Debate

Humorista negro diz que mandou Carrefour ‘tomar no c* após e-mail com proposta publicitária

26 • 11 • 2020 às 13:02
Atualizada em 26 • 11 • 2020 às 16:23
Karol Gomes
Karol Gomes   Redatora Karol Gomes é jornalista e pós-graduada em Cinema e Linguagem Audiovisual. Há cinco anos, escreve sobre e para mulheres com um recorte racial, tendo passado por veículos como MdeMulher, Modefica, Finanças Femininas e Think Olga. Hoje, dirige o projeto jornalístico Entreviste um Negro e a agência Mandê, apoiando veículos de comunicação e empresas que querem se comunicar de maneira inclusiva.

O que você faria se recebesse uma proposta para ser o garoto propaganda de uma empresa onde uma pessoa negra foi assassinada por seguranças? Para muitos poderia até ser uma proposta de trabalho normal, mas o humorista e militante negro Yuri Marçal simplesmente mandou a empresa ‘tomar no c*’, respondendo à proposta feita pelo Carrefour para ele ser a ‘cara’ de uma nota de esclarecimento da rede, que mais uma vez virou notícia. Desta vez pelo assassinato de João Alberto Freitas, de 40 anos,  espancado em uma das lojas da rede francesa em Porto Alegre por Magno Braz Borges e Giovane Gaspar

O humorista compartilhou a notícia nas redes sociais revelando que é a primeira vez que responde um e-mail com nesse tom. “Carrefour acabou de entrar em contato comigo pra fazer uma publicidade, uma nota de esclarecimento. Primeira vez que eu respondo um e-mail mandando tomar no c*”.

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Um dia após João Alberto ser assassinado por dois seguranças da loja Carrefour de Porto Alegre, Yuri Marçal fez questão de escrever sobre o caso em suas redes sociais. “Beto. Esse é o homem negro que foi morto no Carrefour. Todo mundo conhece um Beto né?! Todo Beto é cheio de papo, brincalhão, cheio de ideia… Provavelmente esse também era. Mas os seguranças do Carrefour espancaram o Beto até a morte. Ele era o Beto que todo mundo lá conhecia”, disse. O assassinato de João acarretou uma série de protestos violentos no Rio Grande do Sul e manifestações em diversas outras cidades do país.

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Minuto de silêncio

Todas as lojas da Rede Carrefour, que estarão fechadas até às 14 horas, farão um minuto de silêncio em respeito à morte de João Alberto Silveira Freitas, que teve a vida abreviada por seguranças da unidade na capital gaúcha. A iniciativa, que vai acontecer antes da entrada dos primeiros clientes, é do Comitê Externo de Livre Expressão sobre a Diversidade e Inclusão, que é um grupo independente criado para assessorar o Carrefour Brasil após o assassinato de João Alberto.

O Comitê tem como membros especialistas, líderes de movimentos negros e personalidades com voz ativa em tais questões, entre eles Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos, Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales. A iniciativa tem como objetivo contribuir para que crimes brutais como o que tirou a vida do homem de 40 anos nunca mais ocorram e o papel do grupo será de orientação aconselhamento e compromisso de Tolerância Zero à discriminação racial no Carrefour Brasil, segundo informações da Forbes.

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Celso Athayde, fundador da CUFA – Central Única das Favelas explica que não trabalha para o Carrefour, mas para o desenvolvimento dos pretos. “Eu estive em quatro passeatas e em algumas ações nas lojas, mas chega um ponto em que precisamos tirar lições e propor ações para que esses fatos não se repitam. Existe hoje um fundo que vamos gerir – são os pretos que farão essa gestão. Não temos como fugir dessa responsabilidade”, disse ele.

 Ainda de acordo com reportagem da Forbes, nos últimos dias foi decretado que todo o resultado de vendas dos dias 26 e 27 de novembro será revertido para ações orientadas pelo grupo. Esse valor também será somado aos R$ 25 milhões já anunciados como doação para a iniciativa e ao resultado de vendas do dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.

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Ações

O Comitê tem como propostas acompanhar constantemente o desenvolvimento de iniciativas em prol da diversidade e da inclusão. Segundo Athayde, a ação não se resume ao fundo e às políticas que vão propor, mas nas práticas da empresa. “Queremos ir além do Carrefour: que todas as empresas criem comitês como esse, fundos como esse e, acima de tudo, adotem a diversidade e a transparência na condução dessas iniciativas. Esses comitês precisam contar com pessoas de vivências distintas, com experiências diversas de vários campos pretos e reputação para garantir que as ações efetivamente surtam efeito e sejam comunicadas. Isso não garante que fatos como o de Porto Alegre se repitam, mas garante que tudo está sendo pensado e feito para não se repetirem”, diz. 

De acordo com comunicado do grupo, as ações de tolerância zero ao racismo não podem ser apenas momentâneas. É preciso criar e alimentar uma estrutura de igualdade de oportunidades, sendo assim, serão colocadas em prática outras medidas – mais especificamente oito – de transformação de curto a longo prazo para a rede varejista.

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Uma primeira cláusula fala sobre o combate ao racismo e à discriminação por razões de origem, condição social, identidade de gênero, orientação sexual, idade, deficiência e religião, que serão inseridas em todos os contratos com fornecedores e, se descumprida, implicará em rompimento do contrato.

A empresa promete, após essa configuração legal, iniciar uma mudança radical em seu modelo de segurança, internalizando as equipes das três lojas da cidade de Porto Alegre com apoio da ICTS Brasil – empresa especializada na transformação da segurança privada. Além disso, pretende estabelecer regras rigorosas de recrutamento e treinamento para o time de segurança. Tudo com o apoio e parceria de organizações ligadas ao movimento negro.

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“Se as empresas, em geral, não entenderem por bem, vão ter que entender por mal. O debate é econômico também. Se todas elas – e não apenas o Carrefour – perceberem que podem perder mercado se não mudarem ou cederem, elas mudarão suas posturas. A sociedade deve pressionar e, num segundo momento, entrar na máquina para mudar o plano de voo. O futuro vai confirmar se faz sentido. Mas se não entrarmos na aeronave não haverá futuro”, explica Athayde sobre o fato de contar com fornecedores terceirizados.

Uma terceira medida será o treinamento para os colaboradores de todas as unidades do hipermercado, fazendo com que a Política de ‘Tolerância Zero’ tenha uma divulgação clara dentro da própria empresa. E, se a mudança vem de dentro, o comitê também aconselhou sobre medidas de geração de oportunidades de carreira organizadas pelo Carrefour, o que fez com que três iniciativas fossem colocadas em prática: a empresa promete oferecer qualificação diferenciada para 100 negros e negras por ano para aceleração na carreira, permitindo que tenham mais chances de alcançar cargos de liderança.

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Além disso, garante apoio a instituições de ensino distribuídas pelo país para formação profissional de jovens negros e a contratação aproximada de 20 mil novos colaboradores por ano respeitando a representatividade racial da população de cada estado do país.

A implementação de um dispositivo digital para denúncias domésticas, raciais e de violência contra a mulher no site e aplicativos do Carrefour e a criação de uma aceleradora voltada ao desenvolvimento do empreendedorismo negro nas comunidades no entorno das lojas de Porto Alegre são algumas das últimas medidas que a empresa também assegura. “Mais importante do que tudo isso é que o comitê fará uma escuta permanente, estando aberto a receber sugestões e propostas do que precisa ser feito”, finaliza Athayde.

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Foto: Reprodução / Instagram


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