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Bolsas despencando, ruas desertas, prateleiras de mercados vazias, demissões em massa, todos em casa. A pandemia de coronavírus, que se espalhou ao redor do mundo tem colocado em xeque a maneira como governantes são capazes de lidar com uma crise dessa magnitude. Da vida das pessoas até a economia, as autoridades têm como missão reduzir ao máximo as perdas.
Nos EUA, o governo anunciou que irá subsidiar empresas e, em troca, adquirir parte delas, em uma espécie de estatização moderna. Donald Trump ainda oficializou um subsídio de 500 bilhões de dólares para as famílias americanas, garantindo atividade econômica no período da quarentena.
Os EUA, país de forte de tradição liberal, tem adotado estratégias econômicas de guerra como estatização renda básica universal para conter os efeitos econômicos e o espalhamento da pandemia na maior potência do mundo
Na Espanha, o governo anunciou a estatização de todos os hospitais privados para expandir o número de leitos e centralizar a capacidade de tratamento da Covid-19 no país. Na Inglaterra e em Portugal, o governo irá subsidiar cerca de 80% dos salários dos funcionários de empresas privadas para que a demanda econômica nos países não desapareça.
Com estados liberais cedendo a medidas econômicas com mais intervenção estatal e garantia de renda provida pelo Estado, o modelo neoliberal do Ocidente parece não estar pronto para agir frente a crises dessa magnitude. Estaria o sistema, como um todo, em risco? Existe alguma lição para se tirar ou é possível pensar uma nova sociedade pós coronavírus?
Para entender melhor o que está acontecendo, conversamos com o Ricardo Summa, Professor e Coordenador da Pós-Graduação de Economia da UFRJ. Das origens da crise até as suas soluções, a gente buscou entender como a epidemia do coronavírus pode impactar a sociedade e a economia no Brasil e no mundo.
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Hypeness: Por que a Europa não conseguiu controlar a crise?
Ricardo Summa: O modelo europeu, que está sendo aplicado, parece falido. As respostas da China, Coreia e Cingapura – o que está sendo escrito, tanto no campo médico quanto da economia do desenvolvimento – parecem mais efetivas com um controle mais planejado e centralizado e uma capacidade muito maior do Estado em tomar decisões decisões centralizadas, mobilizando mais recursos. E o caso da Coreia é um grande exemplo disso. O país viu os casos crescerem muito rápido e então eles controlaram tudo com muita testagem e tecnologia para localizar os focos e isolar.
Para isso, é preciso mobilizar muitos recursos na sociedade. Governo obrigando empresas a produzir equipamentos, mobilizando gente para rastrear pessoas por celular, saber o que elas estão comprando em seus cartões de crédito, etc. Obviamente, os EUA teriam capacidade de fazer o mesmo, mas não estão fazendo. Não é só uma questão tecnológica, é uma questão de centralidade, tomada de decisão e muito planejamento. E também é preciso levar em conta a grande quantidade de testes, que a Coreia desenvolveu em relação à Europa.
A Coreia é um pais de 50 milhões de habitantes. É um país grande, do tamanho da Itália e tem áreas pobres, como visto no filme ‘Parasita’. Em comparação, a Suíça é um país menor, com uma indústria muito tecnológica, com produtos de alta precisão e uma renda per capita altíssima. Olhando as curvas, a Suíça ultrapassou a Coreia em número de casos. A Coreia está fazendo um overtesting, fazendo o máximo possível de testes. Você vê uma falência do modelo neoliberal europeu, em que não há uma centralidade de ações. Na Itália, a crise escapou do controle porque o país não se mobilizou rapidamente, com decisões centralizadas e planejadas. Essa falta de resposta parece ser uma causa, que levou, inclusive, a Europa a uma recessão há muito tempo. Ninguém se preocupou que o desemprego está alto, que a Grécia tem uma renda per capita menor do que ela estava quando entrou na crise. São sintomas do sistema.
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A China conseguiu lidar rapidamente com o coronavírus e conteve internamente a doença devido ao grande poder de controle do Estado na economia às custas das liberdades individuais
H: Os mercados internacionais estão despencando. Estamos entrando numa crise financeira?
RS: Ainda não é possível dizer que se trata de uma crise financeira. Crise financeira é aquela que quebra bancos. Pode ser que em algum momento vire, mas é difícil de entender. Olhando os dados da China, a produção cai drasticamente – em todos os países. O PIB é um nível (métrica). As pessoas trabalham, produzem bens, etc. Se em um mês as pessoas não saem para trabalhar, se todos os serviços como restaurante, transporte param, isso rapidamente vai pra quase zero. São quedas muito abruptas.
A China, que é a China, e vinha crescendo razoavelmente bem, teve uma queda no bimestre de 15% (dados de janeiro e fevereiro), lembrando que o lockdown foi só em Wuhan. Naquele bimestre, que não foi um bimestre inteiro sob isolamento, você tem uma queda 15%. Se você produzia 3 trilhões, agora você produz 2,5 tri. Isso é a primeira coisa. Você produziu menos porque as pessoas não saíram de casa pra comprar, não saíram pra bar, não pegaram transporte e indústrias fecharam. A China, que já está se recuperando, conseguiu conter essa onda. Agora, uma queda bem forte do PIB na Europa vai acontecer, nos países que vão alongar a curva ainda, e não têm o que fazer. Se as pessoas não saírem de casa, tem que acontecer isso. É melhor que tenha. E como saiu no New York Times: a melhor coisa que você pode fazer pra Economia é ficar em casa.
A segunda coisa: uma parte da população tem poupança ou tem como se manter, é funcionário público e continua recebendo salário. Eu, por exemplo, tenho uma fonte segura de renda que irá continuar e com isso eu faço meus pagamentos e alimentação. Existem ainda as transferências, aposentadorias, Bolsa Família, trabalhadores da iniciativa privada que não serão demitidos e continuarão recebendo trabalhando de casa. Apesar da queda da produção, essas rendas podem evitar que a a economia caia ainda mais.
Desde janeiro, o índice da Bovespa caiu pela metade; Bolsas Americanas e Asiáticas também tem tido quedas vertiginosas e o PIB mundial vai afundar
H: Diversos economistas haviam previsto uma recessão econômica para esse ano, bem antes do surgimento da covid-19. Essa recessão combinou com o coronavírus ou só o vírus está operando nesse momento?
RS: Estados Unidos e China já vinham desacelerando um pouco. A China crescia a 10% há anos atrás e hoje cresce menos. Por ser uma economia mais planejada, eles dizem o que vão fazer. Existem vários problemas ambientais e de desigualdade que já foram resolvidos, uma boa parte da migração do interior para as grandes cidades já acabou, portanto não tem necessidade de crescer 10%. Isso claramente afeta as cadeias de produção internacionais e o comércio exterior, mexendo com a economia global. Os EUA já vinham entrando em desaceleração. Na verdade, a década pós-crise, um ou outro ano teve crescimento, mas muito baixo, e a Europa basicamente saiu da crise de 2008 numa retomada extremamente lenta.
Se dizia que o mundo estava desacelerando, que ia crescer 0 por cento. Depende da resposta, sempre tem ano de eleição, então os EUA poderiam fazer algo pra reverter. É difícil prever o que aconteceria em 2020 se não houvesse pandemia. O que dá pra dizer é que vai ter uma queda muito forte do PIB nos EUA, na Europa e no Brasil. Não adianta arriscar se é 2%, 4%, 8%, porque tem que ver como vai se desenvolver e como a redução da atividade econômica vai ser. Abaixo de 0 é certo, pode cravar.
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H: O tempo entre as crises globais está diminuindo? Isso indica um problema do sistema?
RP: Grandes crises de verdade só aconteceram em 1929 e em 2008. Os bancos centrais e os economistas, a escola Keynesiana, conseguiram evitar que as crises ocorressem. A recuperação – ou seja, o tempo que leva para o PIB voltar ao nível anterior – de 1929 durou 10 anos. Em 2008 não. Tudo bem que foi uma crise feia, mas depois de 1 ou 2 anos já se tinha recuperado o nível e hoje já está bem mais alto.
Não está se encurtando o tempo das grandes crises. O tempo das pequenas crises, talvez. Aí já uma questão mais complexa. De fato, é possível dizer que pós-guerra, entre 1945 e 70, você tem poucas crises. Depois da crise do petróleo, você tem a crise de 1987, depois a da Nasdaq e a crise de 2008. Muitas pessoas atribuem isso a uma desregulamentação financeira e um menor papel do Estado na economia. A crise de 2008 corrobora a ideia de que a desregulamentação financeira levou as empresas a emprestarem dinheiro para pessoas que não poderiam pagar os empréstimos imobiliários.
Essa crise que vemos agora é diferente. A última pandemia foi de 1918. Então, é um evento de um século. Não seria possível colocar na mesma prateleira: as outras estão ligadas ao funcionamento do sistema econômico que, vez ou outra, pode gerar crises financeiras e recessão. Mas essa não tem nada a ver; é um fator exógeno. Trata-se de um vírus que não foi gerado pelo sistema econômico.
H:Que lições as grandes economias globais podem tirar do revés econômico causado pelo coronavírus?
RS: Uma lição que grandes catástrofes dão: não tem jeito, o único setor institucional da economia que não quebra na própria moeda é o Estado. Quando ele paga o meu salário de funcionário público, ele dá um ordem que sai do Tesouro e isso vai pra minha conta no Banco do Brasil. Eu passo no cartão de débito no supermercado, faço uma compra online e, agora, no momento de crise, isso vai pra conta do empresário, pro setor privado, que quer a moeda do Estado. A pessoa produziu o alimento porque quer a moeda estatal. A gente pode pensar em ‘imprimir moeda’, mas você pode pensar nele sem o papel, que é até mais seguro nesse momento.
H: Mas mais moeda no mercado não pode causar inflação?
RS: Inflação pode ocorrer; como a do álcool gel. Falta o produto e todo mundo quer comprar, o preço sobe. Mas inflação mesmo, se não houver uma situação de desabastecimento, não vai acontecer. O que se acredita é que se tem muita moeda, vai ter muita demanda e aí tem inflação. É justamente o contrário, o governo precisa gastar muito pra evitar que essa demanda não despenque ao nível que as pessoas não passem fome e consigam comprar medicamentos. Na academia, já existe um consenso: a inflação não está relacionada com a quantidade de moeda numa economia, especialmente entre os economistas mais heterodoxos. Desde os 1970 e 1980 já se fala isso. Já é uma visão mais difundida inclusive nos meios mais tradicionais. Não vai haver inflação por excesso de moeda no Brasil.
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Governo Bolsonaro sancionou o projeto de lei que dá 600 reais a trabalhadores informais e desempregados no país.
H: Então, como resolver a questão?
RS: Os EUA reativaram uma lei dos anos 1950 que permite ao Estado definir o que as empresas privadas irão produzir. Isso é uma coisa de bastante intervenção estatal. E digamos que foi uma decisão rápida; do ‘isso não é nada’, há um mês atrás, e de repente há uma intervenção direta na economia. Mas a Coreia fez mais, a China fez mais.
Trata-se de economia de guerra. O Estado precisa direcionar pra onde vai a produção. Por exemplo: não há mais respiradores no mercado para serem alugados. Como você consegue respirador? Empresas automobilísticas, por exemplo, poderiam produzir. O papel do Estado é obrigar, fazer acordos e garantir demanda para essas empresas é essencial. Em um pequeno espaço de tempo você precisa aumentar a quantidade de equipamentos.
Você precisa garantir a produção, a renda, alguma demanda, pra economia não quebrar e garantir, principalmente, tão importante quanto à renda, a produção de tecnologia e insumos para combater a pandemia. E tudo isso exige muita intervenção estatal para dar certo. Quando não tem no grau necessário, você vê o que acontece: você tem que decidir se uma pessoa de 40 anos, uma de 60 ou de 80 vai sobreviver.
Quem em última instância consegue manter o fluxo de produção mínimo para atender as pessoas, para que as pessoas sobrevivam sem realizar atividade econômica, é o Estado. Quem paga o aposentado, o funcionário público? É o governo que vai comprar máscaras e respiradores. Isso vai pagar o setor privado, que vai pagar salário e a população conseguir consumir. Obviamente há uma série de pessoas que vão ficar desassistidas, então aqueles que o próprio Paulo Guedes reconheceu como empreendedores, os que iriam levar o país à frente são quase 38 milhões de brasileiros que não têm nada. Se eu não tô pegando mais Uber, essa pessoa não vai receber. Essas pessoas que não têm um seguro desemprego ou um fundo de garantia, duas coisas dadas pelo Estado, elas vão ficar sem renda. E aí ou as pessoas vão morrer de fome ou vamos fazer como nos outros países, que estão dando o subsídio econômico. Em última instância, é o Estado que tem autonomia para ajudar as pessoas.
O Estado precisa manter esse nível de renda para evitar um colapso maior tanto econômico quanto social.
Quase todos os economistas que eram a favor do teto de gastos (PEC 241/55, que limitou as despesas do governo por 20 anos), como o próprio Guedes, falaram: as pessoas são muito vulneráveis e a gente precisa fazer alguma coisa. Só quem pode fazer é o Estado.
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