Debate

Celibato: a imposição católica pode estar com os dias contados

17 • 10 • 2019 às 18:02
Atualizada em 20 • 10 • 2019 às 18:01
Gabrielle Estevans
Gabrielle Estevans Jornalista, escreve sobre gênero, cultura e política. Também trabalha com pesquisa, planejamento estratégico e projetos com propósito e impacto social.

Nascido  no clero romano, em 304 d.C e originário do latim cælibatus, celibatários são conhecidos como aqueles que não estão casados. Apesar de ser uma opção de vida que pode ser escolhida por qualquer pessoa que não queira contrair matrimônio ou estar em um relacionamento, normalmente o celibato é associado àqueles que seguem carreira religiosa e que, guiados pela Bíblia, devem viver longe das tentações da carne. Mas a adoção da “vida casta” pode estar próxima do fim — pelo menos da forma como a conhecemos. 

Neste mês, acontece, no Vaticano, uma reunião decisiva entre o Papa, bispos da região e especialistas para tratar de assuntos da Amazônia. Na pauta, um tema polêmico: a ordenação de padres casados sem que haja necessidade de separação — como exigia antes a ordem religiosa. A ideia é que a liberação garanta os sacramentos em áreas remotas, como a amazônica. A proposta, como já ressaltou publicamente o Papa, é de uso exclusivo para as regiões em que a Igreja não consegue ter representantes. Agora, para ganhar legitimidade, o projeto tem de ser avaliado e ratificado depois da reunião em Roma. Além do celibato clerical, também será discutido o desmatamento da Amazônia, a mineração ilegal e os projetos de desenvolvimento que ameaçam as culturas nativas. Meio ambiente, aliás, é palavra de ordem nas falas do líder mundial da Igreja Católica. 

© Antoine Mekary / ALETEIA

Para Julio Cesar Cintrão, 44, a decisão institucional de manter ou derrubar o celibato, quando colocada como medida para atender a uma ou outra necessidade, é complexa. Hoje docente do SENAC nos cursos de Desenvolvimento Social, Cintrão foi religioso franciscano da Ordem dos Frades Menores por quatro anos. Saiu na etapa conhecida como noviciado, em que há a realização dos votos temporários de pobreza, obediência e castidade.

“O fim do celibato precisa acompanhar uma visão progressista de que a liderança dos grupos religiosos não precisa ser necessariamente de um homem solteiro que se dedica unicamente a isso. As comunidades eclesiais de base são formas de organizar grupos religiosos onde a liderança é compartilhada com toda a comunidade de fé. O padre é mais um membro, que tem a sua opinião respeitada tal qual a Dona Maria. O celibato hoje se coloca muito mais como uma exigência burocrática da igreja do que uma inspiração religiosa de consagração”, aponta. 

A discussão do celibato foi levantada por alguns setores da Igreja ao observarem que em desertos de catequização como áreas da Amazônia quase 70% das comunidades não têm acesso à missa semanal. Passou-se a considerar o retorno de uma figura conhecida como viri probati — homens casados, reconhecidos pela integridade e pelo testemunho cristão. No caso da região brasileira, a preferência é dada para idosos, preferencialmente indígenas e que tenham constituído uma família estável. “As comunidades mais remotas que optam pela assistência religiosa precisam ter a oportunidade de destacar membros que se sintam vocacionadas a organizar a vida religiosa da comunidade. Desse jeito, falar sobre celibato é também falar do papel das mulheres, dos casais, dos jovens nessas comunidades”, explica Cintrão. 

Se lá atrás, na Idade Média, o celibato foi abraçado pelo catolicismo como forma de defender seu patrimônio e evitar que herdeiros o disputassem e tornou-se obrigatório para o clero a partir de 1537, os tempos, hoje, são outros e a Igreja, para se manter, necessita de se reinventar. Papa Francisco parece saber disso melhor do que ninguém. Ainda não é possível avaliar a medida e é certo que, a curto prazo, ela não será implementada de forma geral. De qualquer forma, a proposta abre a possibilidade de funcionar estrategicamente como um laboratório de testes para a Igreja.

“Originalmente o celibato surge como uma vocação à vida comunitária, que precisa da dedicação exclusiva de uma pessoa que irá liderar as outras. Mas será que ainda precisamos que seja dessa forma? Irmãos protestantes, evangélicos, ortodoxos, pais e mães de santo e de terreiros, muçulmanos e budistas têm líderes que vivem o celibato em momentos especiais ou que não o vivem e nem por isso deixam de ser líderes fortes na fé, nas crenças, na vivência religiosa”, diz Cintrão para, por fim, questionar: “Nesse sentido, como o catolicismo pode olhar para suas lideranças e propor novas formas, novos serviços, novas experiências de vivência na fé?”. A resposta virá, pelo menos em parte, após o dia 27 de outubro, data prevista para o encerramento da reunião clerical que já está em curso, em Roma. 

 

 

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