Debate

Lei que proibe homem de dar banho em crianças em escolas reforça sexismo no mercado de trabalho

31 • 10 • 2019 às 18:11 Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Um novo projeto de lei, desenvolvido pelas deputadas estaduais Letícia Aguiar, Valéria Bolsonaro e Janaina Paschoal, do PSL de São Paulo, pretende restringir os cuidados íntimos de crianças na educação infantil, como trocar fraldas, ir ao banheiro ou tomar banho, às profissionais mulheres. A ideia de impedir os homens de participar de tais trabalhos visa combater a possibilidade de eventuais abusos sexuais contra as crianças. As estatísticas e os especialistas no tema sugerem, porém, que a realidade é bastante diferente – e que a lei não só não efetivamente combate os abusos, como ainda reafirma uma visão desigual e sexista das funções profissionais entre homens e mulheres.

A deputada Janaina Paschoal, do PSL – SP

Segundo o PL 1.174/2019, aos homens caberiam atividades pedagógicas, esportivas e administrativas – a fim de tranquilizar mães e pais especialmente no interior de São Paulo, que estariam apreensivos pela contratação de professores homens em instituições públicas de ensino infantil. Especialistas, porém, lembram que abusos acontecem tanto vindo de homens quanto de mulheres, e que delimitar as funções dos profissionais e principalmente ensinar às crianças sobre tais questões é caminho muito mais eficaz e realista.

A própria nota emitida pela Secretaria de Educação de Araçatuba, onde a polêmica teria começado, aponta a incongruência do projeto de lei. “Antes de começarem a atuar com as crianças, os agentes passaram por uma formação de 40 horas com atividades teóricas e práticas que incluíram técnicas de banho e troca de fraldas com respeito e profissionalismo. Além disso, eles não atuam sozinhos com as crianças, uma vez que auxiliam os pedagogos responsáveis pelas turmas. As escolas são dotadas de sistemas de monitoramento por câmeras”, diz a nota.

E segue: “Não houve nenhuma reclamação de pais cujos filhos são atendidos por agentes masculinos na Secretaria de Educação. Pelo contrário, chegam relatos das escolas, de pais elogiando o atendimento. A polêmica ocorreu exclusivamente nas redes sociais. Importante ressaltar que não é porque é homem que irá irá abusar de crianças. O abuso não tem relação com o sexo das pessoas, mas sim com personalidade e/ou desvios, inclusive, dados oficiais apontam que a maior incidência de abuso contra crianças ocorre no ambiente familiar”, conclui.

A deputada Valéria Bolsonaro, também do PSL – SP

Pedagogos lembram que o combate ao abuso pode acontecer de forma muito mais efetiva se, por exemplo, dois profissionais forem designados para, sempre juntos, realizar tais tarefas íntimas com as crianças nas escolas – independentemente do gênero de tais profissionais. Mais preocupante do que a ineficácia objetiva da lei, é a própria cortina de fumaça que um falso debate sobre tema tão importante provoca: ao invés de ouvir especialistas e profissionais que possam realmente melhorar tal problema potencial (quando ele efetivamente existir), falsear o debate em nome de moralidades questionáveis ou interesses políticos é, isso sim, manter em perigo crianças que possam estar verdadeiramente ameaçadas.

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