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Babiy Querino, presa por ser negra e absolvida num 13 de maio, mostra que abolição não chegou

14 • 05 • 2020 às 10:40
Atualizada em 14 • 05 • 2020 às 10:43
Kauê Vieira
Kauê Vieira   Sub-editor Nascido na periferia da zona sul de São Paulo, Kauê Vieira é jornalista desde que se conhece por gente. Apaixonado pela profissão, acumula 10 anos de carreira, com destaque para passagens pela área de cultura. Foi coordenador de comunicação do Projeto Afreaka, idealizou duas edições de um festival promovendo encontros entre Brasil e África contemporânea, além de ter participado da produção de um livro paradidático sobre o ensino de África nas Escolas. Acumula ainda duas passagens pelo Portal Terra. Por fim, ao lado de suas funções no Hypeness, ministra um curso sobre mídia e representatividade e outras coisinhas mais.

Foi em um 13 de maio que a Justiça se fez para uma jovem presa por causa dos cabelos cacheados. Babiy Querino usou as redes sociais para anunciar sua absolvição. “Passando para dar essa notícia mais que incrível, eu fui absolvida”, celebrou no Twitter no fim da tarde de quarta-feira. 

– Prisão de Babiy Querino reforça racismo da Justiça: ‘Pra não chapar eu escrevia’

O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Guilherme Souza Nucci, afirmou que não é possível se basear nas características capilares para identificar o autor de um crime. Ele ainda criticou que Babiy tenha sido colocada na posição de culpada apenas por causa do cabelo. 

Babiy Querino está, finalmente, livre

“A primeira identificação da acusada pelas vítimas ocorreu, em circunstâncias pouco esclarecidas, por meio de fotografias enviadas pelo aplicativo WhatsApp, quando os ofendidos reconheceram Bárbara em razão de seu cabelo, circunstância, no mínimo, peculiar, sobretudo pela ausência de traços diferenciais no cabelo da referida acusada”, se manifestou na decisão. 

A vida de Babiy mudou em 2017, após a acusação de ter participado do roubo de um veículo ao lado do irmão e do primo em São Paulo. Sua suposta participação foi confirmada pelas vítimas por meio de fotos no WhatsApp. 

– Reconhecimento facial vira ameaça para negros; maioria entre presos

Em entrevista ao Hypeness no ano passado, quando estava em liberdade condicional, Babiy criticou o sistema racista que fez com que ela fosse colocada dentro da cela de uma cadeia por ser uma mulher negra. 

“Foi duro. Foi difícil pra caramba, porque eu fui reconhecida pelo meu cabelo cacheado e eu amo meu cabelo, sabe? Fora que assim, nós mulheres negras nascemos fortes, sabe? Sem perceber, a gente vê que tudo que passamos na nossa vida a cada dia é uma superação”, disse. 

Babiy também demonstrou irritação com o vazamento em grupos de WhatsApp e Facebook das fotografias feitas na delegacia. Acontece que ela sequer estava em São Paulo quando o crime foi cometido. Babiy, que é uma apaixonada pela dança, estava no Guarujá, que fica cerca de 100 quilômetros distante da capital paulista. Nem uma campanha nas redes sociais pela liberdade da jovem de então 21 anos foi suficiente e Babiy Querino cumpriu 1 ano e 7 meses de reclusão em regime fechado. 

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“Olha, lá dentro pra não chapar eu escrevia, conversava, fazia a unha, a sobrancelha das meninas. Eu chorei bastante no começo, mas depois pensei, ‘ah não, se eu tô aqui na merda, vamo aprender a lidar com essa merda’. E, basicamente eu pegava e escrevia, conversava bastante com as meninas. Isso me aliviou bastante. Eu passava horas escrevendo para as pessoas que me escreviam. Escrevia textos”, recorda. 

Livre, de fato, como tem que ser, Babiy é mais um símbolo da perversidade do racismo que sustenta o judiciário brasileiro. Não é possível que, em 2020, uma pessoa negra seja condenada por ser negra. Babiy não merece um pedido de desculpas, ela deveria ser indenizada por um Estado que tenta sufocar a existência plena do sujeito negro na sociedade. 

“A absolvição vai ser uma chama reacendendo, sabe? Contra o sistema judiciário, os erros que ele comete todos os dias no país. Eu creio que vai ajudar muitas pessoas. Esse é o intuito, de ajudar. O que eu passei não tem como apagar da memória, então o foco é ajudar para que as pessoas não passem pelo que eu passei”

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Foto: Gabriel Cabral


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