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Passados quase 50 anos do fim dos Beatles e há ainda uma porção de incautos de plantão que escolhem apontar Yoko Ono como a responsável pela separação da maior banda de todos os tempos, em 1970. Basta acompanhar ainda hoje os comentários de qualquer matéria que fale sobre a artista japonesa com quem John Lennon se casou em 20 de março de 1969 para se ver diante de opiniões literalmente ignorantes, desconhecedora da história da banda, da artista e de tal relacionamento: empoeirados brados de ódio, misoginia, ignorância e até mesmo xenofobia, e provavelmente o mesmo acontecerá nesta matéria que vos fala. A verdade, no entanto, é que tal longo repúdio é somente sintoma do machismo contra uma artista brilhante, que cometeu o “crime” de ter nascido no oriente e ter se casado com um dos homens mais famosos e admirados do mundo. Quem acha que Yoko acabou com os Beatles entende muito pouco sobre a banda, sobre Yoko, sobre John Lennon e até mesmo sobre a vida.
A jovem Yoko Ono, em 1966
-Por que as pessoas odeiam Yoko Ono?
Quando conheceu Lennon, Yoko já era uma artista relevante, que teria lugar de destaque na história da arte de vanguarda do século 20 mesmo se jamais tivesse se casado com um Beatle. Dito isso, a artista japonesa não só não foi responsável pelo fim da banda, como de certa forma ajudou a salvar a vida de John Lennon – que, em suas próprias palavras, provavelmente teria se tornado um artista menos interessante e corajoso, fazendo a manutenção de seu imenso sucesso, ou até mesmo teria morrido pelo excessivo consumo de drogas que marcou sua vida na segunda metade da década de 1960, quando ele e Yoko se conheceram e se apaixonaram.
Yoko também foi tratada como a mulher que “estragou” Lennon
Em suma, Yoko indiretamente em verdade ajudou a banda a seguir pelos seus brilhantes anos final: a ter Lennon nos últimos discos do grupo. Não é difícil concluir que dois egos tão imensos quanto os de John Lennon e Paul McCartney, dentro de um grupo formado por quatro homens poderosos em uma época ainda mais machista do que a atual, jamais permitiriam que outra pessoa que não um deles acabasse com os Beatles.
“Eu sei quem acabou com os Beatles”, disse Paul, de seu privilegiado lugar de fala na história, em entrevista ao radialista estadunidense Howard Stern. “Foi John”, concluiu, direta e conclusivamente.
Os dois se conheceram em uma exposição de Yoko em Londres, no fim dos anos 60
A verdade é que a banda já estava desgastada e começando a se separar quando Yoko entrou em cena, e se o amor por ela pode ter ajudado Lennon a criar coragem para separar o grupo, o fim dos Beatles aconteceria de uma maneira ou de outra, mais cedo ou mais tarde. A lenda de que Yoko Ono acabou com a banda ainda resiste, assim como todo o ódio destilado até hoje contra uma das mais interessantes artistas de vanguarda do mundo, como um estandarte do preconceito e do espanto diante do desconhecido.
O trabalho de Yoko já causava celeuma na cena artística antes de sua aproximação com os Beatles
-A história do fã que invadiu a casa de John Lennon e Yoko Ono
Além de ter trabalhado com os mais importantes artistas da vanguarda japonesa no final dos anos 1950, Yoko Ono já havia colaborado com nomes como o Grupo Fluxos, John Cage, Nam June Park, Merce Cunningham e Allan Kaprow – e vinha desenvolvendo um trabalho que se revelaria influente e impactante para o contexto artístico de forma singular e radical, como a Cut Piece, de 1964, o sensacional livro Grapefruit, do mesmo ano (de onde John e Yoko tirariam a inspiração para a letra da canção “Imagine”) e seus filmes experimentais. Até hoje, já se aproximando dos 90 anos, o trabalho de Yoko permanece vigoroso e desafiador.
Yoko durante a performance Cut Piece, de 1964
John e Yoko no lançamento do livro Grapefruit
A influência da artista na própria obra de Lennon é também visível e merece ser celebrada como a guinada que fez John ir além do fenômeno pop e do grande compositor que era, para se tornar um dos artistas mais importantes e interessantes do século. A decisão de tornar sua música radicalmente autobiográfica, crua e extrema, e de se tornar pessoalmente um militante pela paz só pôde ser formatada e levada a diante contando com a força estética e discursiva de tal parceria, pelo incentivo, o suporte e a ajuda direta que a artista ofereceu – movida pelo inconformismo e o desejo de desafiar as caretices do mundo que unia o casal.
O casal em uma das mais célebres sessões de foto em Nova York, nos anos 70
-‘I’ve Got a Feeling’: a última parceria entre John Lennon e Paul McCartney
Pois quem admira o trabalho do John Lennon real – o artista mordaz, provocador, irônico, ácido, perturbado, inquieto e inconformista – sabe que Yoko lhe trouxe inspiração e sentido quando ele mais se encontrava pessoal e artisticamente perdido e desestimulado pelo sucesso e as pressões comerciais.
Cartasz da campanha “War Is Over”, de 1971: “A Guerra acabou se você quiser”, diz a peça
Os dois espalharam outdoors por algumas capitais do mundo em campanha pela paz
Em 2019 são muitos os feitos que completam 50 anos na história de um dos mais impactantes casais de todos os tempos: além do casamento em Gibraltar (divertidamente detalhado na canção “The Ballad of John and Yoko”, lançada ainda pelos Beatles), e sua lua de mel transformada em um happening de protesto conhecida como Bed-In for Peace (Na cama pela paz, em tradução livre), no qual o casal convidou a imprensa para seu quarto de hotel em Amsterdam e permaneceu por uma semana de pijamas deitado na cama contra a Guerra do Vietnã também completam em março cinco décadas. No quarto de hotel do segundo Bed-In, em maio em Montreal, no Canadá, foi gravada a canção “Give Peace a Chance”.
Lennon e Yoko durante o primeiro dos Bed-in’s
Foi no quarto de hotel que gravaram a clássica “Give Peace a Chance”
Também em 1969 foi lançado o primeiro disco da Plastic Ono Band, banda que John viria formar com Yoko: o ao vivo Live Peace in Toronto. Foi nesse ano também que o casal lançou a segunda e a terceira parte de sua trilogia de discos experimentais: depois de Unfinished Music No. 1: Two Virgins, lançado no ano anterior, em 1969 saíram Unfinished Music No. 2: Life With Lions e Wedding Album. Compostos por colagens, sobreposição de vozes, pequenos experimentos musicais e rítmicos, a quilômetros de distância do pop estes não são discos para qualquer ouvido – mas tratam-se de trabalhos de arte interessantes e desafiadores, em especial se localizados no contexto, na época e com a assinatura de quem os fez. Wedding Album ganhará uma nova edição esse ano, lançada por um selo canadense.
O dia de seu casamento em Gibraltar (John está com a certidão em sua mão)
E a efeméride final do casal a completar cinco décadas em 2019 foi a primeira apresentação pública que realizaram juntos em um palco, na Universidade de Cambridge, em 2 de março de 1969. Curiosamente, tratou-se de uma apresentação de Yoko, na qual John participou como convidando, formando “sua banda” – de costas para a plateia pelos 26 minutos do show, criando ruídos, barulhos e microfonias com sua guitarra diante de um amplificador enquanto Yoko cantava, falava e gritava.
A primeira apresentação dos dois, em Cambridge, em 1969
A última foto de John Lennon com vida, tirada por Annie Leibovitz em 8 de dezembro de 1980, dia de seu assassinato
É impossível desassociar o nome de Yoko da história de John Lennon, mas também é impossível relevar a importância da artista sobre tal vida e obra. E, além de cuidar da memória, do legado e da obra de John após seu assassinato, em dezembro de 1980, Yoko segue criando e se apresentando como uma das mais influentes e importantes artistas do mundo.
Yoko Ono hoje em dia
Yoko Ono é uma artista da melhor estirpe: independente, corajosa, questionadora e inclemente, trata-se de alguém que teve coragem de desafiar o estabelecido e oferecer a própria vida e reputação como espantalho contra a caretice e o preconceito. Feito uma doce e inabalável rocha, Yoko ainda hoje utiliza a voz de seus detratores como combustível para sua arte.
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