Simone e Simaria protagonizaram uma cena no mínimo controversa. Acusadas de racismo, as sertanejas se recusaram em pronunciar o nome da Iemanjá – orixá homenageada na música ‘Quero Ser Feliz Também’, do Natiruts.
As duas justificaram dizendo que não conheciam a letra da canção de sucesso. Tá bom. O assunto, claro, diz muito sobre o racismo religioso no Brasil. Candomblé e Umbanda são discriminadas de todas as formas.
Seja por meio do preconceito velado ou explícito – caso das dezenas de terreiros de culto aos orixás destruídos Brasil afora. A intolerância religiosa come solta no país.
A cada 15 horas, uma denúncia de intolerância religiosa é registrada, segundo levantamento do Ministério dos Direitos Humanos. Isso porque, constitucionalmente, o Estado brasileiro é laico há 120 anos.
Para refrescar a memória dos que insistem em pregar o desconhecimento, separamos 10 canções que homenageiam e exaltam a beleza dos orixás. Pela liberdade religiosa. Contra o racismo.
1- Mariene de Castro: Oxóssi/Citação: Ponto de Oxóssi
Mariene de Castro e os encantos de Oxum
Feita na Bahia, Mariene é um espetáculo. Como boa filha de Oxum, não poderia deixar de cantar para o senhor das matas e companheiro da dona das águas doces.
“Oxóssi reina de norte a sul
Oxóssi, filho de Iemanjá
Divindade do clã de Ogum
É Ibualama, é Inlé
Que Oxum levou pro rio
E nasceu Logunedé
Sua natureza é da Lua
Na Lua Oxóssi é Odé
Odé, Odé, Odé, Odé”
2- Maria Bethânia – As Ayabás
Bethânia, aqui do lado de Mãe Menininha do Gantois
Não dá para falar do Candomblé como força cultural sem citar o nome de Bethânia. A baiana iniciada por Mãe Menininha no Terreiro do Gantois, em Salvador, sempre fez questão de exaltar a potência das divindades africanas.
Nesta composição do irmão Caetano Veloso e do parceiro Gilberto Gil, Maria Bethânia destaca o poder da ayabás – orixás mães e rainhas.
Para Iansã:
“Iansã comanda os ventos
E a força dos elementos
Na ponta do seu florim”
Lá veio Obá:
“Obá – Não tem homem que enfrente
Obá – A guerreira mais valente”
Se lembrou de Ewá:
“Euá, Euá
É uma moça cismada
Que se esconde na mata
E não tem medo de nada”
E, finalmente, Oxum:
“Oxum… Oxum…
Doce mãe dessa gente morena
Oxum… Oxum…
Água dourada, lagoa serena”
3- Mateus Aleluia – Cordeiro de Nanã
Com seus cabelos e roupas brancas cor de algodão. Contraste com a pele negra marcada pela passagem do tempo. Mateus nasceu em Cachoeira, no Recôncavo Baiano, mas pode ser visto passeando de chinelos pelas ruas apertadas de Salvador.
É do ex-membro de Os Tincoãs a bela ‘Cordeiro de Nanã’. Como o nome já adianta, a canção homenageia ela, que vem, parafraseando Mariene de Castro, no som das chuvas.
“Sou de Nanã, euá, euá, euá, ê
Sou de Nanã, euá, euá, euá, ê”
Nanã está na água das chuvas. Na terra molhada dos pântanos e brejos. De roxo, andando calmamente, é a materialização da sabedoria. Salubá!
4- Juçara Marçal e Kiko Dinucci – Atotô
Juçara e Kiko em registro de Marina Sapienza
Deixemos os clássicos de lado. Por hora. Juçara Marçal e Kiko Dinucci são membros do Metá Metá, mas também costumam trabalhar em dupla.
Ao lado do violão preciso do paulista de Guarulhos, Juçara canta para ‘o velho’. A faixa do disco ‘Padê’ exalta, com calmaria, Obaluaê. O senhor que cura todas as chagas com um bom banho de pipoca reina soberano.
A linha de baixo Marcelo Mainieri dialoga com o silêncio. Obaluaê não gosta de algazarra e se move lentamente. Aprecie.
5- Saudação/Abertura -Rita Benneditto
“Adorei as almas
As almas adorei”
Rita cantando o Brasil
Já ouviu ‘Tecnomacumba’? O disco é um ode à Umbanda. Uma exaltação ao orixá. O trabalho de Rita Benneditto exalta todos os elementos da religião do Brasil.
A abertura, com a velocidade de Exu, mistura funk e a fúria de guitarras para celebrar e saudar. De Exu, claro, passando por Ogum, Oxóssi, Obaluaê, Jurema, pombas giras e por aí vai. Eita Brasil plural!
Eparrey!
6- Casa Nova/Raiz – Dona Edith do Prato
Maria Bethânia (sempre ela) ao lado e Dona Edith do Prato
Ai, o Recôncavo Baiano. Terra de sangue negro, descendentes de africanos e do samba de roda. A manifestação mais baiana de todas se tornou fio condutor de Dona Edith do Prato.
Macumbeira de primeira, ela cantou o povo brasileiro. Sua fé, costumes e comidas. ‘Casa Nova/Raiz’ une o frescor da voz jovem de Mariene de Castro (sempre ela) com a sabedoria de quem já viveu o suficiente. Tem como dar errado?
Sabe o que é axé? Escute o trecho abaixo para ter uma ideia:
“Tá na beira do mar nas folhas de sultão
Nos metais de ogunhê vendo raio e trovão
Tá na voz mais bonita que tem graça nas mãos
Por um milagre bem disse será a voz da canção”
7- Charles Ilê – Carlinhos Brown e Ilê Aiyê
Difícil escolher apenas uma música do bloco afro mais lindo do Brasil e do cantor mais talentoso de todos. Brown e Ilê, juntos na Concha Acústica de Salvador.
“Ogum onilê
Onilê Ogum”
Só pode ser coisa orixá! Com sua guitarra, todo paramentado, o filho do Candeal exalta Ogum e sua força. Ao mesmo tempo em que mostra a riqueza intelectual do Ilê ao cantar a África e as particularidades culturais de seus 54 países.
Brown oferecendo pipoca para Obaluaê
“Que realeza, Charles
Beleza negra
Negra marrin
Negra Salim
Salamaleikum, Charles
Salamaleikum
Salamaleikum”
8- Kaô – Gilberto Gil
Dizem por aí que Gilberto Gil é um orixá. Filho de Xangô, face da Justiça, o baiano caprichou ao homenagear o dono de sua cabeça.
‘Kaô’, lançada no álbum ‘Sol de Oslo’, do fim da década de 1990, é um mantra. Uma espécie de meditação. Cada toque da voz de Gil, ali, quase nua, emociona. Entra no sangue e dá a dimensão do que um orixá pode significar.
Gil como Oxalufã para o fotógrafo Daryan Dornelles
“Baobá
Obá obá obá obá Xangô
Obá obá obá obá obá Xangô
Obá obá obá obá Xangô
Obá obá obá obá obá”
9- Afoxé de Oxalá – Roberta Nistra
Sexta-feira é dia de vestir branco. Respeito ao orixá da paz e sabedoria, Oxalá. Homenageado com sensibilidade no ijexá de Luiz Antônio Simas, cantado aqui por Roberta Nistra.
Roberta Nistra também canta para Ogum
“Orun Alá
Orun yê
Alá un
Alá Orun
Alá”
10 – Obàtálá – Metá Metá
Ainda debaixo do alá de Oxalá. E talvez inspirada na tranquilidade da já citada ‘Kaô’, de Gilberto Gil, o Metá Metá deu show.
Gente que ama amar o Metá Metá
Thiago França e seu saxofone levitam de mãos dadas com as notas de ‘Obatalá’. Poucas coisas conseguem ser mais bonitas e sensíveis. Difícil não derramar uma lágrima.
Obàtálá, dizem os Yorubás, é criador do mundo, dos homens, dos animais. O ‘Rei do Pano Branco’ foi o primeiro orixá criado por Oludumare. Se delicie com a voz da talentosa Juçara Marçal e pense no colorido lindo da vida.
Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.
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