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Poses pintosas, postura afeminada, gostos extravagantes. Talvez ao ler essa primeira frase você imediatamente tenha se lembrado do projeto Criança Viada, que em 2012 explodiu na internet e levantou uma discussão relevante sobre LGBTQFobia na infância. De lá pra cá, pouco mudou. Em 2017, a artista plástica Bia Leite teve sua exposição no Queermuseu censurada porque trazia pinturas com fotos e frases do Tumblr. O motivo? A intervenção artística estaria fazendo apologia à pedofilia. Logo em seguida, o próprio Tumblr de Iran Giusti foi derrubado por uso inapropriado de imagens de menores.
Sete anos depois, em meio a discussões cada vez mais necessárias sobre papeis de gênero, uma nova iniciativa ganha as redes sociais para endossar a resistência LGBTQ: ‘Coisas de Viados’, do designer Igor Canto, 27. “Eu sempre fui a criança viada, bicha do interior. Dançando diva pop, ouvindo o CD das Spice Girls no discman. Quando fui conversar com amigos sobre essas memórias e cobranças sociais, vi que não estava sozinho. O projeto é uma forma da gente se libertar”, explica. No Instagram, fotos, vídeos, relatos e histórias de crianças viadas, mas inibidas, contadas, hoje, por adultos livres — e ainda viados.
Pedro Lima, de 32 anos, diz que sabia que era gay antes de se entender, de fato — a sociedade o rotulou antecipadamente, antes mesmo de que ele tivesse qualquer contato com sua sexualidade ou soubesse o que o termo significava. Das lembranças que guarda da época, a do bullying sofrido na escola é uma das mais marcantes. “Meu irmão tinha me dado um estojo que nem era rosa rosa, era vinho. Aí eu tirei o estojo e instantaneamente um menino falou ‘Ah, estojo rosa!’, e outra menina falou ‘rosinha!’. Pronto, da quinta até a oitava série eu era o ‘rosinha’”.
Pedro foi o primeiro retratado do ‘Coisas de Viado’. “Toda bicha tem uma história de infância e o projeto vem muito de um lugar de tentar fazer diferença. De dizer para uma nova geração que eles vão crescer e que vai ficar tudo bem — quer dizer, mais ou menos, né? mas O Coisas de Viado é sobre mostrar histórias para confortar e afrontar essa geração que vem a seguir.” Questionado sobre a repercussão de seus relatos, o diretor de arte e designer conta que a postagem causou reflexões no grupo da antiga escola. “Uma das minhas amigas, que hoje é professora, comentou que é muito louco imaginar que mesmo eu, que sempre fui rodeado de amigos, tenha passado por tudo isso sozinho.”
Diogo Machado, 29 anos, também sentiu na pele, desde muito cedo, a homofobia. “Cresci no interior, jogando bola com os meninos na rua. Eles diziam que eu era viado. Quando eu chegava em casa e contava para a minha mãe, ela ficava brava. É uma carga muito negativa muito grande que se coloca em uma criança. Não tem como essa imposição machista não interferir na construção de identidade de homens homossexuais. Devo ter perdido muita coisa, né? Descobertas próprias, pessoais, internas. Só agora comecei a me conhecer 100%”, diz.
Para o criador do projeto, há, por trás do preconceito e da homofobia, um machismo estrutural fortíssimo: “Quando eu era pequeno, sentia uma admiração enorme pelo universo feminino. Fui criado por uma família de mulheres e sempre me orgulhei disso. A nossa vontade posterior de esconder trejeitos, gostos e posturas lidas como femininas vêm justamente do julgamento, da desvalorização com que o gênero é visto”. Em um ambiente que pode ser completamente hostil para uma criança.
Os retratados pelo projeto, hoje adultos, continuam tendo de lidar com a homofobia. Bruno Costa, 27, diz que enfrenta o preconceito sendo ainda mais feminino. “Eu me identifico como uma pessoa não-binária e faço questões de carregar isso nas minhas vestimentas, no meu discurso, no meu apoio às causas LGBTQs, feministas e negras. O que mais me amedronta, talvez, é quando qualquer situação parte para violência. Caso contrário, eu tento ser uma pessoa que existe entre o masculino e feminino, com muitas possibilidades. E se isso incomoda alguém, só digo: sinto muito”.
Para Pedro Leobons, 29, mais um dos perfilados no projeto, exercer a masculinidade em convivência com a feminilidade ainda é um exercício. “Nós, bichas, como o projeto aborda, aprendemos a suprimir a nossa feminilidade a vida toda e isso está diretamente ligado à masculinidade tóxica. Nós, assim como todos os homens, somos vítimas desse fenômeno. Por isso, ser feminino, além de um ato de resistência, é um exercício pessoal — no meu caso, me pego pensando, às vezes, se estou sendo bicha demais. O desafio é ligar o foda-se e ser o quão bicha se quiser ser”, e completa que, “é um desafio também conviver com homens heterossexuais cis tradicionais, que não estejam abertos a um processo de desconstrução. Essa convivência, quando combativa, nos leva a performar a nossa feminilidade de forma revolucionária”.
Desde a concepção até sair do papel, o Coisas de Viados demorou quatro meses para estrear e causar frisson na internet. Já foi matéria de jornal e ganha cada vez mais admiradores Também tem um valor importante e quase terapêutico para quem participa. “Trazer essa história à tona me fez repensar e enxergar como os estereótipos de gênero, impostos desde muito cedo, através das cores, objetos e outros dispositivo, criaram distanciamento entre eu e minha família. Porém, hoje os sentimentos já são bem resolvidos”, conta Julio Viela, 29. Os próximos passos, agora, do Coisas de Viados é captar ainda mais relatos e impactar mais pessoas. “O projeto vai crescer bastante e ele precisa crescer. São projetos que as pessoas precisam conhecer”, finaliza, certeiro, Pedro Lima.
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