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Chorão, o garoto que vendeu a televisão do pai pelo sonho de levar a vida com uma banda, o Charlie Brown Jr.

23 • 12 • 2020 às 15:56
Atualizada em 04 • 01 • 2021 às 16:51
Veronica Raner
Veronica Raner Jornalista em formação desde os sete anos (quando criou um "programa de entrevistas" gravado pelo irmão em casa). Graduada pela UFRJ, em 2013, passou quatro anos em O Globo antes de sair para realizar o sonho de trabalhar com música no Reverb. Em constante desconstrução, se interessa especialmente por cultura, política e comportamento. Ama karaokês, filmes ruins, séries bagaceiras, videogame e jogos de tabuleiro. No Hypeness desde 2020.

O pai de Alexandre Magno Abrão, o Chorão, chegou em casa e: “Ué, cadê minha TV?”. Esse foi um dos momentos chave para começo da carreira do Charlie Brown Jr., uma das maiores bandas do rock nacional, cujo líder faria 50 anos em 9/4. Chorão, morto em 6 de de março de 2013, roubou e vendeu o aparelho da família no esforço para produzir “Transpiração Contínua E Prolongada”. O disco de estreia saiu em 1997, com a produção de Rick Bonadio e Tadeu Patolla, mas, antes do contrato com a Virgin Records, a banda fez o que pode para conseguir chegar aos ouvidos do público. Até vender todos os bens que tinham — mesmo aqueles que não eram de posse deles.

– Charlie Brown Jr. dá detalhes de show em homenagem aos 50 anos de Chorão

O álbum saiu em 1997, com a produção de Rick Bonadio e Tadeu Patolla, mas, antes do contrato com a Virgin Records, a banda fez o que pode para conseguir chegar aos ouvidos do público. Até vender todos os bens que tinha — mesmo aqueles que não eram de posse deles. “A gente não tinha grana para pagar uma das (fitas) demos que gravamos e foi um passo muito arriscado. A gente queria gravar em um estúdio bom, mas não tinha como. No final, acabamos gravando, mas todo mundo teve que vender tudo. O Chorão vendeu a televisão do pai dele, que tomou um susto ao chegar em casa. O Champ vendeu o baixo dele. Eu lembro que ele estava acabando de gravar a última música e o cara que ia comprar já estava na porta. Ele beijou o baixo e disse: ‘toma, pode levar’””, relembra, aos risos, Marcãoguitarrista da banda, em entrevista concedida ao Reverb, em setembro de 2019. Chorão se referia a ele como “o melhor guitarrista do mundo”.

Naquela época de poucos recursos e muita vontade, Chorão, Champignon, Marcão, Renato Pelado e Thiago Castanho queriam um algo a mais para a fita demo gravada no estúdio. O resultado agradou, mas não a ponto de considerá-la a altura do potencial que viam na banda. “Ficou legal, mas precisava de mais material para tudo seguir em frente”, conta Marcão. “Eu falei para o Chorão para a gente comprar um porta estúdio, um gravadorzinho bem vagabundo de fita cassete, porque a gente não tinha outra opção. Só se a gente assaltasse alguém”, brinca. O equipamento tinha apenas três canais de gravação.

A ideia era gravar o material com uma bateria eletrônica e produzir em cima do que fosse registrado. Preservar a qualidade da música era o foco do grupo. “Ele (Chorão) ficou puto comigo. Falou: ‘Porra, você ‘tá’ louco? ‘Tá’ me tirando? Como que a gente vai gravar nesse gravadorzinho de merda aí?’ Ficou ‘mó’ climão”, recorda o guitarrista.

Apesar do descontentamento por parte de Chorão, os outros integrantes do Charlie Brown Jr. concordaram com Marcão. Voto vencido, Chorão teve que ceder, mas o clima no grupo ficou pesado. “Começamos a gravar nesse gravador. Fizemos umas 30 ou 40 músicas e, no final, ele mesmo deu o braço a torcer. Disse: ‘Pô, pode crer, o bagulho ‘tá’ ficando legal.’”

Foi essa demo, uma “fita cassete vagabunda”, segundo Marcão, que caiu nas mãos de Rick Bonadio, então presidente da Virgin Records no Brasil, responsável pela contratação do grupo. O material acabou se transformando no primeiro álbum da banda, “Transpiração Contínua Prolongada”. Bonadio seria responsável não só pelo disco de estreia do CBJr, mas ainda por “Preço Curto… Prazo Longo” (1999), “Tamo Aí Na Atividade” (2004), “Imunidade Musical” (2005) e “Camisa 10 Joga Bola Até Na Chuva” (2009).

“Imagina a gente saindo de um porta-estúdio e indo gravar em uma puta mesa de som? Foi na raça e brigando muito para acertar o negócio”, diz Marcão. “É nesse disco que estão músicas como ‘Proibida Pra Mim’. Ele (o álbum) acabou sendo apelidado de ‘alô, som, teste’”, se diverte.

Péssimo aluno, Chorão largou a escola aos 14 anos e teve uma adolescência de bad boy. Gostava de andar de skate e, já adulto, e com um filho nascido de uma relação breve, sentiu na pele as dificuldades financeiras e teve de buscar trabalho — como corretor de imóveis, na maior parte das tentativas, nada bem-sucedidas. O pai, de classe média baixa em Santos, até tentava ajudar, mas ele não parava em emprego nenhum e não se firmava em nenhum atividade. O sonho de cantar rock, mesmo sem treinamento musical nenhum, acabou prevalecendo. Primeiro, em uma banda que tocava nos campeonatos de skate que tanto amava. Depois, para todo o Brasil, com letras que viraram hinos para mais de uma geração. Infelizmente, tudo vivido na velocidade máxima, na vertigem de manobras impossíveis. Que acabaram abreviando o sonho inconsequente de moleque, acima de tudo,  de rock.

*Esta matéria foi originalmente publicada em abril de 2020, no site Reverb.

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Fotos destaque: Divulgação


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