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A bandeira da Mangueira, sua escola de samba, sobre a qual a artista enfim repousou, assim como o cenário onde o velório aconteceu – a sede do Botafogo de Futebol e Regatas, seu time de coração – ajudam a apontar o significado e a dimensão essencial da cantora Beth Carvalho.
Da mesma forma, sua firme posição sempre ao lado dos trabalhadores, dos mais pobres e da luta contra a desigualdade em sua orientação política poderiam determinar quem era a pessoa junto da obra. A verdade, porém, é que nada pode ser mais eficaz, nesse caso, do que o evidente: Beth Carvalho era o samba. E nada melhor combina a paixão da cultura, da luta e da afirmação popular no Brasil como o ritmo que Beth ajudou a trazer ao centro das atenções nacionais, e que se tornou uma extensão de seu próprio corpo – ao qual ela nutriu, criou e deu formo como à própria vida.
Se o samba nasceu na Bahia e se desenvolveu no Rio de Janeiro pelas mãos e o balanço das “Tias” baianas que migraram para a então capital do país, ele de certa forma voltou à vida em sua essência mais pura e profunda pela voz dessa jovem branca, nascida na parte rica do Rio. Personificando a ponte cultural, social e existencial que o samba pode oferecer, Beth Carvalho liderou, no final dos anos 1960, a retomada do samba “de raiz” – sem a qual não teríamos hoje os maiores nomes atuais do estilo que melhor significa o Brasil na dimensão central que só a música popular ocupa.
Quando encontrou o inevitável sucesso com “Andança”, em 1968, a jovem Beth Carvalho já havia sido presença certa no mitológico Zicartola – bar comandado por Cartola e Dona Zica – e em outras das maiores rodas de samba de então, vendo de perto os gigantes do ritmo que se tornaria sua casa, como Nelson Cavaquinho, Zé Ketti e o próprio Cartola.
Foi o mergulho nessa base essencial do gênero e em seus maiores gênios – muitos então esquecidos no revolto mar cultural da virada dos anos 1960 para os 1970 – que fez Beth Carvalho se tornar quem ela por toda sua vida seria: uma das madrinhas, fundadoras, rainhas do samba, para frente e para trás no tempo do ritmo, como alguém que conta e forja essa história. O sucesso das gravações de Beth permitiu que Cartola e Nelson Cavaquinho conseguissem gravar discos e fazer shows, para ganharem enfim algum dinheiro de verdade e alcançarem o reconhecimento merecido.
E os braços generosos, a voz privilegiada e o ritmo singular da madrinha viriam a iluminar e fazer soar o caminho de nomes hoje tão fundamentais quanto Jorge Aragão, Almir Guineto, Arlindo Cruz e, é claro, Zeca Pagodinho. “Eu costumo brincar que eu era só um compositor, mas virei o Zeca Pagodinho por causa dela”, disse o cantor, no velório de Beth, lembrando que ela não só foi a primeira grande artista a gravar uma canção sua, “Camarão Que Dorme A Onda Leva”, de 1983, como colocou Zeca para cantar com ela.
“Eu costumo brincar que eu era só um compositor, mas virei o Zeca Pagodinho por causa dela”
Sua luta pelo samba foi também a luta contra a ditadura, a desigualdade social e pelos mais pobres – como, ao fim e com elegância e nobreza, se tornou também a luta por sua própria vida – tudo através e pelo samba. Beth Carvalho jamais se intimidou diante de qualquer dificuldade, e sempre ofereceu posições firmes, coragem política e firmeza em ocupar o espaço central de um universo majoritariamente tomado por homens. Se “Coisinha do Pai”, “Vou Festejar”, “Folhas Secas”, “Acreditar” e tantos outros sucesso são a essência da artista, sua inteligência e coragem política também tanto a significam.
E da mesma forma sua força e a paixão pela arte: até o fim Beth se apresentou para o público, mesmo tendo que o fazer deitada por conta de problemas na coluna. Na mesma medida em que o Brasil acordou justo no dia do trabalho mais duro e entristecido pela ausência de Beth Carvalho, há muito mais o que celebrar e aprender do que lamentar diante da vida da artista.
Se a música popular é a força essencial e mais importante da cultura brasileira – espécie de coração profundo da própria identidade nacional – e se o samba é a expressão maior dessa música, Beth Carvalho é um sol fundamental da melhor ideia que podemos conceber de Brasil. Não é possível mensurar o samba sem passar, dos pés, voz e cabeça, por ela – Beth Carvalho é (e esse verbo permanece no presente) uma medida do que pode ser o próprio país em sua força cultural. Junto da grande bandeira da Mangueira, em sua despedida, o mais justo: duas bandeiras do Brasil – o melhor Brasil com o qual podemos sonhar.
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