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Os reality shows fazem parte da vida dos brasileiros há pelo menos 20 anos. Desde a estreia do ‘Big Brother Brasil’, a necessidade de ficar por dentro da rotina das pessoas se transformou.
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Impulsionado pela revolução provocada pelo salto tecnológico do início do século, estes programas se proliferaram em diferentes formatos, mas sempre com enfoque no comportamento.
A última edição do ‘BBB’ teve racismo e associação com o machismo
Aconteceu de tudo em quase duas décadas, barracos, ofensas, histórias inspiradoras e uma repetição de hábitos socialmente enraizados. O debate sobre racismo e feminismo se deu de diferentes formas, mas nunca com a profundidade que os assuntos demandam.
Daniela Vieira é pós-doutoranda em sociologia pela Unicamp e em conversa com o Hypeness analisou o efeito provocado pela discussão de gênero e raça nas redes sociais dentro dos espaços de confinamento.
A socióloga explica que a televisão se alimenta da realidade social porque “precisa acompanhar os debates do tempo presente”. Ela, no entanto, pondera que “nisso está a contradição e a tragédia. A sua forma é o espetáculo. Como a sociedade é racista, machista, homofóbica e transfóbica, ela [a televisão] também reproduz essa realidade”.
Para Daniela Vieira não há dúvidas de que a TV capitaliza ao discutir racismo ou machismo. O problema é que a maioria dos programas, reality shows inclusos, não saem da superfície. Falta uma proposta que busque entender o que de fato provoca a incidência de episódios de preconceito. Afinal, como a própria socióloga pontuou, a discriminação neste tipo de programa é reflexo da formação social do país.
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“A TV ganha em popularidade ao pautar minimamente o debate sobre racismo e machismo. Mas, a reprodução dessas práticas é mais constante do que o chamado à conscientização”, complementa.
O fenômeno está diretamente ligado ao debate sobre representatividade. Afinal, é suficiente pautar os efeitos do racismo sem o protagonismo de pessoas negras?
Não é. Mas, como a própria socióloga ouvida pelo Hypeness destacou, a televisão exerce seu papel de transformar demandas sociais em produtos para gerar audiência. Portanto, Daniela Vieira é taxativa ao dizer que a reprodução do racismo também é percebida na estrutura das próprias emissoras de TV.
Se fôssemos, por exemplo, investigar quantas mulheres trabalham nas redes de televisão brasileiras, quantos negros e quais os valores que eles recebem, veríamos, salvo engano, a estruturação do machismo e do racismo. Tudo isso para dizer que a reprodução dessas práticas não se encontra apenas no conteúdo dos programas – com exceção de um ou outro – mas também na própria organização estrutural desse veículo de comunicação.
A doutora pela Unicamp cita um exemplo que ultrapassa a fronteira dos reality, mas que dialoga com a falta de compromisso dos veículos de comunicação na implementação de ações afirmativas. Ela lembra de Maria Júlia Coutinho, que desde que assumiu o comando do ‘Jornal Hoje’ é alvo de ‘fogo amigo’ de colegas de imprensa.
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Primeiro foi o jornalista Daniel Castro, que publicou uma reportagem contando o número de erros supostamente cometidos por Maju. Na sequência, a jornalista Carla Vilhena foi ao Twitter questionar a postura da âncora ao noticiar a morte do diretor Jorge Fernando.
“As mulheres devem ganhar menos. Nós contamos nos dedos os negros e negras. Quando há algum ou alguma que se destaca, é logo vítima de racismo. A sua competência é colocada em questão. Basta lembrar do que estão fazendo com a Maju”, conclui Daniela.
As redes sociais não foram suficientes (até aqui) para frear o consumo de programas televisivos. Uma pesquisa de 2018 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada pela Agência Brasil mostra que apenas 2,8% dos domicílios particulares brasileiros não tinham televisão.
A maioria dos brasileiros se informa pela TV. Agora, as emissoras fazem jus ao compromisso social previsto no contrato de concessão pública? Daniela demonstra certo ceticismo.
“Indo direto ao ponto, como produtos da indústria cultural, é difícil pensar na possibilidade de letramento via TV. Há um programa ou outro que busca conscientizar ou ao menos colocar em pauta a problemática”, inicia.
Com estágio no King’s College de Londres, Daniela Vieira sublinha também a superficialidade na abordagem de determinados assuntos, sobretudo temas sensíveis como racismo e machismo.
As novelas pautam vários debates em voga na sociedade, contudo, o cerne da narrativa, o enredo, não se encontra no racismo tampouco no machismo ou na homofobia. Não há insistência na superficialidade, o formato é em si superficial. É para ser brevemente esquecido. Tudo é programado para ser brevemente esquecido. Menos os anúncios, os patrocinadores.
No ‘BBB’, Tiago Leifert pouco falou sobre racismo de Paula
Especificamente no âmbito dos reality shows, agressores e protagonistas de situações preconceituosas são, digamos, premiados. Recentemente, Paula von Sperling destilou racismo durante confinamento no ‘Big Brother Brasil’.
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O que ela recebeu em troca? O prêmio de 1,5 milhões de reais. Sim, mesmo intimada a prestar depoimento por racismo, Paula se sagrou campeã. No mais, a emissora responsável pelo programa pouco se aprofundou na postura adotada pela jovem.
“Parece que os racistas têm respaldo governamental para expressarem o ódio contra negros e negras”, salienta Daniela.
A socióloga acredita que a atitude discriminatória de pessoas como Paula ou o médico Marcos Harter – que depois de ser indiciado por agressão contra a namorada no ‘BBB’ ganhou convite para participar de ‘A Fazenda’ – só são minimamente combatidas em função das conquistas de movimentos negros e feministas.
Expulso por agressão, Marcos Harter ganhou chance em reality da Record
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“Os exemplos que você coloca sobre essas violências nos realitys shows representam não a intensificação do racismo. A meu ver, o racismo sempre esteve presente, é estrutural; mas, talvez, a intensificação da violência contra a mulher – ainda que o machismo também seja estrutural. Em ambos os casos há a desumanização da vítima como mote à violência”, destaca.
E amarra o raciocínio…
Mas dados os poucos avanços promovidos desde a redemocratização, vitória do movimento negro, ocorre maior tensionamento. Já com relação à violência contra as mulheres, os dados demonstram, por exemplo, que em São Paulo, o feminicídio aumentou 76% no primeiro trimestre de 2019, ou seja, é alarmante o aumento do índice de violência contra a mulher. Mas, também, por outro, as mulheres não ficam mais caladas e/ou envergonhadas diante da situação. Há, hoje em dia, toda uma rede de apoio e solidariedade às mulheres. Além da lei Maria da Penha, claro.
Dá pra concluir que além de estratégia, a insistência da televisão brasileira em enxergar o racismo como um ator isolado e não protagonista só contribui para a efemeridade da questão racial brasileira.
Percebi q o negro pra ser querido/aceito principalmente em reality tem q ser um Deus , uma falha vagabundo cai de pau , na verdade em tudo o negro tem que ser 2x mais e mesmo assim tem gente q ainda diz que é mimimi ! Muito foda ser negro no Brasil , Deus que me Free
— #luaneconselheira ?? (@luanediaas) January 21, 2019
O desafio de editores e jornalistas é transpor a barreira do preconceito e propor uma reflexão honesta e que reflita os anseios de setores historicamente oprimidos. Do contrário, os reality shows estão fadados aos papel incômodo de compensar com mimos e prêmios algozes de um crime previsto em lei.
“O racismo é estrutural e constante na sociedade brasileira. Nos últimos tempos, em que pese o regresso político ideológico do contexto brasileiro, há, por outro lado, espaço maior para a denúncia do racismo antinegro. Isso se deve em muito ao ‘escracho’ pelas redes sociais, promovido tanto por movimentos organizados quanto por independentes, fazendo com que a divulgação da violência do racismo encontre maior capilaridade. Além disso, sem dúvida, há inúmeros debates, publicação de livros de fácil circulação, que colocam em pauta a realidade do racismo e os privilégios da branquitude. Mas não acho que ele tenha se intensificado, ele sempre existiu”, reforça Daniela Vieira, pós-doutora pela Unicamp.
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