Futuro

Investigação aponta o que aconteceu para que Uber autônomo atropelasse pedestre fora da calçada

20 • 12 • 2019 às 16:02
Atualizada em 20 • 12 • 2019 às 16:06
Kauê Vieira
Kauê Vieira   Sub-editor Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.

Os carros autônomos, veículos conduzidos através de computadores e sem a presença de um motorista humano, ainda são a grande aposta tanto de fabricantes quanto de empresas de transporte – e a Uber era uma delas. Para além da questão trabalhista e propriamente humana que essa tendência levantará, retirando potencialmente o já precarizado emprego de milhares de pessoas por todo o planeta, uma outra questão vem paralelamente colocando a novidade em uma justa suspensão: a segurança, em especial desde 2018, quando um Uber autônomo em teste atropelou e levou à óbito a pedestre Elaine Herzberg, de 49 anos, na cidade de Tempe, Arizona, nos EUA, em março do ano passado. Passados mais de 20 meses do acidente fatal, um relatório finalmente revela tudo que ocorreu no trágico teste.

Frame do instante em que o veículo atinge a pedestre

Segundo o relatório, criado pela Comissão Nacional de Segurança no Transporte, dos EUA, curiosamente uma parte da responsabilidade pelo acidente recaiu em justamente quem não estará lá quando os carros autônomos estiverem rodando oficialmente: os seres humanos. E não só: a culpa, segundo o documento, foi também da cidade de Tempe e da atitude imprudente da vítima, que estava comprovadamente sob efeito de drogas no momento do acidente.

Ainda que o carro estivesse operando em modo totalmente autônomo, havia dentro do veículo uma motorista-inspetora que, segundo a comissão, passou 36% do tempo olhando para seu smartphone enquanto transmitia ao vivo o experimento do qual fazia parte – e que deveria inspecionar por segurança, para que justamente pudesse assumir o controle em uma situação de emergência.

Acima, o veículo após o impacto; abaixo, a bicicleta amassada

“Se a operadora do veículo estivesse atenta, teria tido tempo de sobra para detectar a pedestre cruzando a rua e evitar ou ao menos minimizar o impacto”, escreveu a Comissão em seu relatório. Segundo consta, os computadores do Uber perceberam a presença de Elaine Herzberg 5,6 segundos antes de atingi-la, e foi quando um outro problema, de origem tecnológica, se deu: a pedestre não foi reconhecida pela inteligência artificial como uma pessoa por estar fora da calçada. Elaine imprudentemente cruzou a rua escura da cidade de Tempe longe de qualquer sinal de trânsito ou faixa de pedestre e, por uma resolução tecnológica de segurança mal feita por parte dos computadores, acabou sendo atingida praticamente sem redução de velocidade.

Elaine Herzberg

Somou-se, portanto, de acordo com a comissão, à displicência da operadora presente no veículo  uma disfuncional “cultura de segurança” da tecnologia – onde foi identificado o mais grave componente da avalanche de problemas que resultaram na morte da pedestre. O sistema do Uber não estava preparado para lidar com pedestres fora da calçada ou cruzando a rua onde não havia uma faixa de pedestre. Soma-se a isso, os documentos mostram, uma imensa preocupação com “alarmes falsos” de segurança levou a um bug no sistema que não permitiu que a velocidade fosse reduzida, e assim se explica o motivo pelo qual o carro não reduziu sua velocidade por mais que houvesse tempo para impedir ou ao menos reduzir o impacto.

A frota de UBERs autônomos em teste pela empresa

Para que o carro não desacelerasse a cada possível obstaculo – incluindo sacolas, pedras pequenas, dejetos ou outros objetos desimportantes – os computadores foram desenvolvidos para identificar o que seria cada possível obstáculo no caminho do veículo. Consta no relatório que o veículo estava a cerca de 70 km/h no momento do atropelamento, que lançou Elaine Herzberg a 22 metros de distância. 5,6 segundo antes da batida, porém, o veículo primeiro a detectou como sendo um outro veículo. Em seguida, o veredito foi mudado para “outro”, depois novamente para um veículo, então para uma bicicleta, para “outro” mais uma vez, de volta para uma bicicleta e, somente 1,2 segundos antes do acidente o sistema de segurança percebeu se tratar de uma pessoa, e que era preciso uma freada imediata.

A operadora, no entanto, não estava olhando para a rodovia, e foi somente quando um alarme de áudio soou – a 0,2 segundos da batida – que ela assumiu o volante. Os freios manuais só foram acionados 1 segundo depois do carro atingir Herzberg. A responsabilidade, no entanto, não foi atribuída somente à empresa e a operadora, mas também à falta de políticas de segurança para veículos autônomos na cidade – visto que o teste era autorizado – e, como um complemento ainda mais trágico e ocasional ao ocorrido, à própria vítima. Elaine estava atravessando fora da faixa, em meio a uma rua escura, empurrando sua bicicleta, a somente pouco mais de 100 metros de distância de um sinal com uma faixa segura e iluminada. Como se não bastasse, foi encontrada metanfetamina sem seu corpo, o que pode ter influenciado a tomar a decisão imprudente que ajudou a causar sua morte.

Até o acidente, diariamente novas empresas e invenções surgiam para disputar ou aprimorar o incipiente e já bilionário mercado de carros autônomos. Agora, se o futuro ainda aponta para os carros dirigidos por computadores como uma das mais transformadoras novidades no mercado automobilístico, o que era urgente se tornou emergência, e esse futuro ficou um pouco mais longe do que se esperava:  Uber suspendeu todos os seus testes com veículos do tipo, e está mais do que evidente que não basta ser uma incrível inovação – é preciso colocar a vida dos seres humano como assunto central quando se fala em avanços tecnológicos.

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© fotos: reprodução/divulgação


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