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Fazer pão, encher a casa de plantas, praticar yoga e ter desejos de sair logo da cidade grande. Esse foi dos cenários que moldaram a nossa experiência em meio à pandemia trouxeram à tona a busca lugares de acolhimento.
Esse sentimento se relaciona muito mais com as nossas origens do que com esse modelo consumista colonizado que vivemos até aqui. Às vésperas do Dia das Mulheres Negras, Latinoamericanas e Caribenhas, convidei potências femininas para falar sobre dois pontos que têm tudo a ver com essa ideia de memória e ancestralidade.
Foto: Claudia Andujar
A socióloga, compositora e idealizadora do festival Conexão Latina Lila May relaciona a memória a uma metáfora linda com uma árvore. “Você chega e fala, ‘nossa, que maçã saborosa, que copa linda, deixa para lá as raízes que o que me interessa é a copa e o fruto’. Não existe isso por que as raízes são fundamentais para o crescimento dessa árvore. Da mesma forma eu entendo a memória como nutrição do presente e essa vitalização do futuro”, diz.
Assim, May entende a memória como algo vivo e dinâmico, sendo impossível dissociá-la do presente e do futuro. “O todo faz parte de mim e eu faço parte do todo. A cosmovisão indígena de uma maneira geral ela tá muito conectada com esse sentido de interligação, de interdependência. Quando a gente ignora a memória a gente tá fragmentado uma parte fundamental desse ser coeso, uno, integro”.
A artista e produtora Lila May
Estamos vivendo o êxodo urbano, com as pessoas saindo da cidade, voltando para o campo, buscando novas formas de viver que não sejam tão destrutivas e vazias. A ancestralidade não está ali para você pescar e trazer de volta. Ela faz parte. E quando a gente estiver cada vez mais conectada, o sentimento de coesão, de integridade vai ser muito pleno e a gente vai ter condições de dar passos mais firmes e fortes na nossa vida individual e coletiva.
Da mesma forma pensa Monica Michelena Diaz, integrante do Conselho da Nação Charrua (Conacha) e ex-assessora da Unidade Étnico-Racial do Ministério de Relações Exteriores. Como parte do povo indígena Charrúa, do Uruguai, ela ainda luta pelo reconhecimento dessa população ancestral. “Considero que a memória é fundamental como base dos povos. Um povo sem memória é um povo sem raízes, sem força”.
As mulheres charrúa têm papel fundamental, desde o início do movimento de reconhecimento dos povos indígenas, na década de 1980. Elas foram protagonistas quando a Conacha, que reúne várias organizações, associações e comunidades de diferentes partes do país, foi formada. As mulheres são as líderes desse conselho até hoje, mas também tiveram um papel fundamental como guardiões da memória ancestral e da visibilidade dessa população.
O Uruguai ainda não reconhece a população indígena que vive e habita este território ancestral. Isso daria resposta a muitas pessoas que estão buscando suas origens. Crescemos em uma grande mentira que descemos dos barcos e que todos temos raízes européias. E sim que muitos de nós temos, mas ocultamos todas as raízes ancestrais, charrúas, guaranis destas terras. Este reconhecimento daria ao Uruguai um marco de igualdade e justiça social e também, por outro lado, nos daria a oportunidade de das nossas contribuições, nossos saberes e conhecimentos ancestrais, a toda a sociedade uruguaia.
Olhar para o modo de vida indígena ou mesmo do campo, que para muitos já foi sinônimo de um tipo de atraso, passa a não só fazer sentido como ser desejável em um certo ponto. O retorno às tradições e saberes que, renegados, nos levaram ao ponto de destruição do meio ambiente e da exploração animal, por consequência nos devolveram um sério colapso da saúde. Ora, parece que nossos ancestrais de algo sabiam. Não se respira dinheiro. Não se bebe dinheiro. Não se come dinheiro.
Neste contexto alguns projetos, grupos comunitários e, em especial, mulheres lutam pela manutenção, respeito e espaço da ancestralidade. Das tradições, mas não àquelas que se limitam à determinação de cores de roupas para gêneros binários, não. Das tradições orais e memórias coletivas que detém todo o conhecimento da nossa terra. Neste caso específico, da América Latina.
“Os povos, grupos coletivos e nações étnicas contribuem para a riqueza cultural do planeta. Hoje vemos quantas das culturas estão desaparecendo, vemos a estigmatização e a discriminação por serem diferentes (por essa diversidade). Pelo contrário, devemos valorizar e melhorar a dignidade das culturas, porque é aí que estão guardados os conhecimentos intangíveis que o mundo ainda não foi capaz de dimensionar”, afirma Mama Liliana Pechene, líder do povo Misak, na Colômbia.
É uma luta para sobreviver quando você tem a pressão de uma comunidade externa que quer que pensemos, ajamos, nos vistamos e pensemos da mesma maneira. No dia em que acontecer, seremos apenas umas podres máquinas. É por isso que a sociedade deve valorizar o conhecimento, as tradições, porque somente assim faremos uma sociedade justa.
Sim, brasileiro, você também é latino. Apesar de ver no conceito latino um “atraso” e portanto fazer questão de se incluir fora dessa, você faz parte da latinidade. Da africanidade. Faz parte desse conhecimento e origem ancestral que tem outra forma de viver. E ainda vive. Por mais que o colonialismo tenha tentado (e continue tentando) apagar.
O colonialismo dizimou o povo preto. É assim que a jornalista e produtora Val Benvindo começa sua reflexão sobre ancestralidade. De fato, como ela mesma expõe, os europeus arrancaram o povo preto da sua origem e os distribuíram de forma aleatória pelo mundo. “Por isso que muitos de nós não sabemos nossos sobrenomes reais, de que país nossos antepassados vieram. Isso é muito doloroso”.
A gente sabe que a gente descende do povo preto, por motivos óbvios, mas a gente não sabe de que local, de que país de que etnia a gente descende. Por isso hoje é muito importante que a gente preserve a memória desses nossos ancestrais.
As formas de saber da onde viemos são muitas. Mas algumas mais complicadas que outras até pelo apagamento dessa identidades pela homogeneidade colonizadora. Hoje, podemos recorrer a teste de DNA, mas até como Val sugere, essa conexão pode acontecer através da religiosidade, das religiões de matriz africana, através da música, para outros através da estética, com vestimentas, com cabelos.
“É muito importante que a gente preserve e que a gente passe esses ensinamentos e essa ancestralidade para as nossas crianças, por que são elas que vão dar continuidade. A gente não necessariamente está falando de religiosidade, mas de ancestralidade e de preservação dessa ancestralidade”.
A jornalista mestra em cultura e sociedade pela UFBA Midiã Noelle vê uma evolução no reconhecimento às figuras feministas negras que dão visibilidade e espaço às mulheres. “A gente tá vivendo um tempo que é muito interessante, desde a Marcha das Mulheres Negras até hoje vemos uma grande transformação e isso também advém dos espaços de comunicação, dos sistema de informação, que vão difundindo ainda mais essa nossa perspectiva de enfrentamento do racismo de forma coletiva”.
Se não for coletiva, nossa luta não tem sentido. É algo novo e está fazendo com que a gente reflita sobre a importância cada vez maior de nos apresentarmos nesses espaços.
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