Ciência

Outra pandemia de gripe com mais de 1 milhão de mortos aconteceu entre 1968 e 1970

19 • 05 • 2020 às 18:54 Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

A crise do novo coronavírus parece sem precedentes, mas a verdade é que de quando em quando a humanidade se vê diante de pragas, epidemias e pandemias capazes de nos  ameaçar. Algumas, pela própria dimensão, tornaram-se históricas e paradigmáticas, como a chamada Gripe Espanhola nos anos entre 1918 e 1920 – que ceifou a vida de cerca de 50 milhões de pessoas – mas outras duas epidemias, menos lembradas mas com imenso impacto, marcaram a segunda metade do século passado, e a chamada  Gripe de Hong Kong, ocorrida entre 1968 e 1970, levou a vida de mais de 1 milhão de pessoas como a última pandemia de gripe do século XX.

Profissionais trabalhando de máscara nos EUA em 1969 © Getty Images

Em meio ao fervor da Guerra do Vietnã, da luta pelos direitos civis, da corrida espacial pela chegada à lua e da ferrenha disputa entre EUA e Rússia na Guerra Fria, a terceira grande crise de gripe no século XX foi primeiro identificada em Hong Kong, mas rapidamente chegou no Reino Unido, na França, na Alemanha e nos EUA – país onde mais de 100 mil mortes foram registradas. Pela falta de medidas extraordinárias tomadas pelos governos, e pela ideia equivocada de se tratar de um mal que só ameaçava idosos ou pessoas com comorbidades, a chamada Gripe de Hong Kong foi especialmente letal, mas acabou esquecida: nenhuma quarentena foi decretada, e a pandemia acabou esquecida, apesar das mais de 1 milhão de mortes.

O vírus H3N2 visto em microscópio © Wikimedia Commons

Pois a pandemia não está esquecida para quem a enfrentou de perto: além dos 100 mil estadunidenses mortos pelo vírus H3N2, foram 30 mil franceses e mais de 60 mil britânicos mortos por conta da epidemia. O esquecimento sobre tal crise faz com que hoje se repitam erros da época: ainda que as recomendações tenham sido as mesmas, o fato das cidades não terem fechado seus espaços públicos e imposto quarentenas ajudou muito no elevado número de mortes. Para se ter uma medida do contexto em que a pandemia se deu, o Festival de Woodstock, reunindo mais de 400 mil pessoas no estado de Nova York, aconteceu durante o mesmo período.

“A gripe de Hong Kong é antiamericana! Pegue algo feito nos EUA”, dizia um complicado outdoor à época nos EUA © Getty Images

Hoje abandonamos o hábito de batizar os vírus a partir do lugar de sua primeira identificação, a fim de evitar descriminações, e o vírus H3N2 segue circulando e nos ameaçando como o mais problemático tipo do vírus de Influenza O no planeta, com ressurgimentos numerosos ocasionais – muitos acreditam que esse será o destino do Sars-CoV-2, vírus causador da Covid-19. Mas esquecer das epidemias do passado é o início da fórmula para tornar as epidemias por vir ainda mais fatais e recorrentes: quanto mais cedo adotarmos medidas de controle e de contenção de danos, menos grave será a pandemia, e quanto menos esquecermos do passado, melhor lidaremos com o futuro – sempre.

Clínica atendendo pacientes da doença em Hong Kong em 1968 © SCMP

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