Debate

Por que Paulo Freire não é um energúmeno e sim um dos principais nomes da educação brasileira

17 • 12 • 2019 às 11:47
Atualizada em 17 • 12 • 2019 às 12:36
Gabriela Glette
Gabriela Glette Uma jornalista e produtora de conteúdo que mora na França. Apaixonada por viagens e inquieta por natureza, ela encontrou no nomadismo digital o segredo de sua felicidade, e transforma a saudade que sente da família e amigos em combustível para escrever suas histórias. Gabriela também é fundadora do site Quokka Mag, onde fala apenas sobre coisas boas!

Energúmeno: indivíduo ignorante, boçal, imbecil. Para o atual presidente do Brasil – Jair Bolsonaro, é exatamente isto que o patrono da educação brasileira e um dos pensadores mais citados do mundo  – Paulo Freire, é. O insulto foi proferido na última segunda-feira (16), quando o presidente sem partido declarou que não pretende renovar o contrato do Ministério da Educação com a TV Escola, que para ele, possui uma programação totalmente de esquerda e ‘deseduca’ o público.

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O mais célebre educador brasileiro e autor da ‘Pedagogia do Oprimido’ é o terceiro pensador mais citado em trabalhos acadêmicos pelo mundo. Mais pessoas falam sobre ele, do que do francês Michel Foucault ou do alemão Karl Marx. Na década de 1960, Paulo Freire desenvolveu uma metodologia de educação que recebeu o nome de ‘Método Paulo Freire’, que consiste em alfabetizar adultos a partir da repetição de palavras, aproveitando o próprio vocabulário dos alunos. Através desta metodologia, ele alfabetiou 300 cortadores de cana-de-açúcar em apenas 45 dias, na cidade de Angicos – Rio Grande do Norte.

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Respeitado no mundo inteiro, o pernambucano foi homenageado por pelo menos 35 universidades brasileiras e estrangeiras, sendo que mais de 350 escolas ao redor do mundo levam seu nome. A sua ideologia, defendia que o objetivo da escola era ensinar o aluno a “ler o mundo” – ou seja, plantar a semente da consciência nos estudantes, e não apenas os obrigar a decorar livros e teorias.

O Projeto Político de Paulo Freire

O que Paulo Freire pretendia, era aproximar o conteúdo acadêmico do universo dos estudantes, dando autonomia e desenvolvendo o senso crítico neles. Nascido em uma das regiões mais pobres do Brasil, ao longo do tempo seu projeto educacional foi ganhando traços cada vez mais políticos, à medida que seu objetivo era conscientizar as parcelas desfavorecidas da sociedade em relação a sua situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação.

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Para ele, a escola tracicional podia ser comparada com o sistema bancário, no qual o professor age como quem deposita conhecimento num aluno que apenas o recebe sem questionar. Paulo Freira achava que ninguém ensina nada para ninguém, mas todos aprendem juntos. Segundo José Eustáquio Romão – diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo: “Uma das grandes inovações da pedagogia freireana é considerar que o sujeito da criação cultural não é individual, mas coletivo”.

Propondo um método de aprendizado mais rápido e acessível, para ele a alfabetização era o caminho para os desfavorecidos romperem o que costumava chamar de “cultura do silêncio” e transformar a realidade, como sujeitos da própria história.

A importância da TV Escola

Em pleno século 21, o Brasil ainda possui mais de 11 milhões de analfabetos. Em algumas regiões, estudar simplesmente não é uma opção. Fundada em 1996, a TV Escola exibe 24 horas diárias de séries e programas educativos, promovendo a capacitação de estudantes e atualização de professores.

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A TV Escola sendo despejada do prédio do Ministério da Educação

Ao ser despejada do prédio do Ministério da Educação – em Brasília, diversos programas educativos serão extintos. Entre eles,  o ‘Meu país, nosso mundo’, que mostra como adolescentes, ao redor do mundo, lidam com os problemas ambientais, questão que Bolsonaro já provou não se preocupar nem um pouco. Isto sem falar no ‘O que é para você?’, no qual crianças e adolescentes ressignificam palavras que fazem parte do cotidiano, lançando assim um novo olhar para o mundo.

A história se repete

Preso e exilado durante a ditadura militar nos anos 1960, inicialmente a metodologia de Paulo Freire chegou a ser financiada pela Aliança para o Progresso – do governo dos Estados Unidos, que acreditava que a alfabetização era um caminho para combater o avanço do comunismo no Brasil.

No entanto, durante os anos de chumbo do período militar, o governo viu nela um perigo iminente de revolta dos “menos favorecidos”. Isso porque Freire acreditava na educação como ferramenta de transformação social, como forma de reconhecer e reivindicar direitos.

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Qualquer semelhança não é mera coincidência com o projeto de Jair Bolsonaro de deseducar o Brasil. Para ele, a programação da TV Escola é totalmente de esquerda, voltada para a metodologia de Paulo Freire, e usa o dinheiro público para propor ideologia de gênero. O presidente ainda afirmou que, se o país continuar a propagar as ideias de Paulo Freira, irá sentir o reflexo daqui a 10 ou 15 anos. Ele esqueceu de mencionar que reflexo é o que sentiremos após 4 anos de um governo que está propondo um verdadeiro desmonte da educação e cultura.

Segundo integrantes do governo Bolsonaro, a metodologia de Paulo Freire é a grande culpada pelo abismo educacional do Brasil, que teve baixo desempenho no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, em inglês). No mês passado, a Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior, retirou a homenagem ao educador Paulo Freire. A plataforma, que antes se chamava ‘Plataforma Paulo Freire’, agora passou a se chamar ‘Plataforma de Educação Básica’.

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A democracia não precisa, necessariamente, ser extirpada de uma hora para outra. A história já mostrou que isto pode acontecer pouco a pouco, porém progressivamente. Educação é liberdade e é exatamente este o temor de pessoas como Jair Bolsonaro.

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Foto 1: Luiz Carlos Cappellano

Fotos 2, 3 e 6: divulgação

Foto 4: Roquette Pinto / Arquivo pessoal

Foto 5: Agência Brasil


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