Nesta terça-feira (29/12), o projeto para legalizar o aborto na Argentina será votado pelo Senado do país, a última instância para aprovar definitivamente a decisão. Vitorioso na Câmara dos Deputados no último dia 11, o projeto ainda divide os senadores e, caso aprovado, tornará a nação vizinha do Brasil no primeiro grande país da América Latina a permitir o aborto legal.
A proposta busca tornar legal a interrupção voluntária da gravidez até a 14ª semana de gestação e tem o apoio do atual presidente argentino, Alberto Fernández. Segundo dados do Ministério da Saúde da Argentina, em 2018, 35 das 257 mortes de mulheres grávidas naquele ano aconteceram devido a “gravidezes interrompidas por aborto”.
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Manifestantes acompanhando o voto dos deputados pela legalização do aborto na Argentina, em 11 de dezembro de 2020
Apesar da falta de sucesso na votação do Senado pela legalização do aborto em 2018, o sentimento atual entre as manifestantes pró-escolha é de esperança.
Mesmo com atos organizados por setores católicos e conservadores contra a proposta, o movimento pró-aborto recebeu, por exemplo, forte apoio de mais de 1.500 personalidades da cultura argentina, que se manifestaram por meio de uma carta aberta em prol da vida e do livre arbítrio das mulheres.
“Há décadas esperamos por este momento. O aborto legal é uma reivindicação social e transversal”, escreve o documento, divulgado no último dia 27. “É hora de fazer história. O mundo está nos observando.”
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Do lado conservador e religioso, contudo, o Papa Francisco já chegou a comparar, em fala de 2018, a interrupção voluntária da gravidez a uma morte encomendada a um matador de aluguel.
“Interromper uma gravidez é como eliminar alguém. É justo eliminar uma vida humana para resolver um problema?”, disse o pontífice (que ainda considera o aborto um “pecado grave”), em outubro daquele ano. “É como contratar um matador de aluguel para resolver um problema.”

Mulher se emociona ao esperar pela decisão da Câmara dos Deputados a favor da legalização do aborto, em 11 de dezembro de 2020
Segundo informações do jornal “El País“, a votação do projeto está prevista para acontecer na madrugada do dia 30 de dezembro. Assim como na noite do dia 11, em que a proposta foi aprovada pelos deputados, haverá vigília de manifestantes da “maré verde”, movimento de mulheres que vem fazendo história na luta pelo aborto legal, seguro e gratuito na Argentina.
‘Maré Verde’: movimento de mulheres pelo aborto legal na Argentina
Fruto das manifestações feministas “Ni una a menos” (“Nenhuma a menos”, em tradução livre), promovidas contra a violência de gênero na Argentina desde 2015, os atos da chamada “Maré Verde” passaram a se chamar assim por conta dos tradicionais lenços verdes utilizados pelas manifestantes argentinas pró-aborto.
“A maré verde é uma revolução feminista em movimento e é intergeracional. Há uma experiência de transversalidade, de articulação com sindicatos, movimentos sociais, direitos humanos”, explica a jornalista e escritora María Florencia Alcaraz, autora do livro “Que seja lei!”, sobre a luta pela legalização do aborto na Argentina, em entrevista à “AFP“.
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Manifestantes da ‘Maré Verde’ argentina durante ato a favor da legalização do aborto
Inspiradas pelas Abuelas de la Plaza de Mayo, de Buenos Aires, — mulheres argentinas que usavam lenços brancos na cabeça para chamar atenção para os sequestros e assassinatos de seus entes queridos durante a ditadura militar do país —, pessoas a favor da legalização do aborto escolheram os “pañuelos” de cor verde para simbolizar a saúde e a esperança.
“Esta lei não pertence a nenhum presidente ou governo, é mais uma conquista do movimento feminista”, diz a deputada Silvina Lospennato, ativista “verde” do partido PRO, também em entrevista à “AFP”.