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O desconhecimento científico é o que mais me apavora em “Chernobyl”, minissérie em cinco episódios da HBO, que recentemente ganhou a nota mais alta da história do site IMDb (e subiu ainda mais, de 9.6 para 9.7).
A ótima recepção pelo público também foi alavancada pela maré de frustração que “Game of Thrones” trouxe em seus derradeiros episódios, mas não podemos julgar tudo isso apenas pela “sorte” de se estar no lugar certo na hora certa.
“Chernobyl” nos dá uma história poderosa e muito bem amarrada, tensão todo o tempo e personagens humanos – ainda que alguns pareçam de mentira de tão sinistros.
Agora, por que a série dá tanto medo nessa era do medo?
Donald Trump saiu do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, assinado e ratificado por mais de 130 países que concordaram em reduzir a poluição emitida por suas fábricas e seus veículos, controlar desmatamentos para tentar frear o aumento da temperatura do planeta. O presidente estadounidense deu para trás com o argumento de proteger a indústria e os empregos norte americanos. Interesses abertamente comerciais. Já no Brasil, o chanceler Ernesto Araújo disse que o aquecimento global pode ser uma enganação porque, hoje, os termômetros marcam temperaturas mais altas por estarem perto do chão de asfalto. Provavelmente movido por interesses também comerciais, mas disfarçado ou calcado pela burrice pura e simples.
Não se trata de endeusar a ciência em detrimento de outras manifestações do pensamento crítico, mas não escutá-la ou, pior, silenciá-la, só pode trazer atrasos.
Como um manifestante fez questão de lembrar no último dia 15 de maio, em protesto contra os cortes na educação promovidos pelo governo Bolsonaro e pelo ministro – que está sofrendo com o português – Abraham Weintraub: “Todo filme de tragédia começa com alguém duvidando da ciência”.
“Chernobyl” nos mostra isso constantemente, a tragédia que pode ser negar a ciência e suas descobertas, não escutar a opinião de especialistas, trazer para posições de poder pessoas completamente despreparadas, seja na burocrática União Soviética da década de oitenta do século passado, seja no comando das nações dos dias de hoje. A série serve como um exemplo histórico, prático e imediato desse problema.
Nos episódios, constantemente os planos de contenção da explosão nuclear e do desastre radioativo ocorrido na Ucrânia socialista em 1986 são contidas por figuras políticas que pensam na má publicidade internacional, e não nas vidas de seu cidadãos. Números de prováveis mortos nas tentativas também são evidenciados todo o tempo, fazendo da população mera estatística quando, o que de fato importa, são os cálculos políticos desses atos.
Soa como alguma coisa dos dias de hoje?
Na série, quando acontece a explosão do reator nuclear logo no início do primeiro episódio (não é spoiler, vá), o expectador se desespera com a morosidade em se tomar atitudes, as ações cabíveis. Dias e dias despejando partículas radioativas que se espalharam do leste da União Soviética até o ocidente europeu, sendo descoberto por suecos e noruegueses em seus respectivos países.
De acordo com um estudo de 2006, feito pelo Greenpeace, o número de mortes por câncer em decorrência do que aconteceu em Chernobyl poderia chegar a 93 mil. Em 2010, a explosão da plataforma Deepwater Horizon, operada pela empresa British Petroleum, causou o Desastre do Golfo do México, que derramou milhões de barris de petróleo no Golfo do México por semanas, um atraso descomunal de reação, causando danos ambientais que chegam na casa de US$ 17,2 bi.
Ainda no primeiro episódio, a cúpula de Chernobyl discute o que fazer, como tratar a explosão, o que sai e o que não sai. Depois, sabendo das reais proporções da tragédia, eles tentam minar a saída de informações, dos fatos. Mais adiante, lidamos com as decisões deles de quantos podem morrer, quem vai morrer e como provavelmente vão morrer. Segundo documentos, a Vale sabia das chances do rompimento na barragem em Brumadinho, Minas Gerais, pelo menos dois anos antes de o crime ambiental acontecer.
Nisso, é intrigante como a série não faz nenhuma relação entre as atitudes tomadas pelo já não existente Estado Soviético com as reuniões de conselheiros de grandes empresas que hoje dominam o mercado. Mas a semelhança é assustadora.
No alto do xadrez, tanto faz a bandeira ideológica. Você pode querer dizimar o Estado com políticas neoliberais e acabar sendo tão – ou até mais – imprudente que os soviéticos da Ucrânia. Afinal, Previdência ou usina nuclear, tanto faz. O que me importa são apenas os números.
“Chernobyl” nos trás detalhes até que bem fiéis aos acontecimentos do acidente nuclear ocorrido há 33 anos com um arco narrativo sem surpresas, mas que consegue passar toda a tensão crescente na cadência de acontecimentos e suas pesadas decisões, assim como o suspense do desconhecimento da população, do governo, dos muitos profissionais envolvidos. O desconforto é constante e delicioso, como espectador, claro, nos fazendo acompanhar as tentativas do químico soviético Valery Legasov (Jared Harris) e a cientista bielorrussa especialista em física nuclear Ulana Khomyuk (Emily Watson) em resolver ou minimizar o desastre.
Não temos arroubos radioativos, monstruosidades nucleares, o brilho de raios gama e nem nada do tipo. Apenas a silenciosa e assustadora ação da química radioativa. Cada segundo conta, toda estratégia pode gerar uma desgraça, a calamidade mundial se equilibrando nas decisões e pessoas com seus medos, suas travas, suas estratégias. Também o thriller de espionagem que vai tomando cada vez mais conta dos acontecimentos ajudam nesse perder de ar assistindo cada episódio.
E que bom, que temos uma obra-prima tão próxima dos nossos acontecimentos recentes, que tem uma mensagem a passar, mas que se preocupa também em entregar uma narrativa atenciosa, um entretenimento de boa qualidade. Não só panfleta, mas não só entorpece.
Um viva ao equilíbrio.
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