Debate

Pergunta de Silvio Santos a crianças mostra que precisamos debater programas de auditório com urgência

07 • 10 • 2019 às 12:26
Atualizada em 07 • 10 • 2019 às 17:05
Kauê Vieira
Kauê Vieira   Sub-editor Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.

Vale tudo em nome da audiência? Silvio Santos quebrou outra barreira ao perguntar para uma menina que participava de seu programa se ela preferia sexo, poder ou dinheiro?”

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Seguida de uma risada do apresentador de 89 anos, a questão provocou constrangimento dos convidados presentes no programa exibido nas noites de domingo. 

O vídeo é de 2016 e foi publicado nas redes sociais pelo youtuber Felipe Neto, que criticou o hábito do empresário de proferir ofensas machistas, racistas e homofóbicas travestidas de ‘piada’. Felipe aproveitou para expor alguns políticos defensores da ‘família brasileira’. 

Especialista cita responsabilidade social de emissoras de TV

Thais Dantas é advogada e membra do programa ‘Prioridade Absoluta’, do Instituto Alana. Em conversa com o Hypenessela cita elementos da Constituição Federal e chama atenção para a proteção da imagem de crianças e adolescentes. 

“Por elas estarem em uma condição peculiar de desenvolvimento, o conteúdo que crianças e adolescentes têm acesso precisa ser adequado que elas estão vivenciando. O artigo 227 da Constituição Federal trata do papel de auxiliar contra a inviabilidade física, psíquica e moral, o que tende a acontecer quando o conteúdo não é adequado”. 

A participação de um criança precisa de autorização judicial e atender aos requisitos da lei do trabalho infantil artístico. Entre as exigências está o acompanhamento psicológico para manter a saúde mental e zelar pela imagem dos menores de idade. 

“Sempre que há participação de crianças e adolescentes na condição de convidados,  para a realização de apresentações ou participação em concursos de beleza, é necessário garantir que elas possuam autorização judicial. O trabalho infantil artístico garante a participação da criança e o tipo de conteúdo ao qual ela é exposta”, pontua Thais. 

E o compromisso social, Silvio? 

Não faz muito tempo, Silvio Santos chocou ao promover um concurso de beleza infantil. Não bastasse a atitude, condenada por especialistas, o dono do SBT exibiu crianças menores de idade usando apenas maiô. 

“Vocês do auditório vão ver quem tem as pernas mais bonitas, o colo mais bonito, o rosto mais bonito e o conjunto mais bonito”, declarou Senor Abravanel. 

Vale lembrar, assim como diaz Thais Dantas, que as emissoras de TV brasileiras são concessões públicas. Ou seja, o sinal só é permitido pelo governo federal mediante compromisso com a responsabilidade social. O pacote, claro, incluiu a proteção ao direito da criança e do adolescente. 

“A nossa legislação protege as crianças e adolescentes e a TV, enquanto concessão pública, deve respeitar e ser responsabilizada por isso”, reforça a advogada. 

Silvio Santos recebeu críticas por concurso de beleza infantil

Thais acrescenta, “é preciso pensar a violação do direito de imagem dessas crianças quando há algo vexatório, quando são expostas ao constrangimento, que tende a ser replicado”

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A programação inadequada deixa marcas na vida desta criança. Por isso a relevância de métodos como a classificação indicativa. A membra do projeto ‘Prioridade Absoluta’ destaca que os efeitos de conteúdos impróprios também contribuem para a  manutenção de estereótipos racistas, de gênero e da violência infantil. 

“Há casos recentes de padrões de estéticos, com indícios de racismo, reprodução de estereótipos de gênero, que são propagados pela mídia e são prejudiciais, ainda mais considerando o cenário de desigualdade de gênero. O Brasil é o quarto país do mundo em quantidade de casamentos infantis envolvendo menores de 18 anos. Então, todo o discurso veiculado por esses programas de grande alcance é negativo e acaba naturalizando e enfraquecendo a proteção aos adolescentes e crianças”

A Justiça está de olho na linha editorial das emissoras de TV do Brasil e Thais Dantas destaca um caso recente do Superior Tribunal de Justiça, que prevê pagamento de indenização em quadros que promovem situações vexatórias. 

Episódios protagonizados por Silvio Santos no SBT, por exemplo, geram revolta. No entanto, tenha cuidado na hora de compartilhar. E aos desavisados, internet não é terra sem lei. 

“As redes sociais amplificam o alcance das notícias, mas é importante considerar que os direitos da legislação também são aplicáveis na internet. Há uma tendência de pensar que a internet não possui legislação, mas o direito na TV é garantido nas redes. Portanto, é fundamental preservar a identidade, não replicar conteúdo, ter o cuidado de borrar fotos para que a criança não seja identificada”, conclui. 

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