilização pelo coração. É um sentimento que pegou a galera de surpresa. Entristece demais…meu Deus, se você para prar pensar quanta gente vai ficar sem esse professor. Ele tá suprindo a ausência do Estado. Ele queria fazer esse papel por ser uma alma boa.
“Moço lindo do Badauê…”
É difícil pensar em como será, principalmente para o pessoal do Engenho Velho de Brotas. Assim como queria Moa e sugere o afoxé, é pra frente que se anda, contudo, é impossível fechar os olhos para as seguidas agressões sofridas, especialmente pela comunidade negra. Em um país que insiste em exterminar mulheres e homens de pele preta, é necessário que medidas sejam instauradas. Como bem disse Juliana Ribeiro, Moa do Katendê supria a ausência do Estado.
Eu não sei te falar de próximos passos. Acho que hoje algumas coisas vão acontecer. É um sentimento de dor. Quando eu compartilhei de manhã…as pessoas estão de cara. Como assim? O primeiro impacto é de não acreditar. Não tem motivo. É um assassinato e o motivo é vil. Como assim? O que eu acho importante é se posicionar sem ódio e reforço isso. Temos que tirar esse véu e que isso seja racionalizado sem ódio. Não é uma balela, é realidade. As pessoas precisam entender que a gente perdeu o mestre. Um cara generoso, que fazia o que muita gente não faz. Isso tem que ser levado. Pediram para as pessoas irem no enterro de azul e branco, existe uma comoção. A Djamila Ribeiro, apesar de não conhecer, compartilhou. Fiquei feliz, é uma figura que nos ajuda muito.
Que o moço lindo do Badauê esteja em Paz. A família de Moa do Katendê está aceitando contribuições para o enterro, que deve ser realizado no cemitério da Baixa de Quintas, em Salvador.
“Para quem tá por fora, segure o cachimbo que é Badauê. Eu sou, eu sou, afoxé Badauê. Eu vim aqui só pra você me ver”.
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