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“Há muita economia, economia demais na paisagem do nosso mundo, e a lógica dos negócios está se tornando a lógica de toda a vida social dos povos.” A frase é do economista italiano Luigino Bruni, professor da Universidade Lumsa, de Roma. Diante de sistemas de proteção social cada vez menos eficazes, teremos de buscar outros abrigos frente ao crescimento vertiginoso da desigualdade e a robotização e o desaparecimento de milhares de empregos — e essas são apenas duas das muitas tempestades que já se vislumbram no horizonte socioeconômico.
Na perspectiva brasileira, a reforma da previdência é, hoje, o acontecimento que mais tem poder de mudar, embora ainda não de forma estrutural e positiva, a forma como lidamos com o trabalho e com a renda. Se pensarmos, por exemplo, em milhares de famílias recebendo um auxílio-emergencial baixíssimo no contexto pandêmico, vemos, na prática, que a forma como acolhemos as populações mais vulneráveis não é, nem de longe, suficiente. Em discussão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, minimizou os efeitos diretos no curto prazo prometidos pelo então governo bolsonarista: “Não será a nova Previdência que vai gerar emprego e renda”, disse. Ideologias e análises de impacto à parte, Bruni preconiza que o principal conflito do nosso tempo não será mais entre capital e trabalho, mas sim entre renda e trabalho, “uma renda financeira que esmaga lucros e salários”.
É neste cenário indefinido que as discussões sobre a Renda Básica Universal (RBU) — concebida originalmente na Grécia clássica —, e suas controvérsias, ganham, novamente, espaço e destaque. Aos que recebem a iniciativa com negativismo, o economista Juan Torres López, autor do livro “La Renta Básica”, rebate: “Estamos vivendo o conflito que ocorria nas primeiras cidades quando se concebia fazer as canalizações, que eram caras, e havia grupos de cidadãos que defendiam que só bebesse água limpa quem pagasse. Até que se avaliou que sem as canalizações e saneamentos a cólera se expandia mais facilmente, uma doença que quando se dissemina não faz diferença por renda. Ter milhões de pessoas sem renda de qualquer tipo pode dar lugar a um grave problema social e a renda básica universal pode ser uma solução”.
Mas o que é a Renda Básica Universal?
Nem da esquerda, nem da direita: a RBU não é defendida por nenhuma ideologia partidária de forma exclusiva. Enquanto para a esquerda a medida é uma maneira de acabar com a pobreza e diminuir a desigualdade, para a direita, é uma oportunidade de conceber maior liberdade aos indivíduos e aquecer o mercado pelo poder de compra oferecido. Na lista de defesa da Renda Básica Universal, constam nomes progressistas e conservadores, como o do presidente Richard Nixon, que esteve próximo a introduzir um sistema parecido quando foi presidente dos EUA. Há de se olhar, também, pelo prisma feminista: tal renda poderia servir para emancipar e empoderar mulheres através da independência financeira, além de lidar com a questão do trabalho doméstico não remunerado mais frequentemente realizado por mulheres e que representa até 29% do PIB dos países.
Apesar de, filosoficamente, a renda básica ser uma medida contrária ao capitalismo, também é compatível com o sistema porque pode torná-lo mais eficiente e equitativo, já que o conceito original prevê que todos as pessoas possam receber o benefício mensalmente, num valor fixo, sem condições ou restrições.
Há variações da medida espalhadas pelo mundo como teste. É o caso da Finlândia, que realizou um experimento cedendo uma renda a um determinado grupo de pessoas selecionadas. Em fevereiro deste ano, o projeto teve seu período de avaliação encerrado com resultados ambíguos. Se de um lado os beneficiários se sentiram mais seguros, com mais qualidade de vida e saúde mental e física, por outro, a empregabilidade não aumentou. “Não se trata de fracasso ou sucesso — é um fato e oferece novos dados que não tínhamos antes desta experiência”, defendeu Miska Simanainen, representante da agência finlandesa de seguridade social Kela, em entrevista a BBC News. Ainda segundo o pesquisador, o teste tinha como objetivo entender se a medida poderia ser uma maneira de reformar o sistema de Previdência Social do país.
A Finlândia não está sozinha na tentativa de implementar alguma variante da URB. Em um vilarejo no oeste do Quênia, adultos receberão, até 2028, US$ 22 por mês. Stockton, cidade californiana, também irá tirar do papel um projeto-piloto da renda básica. Por lá, cem famílias irão receber, durante dois anos, o benefício no valor de US$ 500 por mês. Em Utrecht, cidade da Holanda, um experimento de renda mínima chamado Weten Wat Werkt (Saber o que Funciona, em tradução livre) está sendo posto em prática.
Quem rebate a aplicabilidade da URB tem como um dos principais argumentos o custo para a máquina pública. Para Elizaveta Fouksman, PhD em desenvolvimento internacional e pesquisadora de Harvard, a medida não seria tão onerosa para o Estado como costumamos imaginar. Em artigo publicado no The Conversation, ela diz que “para calcular o custo, muitas pessoas apenas multiplicam o valor mensal pela população e — voilà — o número parece extremamente alto. Mas não é assim que a renda básica universal funciona”. A ideia de que não é um sistema justo — alguns receberiam o benefício enquanto outros pagariam mais por ele — também não se sustenta, segundo Fouksman, já que, se considerarmos, por exemplo, benefícios universais como transporte público ou escolas, veremos que já há, hoje, pessoas que pagam mais por seus financiamentos de impostos, enquanto outros os utilizam de graça ou a custos menores.
Eduardo Suplicy, em foto postada em seu Instagram, com camiseta que diz, em inglês, “Renda básica é liberdade” e “Uma vida melhor é possível”
No Brasil, em 2004, o ex-senador Eduardo Suplicy aprovou uma lei que previa a aplicação da renda básica de cidadania para todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos — não importando a condição socioeconômica. “O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias“, dizia a Lei 10.835, que nunca foi posta em prática.
Novas economias, outras visões de renda
Em discussões já abertas dentro das novas economias — compartilhadas, colaborativas, sustentáveis — o rendimento ganha releituras que merecem problematização. É o caso do incentivo à renda extra, que gerou toda uma classe de trabalhos informais e a “uberização” da mão de obra. Como resultado da falta de vínculos trabalhistas, temos milhares de manicures, motoristas, entregadores, diaristas e toda a sorte de profissionais que não só se sentem desprotegidos, como também precisam aprender a lidar com os ganhos irregulares e as jornadas exaustivas.
Para Luigino Bruni, não entraremos em uma nova fase sem fazer uma avaliação profunda da forma como, individualmente, fazemos escolhas financeiras e econômicas cotidianas. “A economia e as finanças continuam sendo coisas boas, questões imperfeitas e melhoráveis, mas essenciais para imaginar e realizar uma boa sociedade. E, a partir desse olhar bom, devemos recomeçar a esperar, a vigiar, a fazer”, completa.
O ilustrador polonês Pawel Kuczynski é mestre apontar contradições sem precisar usar nenhuma palavra
Seja a RBU, seja outra possibilidade de floresça dos questionamentos atuais: independente do método, ele virá de uma mudança socioeconômica profunda. “Sem reformas estruturais fundamentais do nosso sistema econômico, a renda mínima será apenas um band-aid sobre as rachaduras”, profetiza, em entrevista a BBC, a escritora e especialista econômica Grace Blakely.
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