Debate

Imunidade de rebanho contra coronavírus ignora riscos de morte e possíveis imprecisões

13 • 07 • 2020 às 18:03
Atualizada em 13 • 07 • 2020 às 18:52
Yuri Ferreira
Yuri Ferreira   Redator É jornalista paulistano e quase-cientista social. É formado pela Escola de Jornalismo da Énois e conclui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo. Já publicou em veículos como The Guardian, The Intercept, UOL, Vice, Carta e hoje atua como redator aqui no Hypeness desde o ano de 2019. Também atua como produtor cultural, estuda programação e tem três gatos.

Artigos na Folha de São Paulo e no Estadão têm sugerido que o Brasil e as grandes capitais atingiram uma suposta ‘imunidade de rebanho’ contra o novo coronavírus. Tomando dados das principais cidades onde o vírus se espalhou no Brasil, os artigos pressupõem que houve um pico de ocupação de leitos e óbitos diários e que, em breve, não haverá mais transmissão do vírus entre a população por imunidade contínua.

A ideia de uma imunidade de rebanho é questionável; estudos implicam que 60% a 70% das pessoas deveriam ser infectadas pelo novo coronavírus caso se tratasse de uma realidade. A taxa de soroprevalência (índice de quantas pessoas estão comprovadamente imunizadas) nas capitais brasileiras nunca passou de 20%. Por mais que os dados sejam complexos e ainda seja muito cedo para dizer, existe uma certeza: se estamos próximos de uma imunidade, o custo dela foi muito alto.

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70 mil mortes por coronavírus. Segundo país do mundo com mais vítimas.

70 mil pessoas que não precisavam ter morrido 

O número de mortes por milhão causadas pelo novo coronavírus no Brasil é um dos maiores do mundo, mesmo com a subnotificação (15º). Sem as medidas de isolamento social, que nunca foram aplicadas de maneira adequada e até acabram relaxadas, especialmente em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, nosso país tem um dos cenários mais trágicos do mundo.

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As mais de 70 mil vítimas da covid-19 no Brasil não precisavam ter morrido. Em junho, por exemplo, foi comprovada em 30% a eficácia de um anti-inflamatório para evitar mortes de pacientes que estavam no respirador. No Brasil, eram mais de 30 mil mortes no fim de maio. Mais de 10 mil mortes poderiam ser evitadas. Sem o isolamento social, as pessoas se infectaram mais rápido, em uma época em que não havia tratamentos eficientes para a doença.

A ideia de que a imunidade de rebanho é inevitável não se confirma: países como Nova Zelândia, Taiwan, China e Vietnã tiveram casos do vírus e controlaram a doença em poucos meses. Hoje, experimentam uma reabertura e volta a normalidade quase completa – mesmo com os métodos de cuidado como máscaras e distanciamento social. No Vietnã, por exemplo, não houve sequer uma morte pelo novo coronavírus. Agora, com mapeamento de casos e testagem constante, os países podem aguardar pela vacina sem ter perdido sua população para a pandemia.

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Se houver imunidade de rebanho rápida, como preveem os artigos de Folha e Estado de São Paulo, que bom. Será uma notícia boa, caso confirmada. Mas tudo que nos fez chegar a essa imunidade de rebanho foi desnecessário. Os mais de 70 mil brasileiros vítimas da doença não precisavam e não deviam ter morrido. A ineficiência completa dos nosso governantes é tenebrosa e genocida. Não há muitos motivos para comemorar. Na verdade, por enquanto, nenhum.

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Fotos: © Getty Images


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