Durante sessão na Câmara Municipal de Goiânia realizada na terça-feira (4), a vereadora Tatiana Lemos (PCdoB), foi negada a palavra durante a discussão de um projeto de lei que ela mesma criou.
A parlamentar participava remotamente do evento e pediu a Clécio Alves (MDB) um espaço para debater o veto ao projeto de lei, por parte do prefeito da cidade, Iris Rezende (MDB). Alves usou o fato de que Tatiana participava a distância, para negar-lhe a fala. Com informações do Universa.
Quando a vereadora insistiu, disse que não era possível, pois a votação já estava aberta. Ela afirmou que estava em sua casa, participando online da sessão, ele, mais uma vez, a interpelou. “No meu conhecimento, esse negócio de remoto acabou, não existe mais”, esbravejou Clécio.
Outros cinco vereadores também participavam de maneira remota da atividade. No caso de Tatiana, ela está em casa por causa de um tratamento agressivo de uma doença autoimune chamada artrite psoriática mutilante, que causa uma queda drástica na imunidade.
Vereadora alvo do machismo recorrente na política do Brasil
A vereadora, por fim, conseguiu se posicionar sobre o projeto que garantiria exames de trombofilia a gestantes na rede pública de saúde. Os vereadores votaram pela derrubada do veto do prefeito, fazendo com que a proposta entre em vigor.
Por causa da insistência, o apelido de ‘pantera’, dado a Tatiana voltou a ser usado em meio ao debate, onde pediram também para que ela falasse a boca. “Corta a palavra da vereadora. É para cortar a palavra da vereadora. Agora”, disse, aos berros, o vereador Clécio Alves (MDB).
Em entrevista ao Universa, da UOL, Tatiana disse que não é a primeira vez que ouve um ‘cala a boca‘ em plenário e conta que o pior, ainda, é o dia a dia. “É o chilique de barba. Eles batem na mesa, gritam”, explicou ao Universa em referência ao machismo dos parlamentares.
“É entrar no plenário para falarem da minha roupa, da minha aparência. Chegaram a me dar o apelido de Pantera. E aí, se reclamo, é porque estou na TPM, estou nervosa. O que sinto é que mulheres são apenas toleradas nas câmaras de vereadores. Podemos estar ali, mas precisamos ficar no nosso canto, sem chamar a atenção, quietas”, contou.
Na Câmara Municipal de Goiânia, dos 35 vereadores, apenas cinco são mulheres —ou seja, 14%. O índice é bem próximo à média nacional, de 13,5%. Tatiana apontou ainda que, hoje em dia, interrupções durante falas ou mesmo ordens para que pare de falar, como ocorreu na sessão com Alves, são corriqueiras. “Pelo menos uma vez por semana”, conta.
Tatiana (PCdoB), em seu 3o mandato, conta q falam de sua aparência, dizem q está na TPM. Na Câmara de Goiânia, dos 35 vereadores, só 5 são mulheres (14%). Vamos votar em mulheres de esquerda em novembro p/mudar esta realidade em td o país!
Para ela, as câmaras municipais brasileiras são os espaços em que os homens mais se sentem livres para atacar as colegas mulheres. Outros casos comprovam.
Em Araucária, cidade da região metropolitana de Curitiba, no Paraná, a vereadora Tatiana Nogueira (PSDB) foi alvo de comentários machistas por utilizar uma calça rasgada que mostrava parte de suas coxas. Há de se imaginar que ela recebeu um aviso educado e ficou por isso mesmo, né? Só que não: durante uma sessão parlamentar, ela recebeu um bilhete pedindo que trocasse de calça e depois foi advertida verbalmente pelo machista de que sua roupa era inapropriada.
Já em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, o vereador Cláudio Gottschalk (PDT-RS) disse, no fim de uma sessão da câmara da cidade, que “mulher decente não dá tanto problema”, como uma resposta ao projeto apresentado pela única vereadora do legislativo, Kátia Zummach (PSDB-RS).
E o comportamento se repete até internacionalmente: nos Estados Unidos, a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez foi categórica ao responder aos xingamentos que recebeu do republicano Ted Yoho. Ele teria se referido a ela como “vadia do c*”, mas depois negou ter dito as palavras com uma justificativa curiosa: ele tem duas filhas e é casado há 45 anos.
Karol Gomes é jornalista e pós-graduada em Cinema e Linguagem Audiovisual. Há cinco anos, escreve sobre e para mulheres com um recorte racial, tendo passado por veículos como MdeMulher, Modefica, Finanças Femininas e Think Olga. Hoje, dirige o projeto jornalístico Entreviste um Negro e a agência Mandê, apoiando veículos de comunicação e empresas que querem se comunicar de maneira inclusiva.