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Orochi, revelação do trap, mentaliza positividade, mas critica: ‘Querem fazer as pessoas voltarem a pensar como na Idade da Pedra’

22 • 12 • 2020 às 19:57
Atualizada em 04 • 01 • 2021 às 16:57
Veronica Raner
Veronica Raner Jornalista em formação desde os sete anos (quando criou um "programa de entrevistas" gravado pelo irmão em casa). Graduada pela UFRJ, em 2013, passou quatro anos em O Globo antes de sair para realizar o sonho de trabalhar com música no Reverb. Em constante desconstrução, se interessa especialmente por cultura, política e comportamento. Ama karaokês, filmes ruins, séries bagaceiras, videogame e jogos de tabuleiro. No Hypeness desde 2020.

Tudo correria até a essência do celebridade, ‘tá ligado?/ Menos vaidade e mais verdade/ Vivência e realidade/ Saber usar uma queda difícil como um trampolim para prosperidade/ Lembrando sempre que uma dificuldade/ É apenas um intervalo entre duas felicidades.” A letra é de “Nova Colônia”, música que fecha “Celebridade”, álbum de estreia do rapper fluminense Orochi. O nome artístico se refere a Flávio César Castro, de 21 anos, que já foi notado até pelo rapper americano Wiz Khalifa (leia na entrevista abaixo). “Estou louco para voltar aos shows porque as pessoas precisam ouvir essas músicas juntas. Estamos em um momento de muita dúvida, de medo, fraqueza. A música coloca as pessoas para cima”, torce Orochi, cria das batalhas de rima do Tanque, em São Gonçalo. “Eu fui 22 vezes e ganhei 22 vezes”, lembra, sem disfarçar o orgulho pelos primeiros passos.

Aos 21 anos, Orochi é o grande nome do trap nacional.

A alcunha escolhida veio de “The King Of Fighters”, videogame de luta lançado nos anos 1990. Com três milhões de seguidores no Instagram, ele é o mais novo fenômeno do trap nacional. “Orochi foi um nome que bateu na minha cabeça. A estética do nome combinou. Não é pela aparência do personagem nem é pelo lance do poder”, explica.

Enquanto Flávio nasceu em Niterói, cidade no Rio de Janeiro, Orochi, o artista, nasceu nas batalhas de rima no Tanque, em São Gonçalo, município vizinho. Amigos de escola costumavam ir às quartas-feiras para as disputas de freestyle que aconteciam na Roda Cultural, na Praça dos Ex-Combatentes. Um dia, Orochi decidiu ir para competir também, não sem antes pesquisar vídeos de seus possíveis oponentes no YouTube. O pai o levou pela primeira vez, mas ficou receoso que a prática constante atrapalhasse o resultado do filho na escola

Era difícil para o meu pai me liberar porque era muita droga no ambiente, acesso a bebidas e também perto de comunidade. Meu pai ficava preocupado porque São Gonçalo é um lugar pesado e isso tudo era à noite. Mas quando ele viu que eu tinha o dom, liberou. Ele me levou várias vezes depois, mas ficou com medo de eu me perder no caminho de drogas, aquela preocupação de pai mesmo. Naquele momento ele tentou fazer eu me afastar, mas eu já estava vidrado naquilo, fascinado por aquilo, viciado em ir para lá. Não era para beber, ver mulher ou ver os amigos. Era o lance da rima mesmo”, conta.

O disco recém-lançado, que recebeu o nome de “Celebridade”, é uma narrativa de histórias, sonhos, revoltas e ideias — muitas vezes filosóficas — de Orochi, um jovem que acredita no poder da mente, das palavras e no potencial transformador da educação — mas em outros moldes. Com duras críticas ao sistema educacional brasileiro, ele diz que tirar matérias como filosofia e sociologia do currículo escolar são atitudes retrógradas que têm apenas um objetivo: emburrecer a sociedade.

Tantos professores bons aí, tanto artista com a arte boa para ser passada para o futuro e, pelo contrário, vem esse cara que está aí na presidência… Pô, mano, tirar filosofia, tirar as matérias que fazem as pessoas pensarem… Para mim é porque tem um plano do mal por trás disso. Pode parecer papo de maluco cheio de teoria, mas eu acho que é isso. Os caras tiram as matérias que fazem os seres humanos pensarem, (como) filosofia e sociologia. Para mim isso é para retardar a mente das pessoas e criar uma sociedade burra”, afirmou. Entre os coautores do disco, está uma de suas ex-professoras, que o ajudou a escrever “Nova Colônia”.

Leia a entrevista completa de Orochi ao Reverb:

O seu nome artístico você tirou do “The King of Fighters”. Por que você se identificou com o Orochi do videogame?
Essa é uma pergunta que nem eu sei. Eu não sei nem dizer porque eu não me pareço com o cara, eu sei que ele é o mais forte do jogo. Eu não sei se é a tatuagem que ele tem, que eu acho foda e tenho vontade de fazer, mas talvez tenha sido o nome mesmo. Não é pela aparência do personagem, nem é pelo lance do poder. Eu acho que foi a estética do nome, me agrada. Não é uma cópia de ninguém da música, não estou copiando ninguém. É uma parada simples de você pegar e: “O que é Orochi? Como deve ser esse som? Ele é um cara preto, do Brasil, mas o nome parece que é japonês e ele canta rap? Ou que ele canta”. Para despertar a curiosidade.

Onde você mora atualmente?
Eu moro em Vargem Pequena (bairro na Zona Oeste do Rio de Janeiro). Eu vim para cá porque era mais próximo dos estúdios que eu costumava gravar, que eram sempre pela Barra da Tijuca e, na época, eu não tinha nem carro, nem estúdio. Aqui era um ponto de acesso bem fácil e mais rápido. Aqui também tem bastante mato e eu gosto muito de estar no meio do mato, pegando um ar mais puro, ‘tá’ ligado? Com o dinheiro de show conseguimos construir o estúdio e também tenho um carro maneiro. Há uns seis meses, eu capotei com o primeiro carro que eu tive e sobrevivi graças a Deus. Eu estava dirigindo, respeitando a velocidade da via e de cinto, mas foi uma aquaplanagem. Não sabia como era isso e infelizmente aprendi da pior maneira. Eu estava sóbrio, não tive nada, mas o carro deu PT. Era meu primeiro carro, eu fiz até uma música para ele, “Mitsubishi”. A música ficou, mas o carro foi embora.

Você tem duas músicas que falam sobre carros diretamente, “Mitsubishi” e “Vermelho Ferrari”, além de outras músicas que você faz referências automobilísticas. Você é um cara que gosta de carros?
Sim, eu me amarro em automobilismo. Todo mundo sonha em ter vários carros, não é minha meta, não é meu objetivo, mas eu também sou fã. Meu carro hoje é uma Mercedes C-250 que é um parada que eu nunca esperei que fosse ter. O pessoal fala que eu tenho que trocar de carro mas eu falo que não, que por mim eu vivo com esse carro a vida inteira. Eu viveria 50 anos com esse carro que eu estou, se o motor dele aguentar (Risos).

Que relação o trap tem com esse tema e com a ostentação em geral?
O trap tem esse lance de cantar a conquista, né? A gente não canta só que está revoltado com as paradas que acontecem, a gente — e eu digo “a gente” como todos nós que cantamos trap — também canta nossas conquistas, as nossas vitórias. E o carro é uma conquista também. A gente valoriza tudo: amigos, mulheres, por que não dar o valor para o carro, também, uma parada tão maneira?d

Tem muita gente que critica o trap e o rap pelo excesso de ostentação. O que você acha disso?
Eu acho que é porque as pessoas ainda não entendem muito. A nossa referência do trap é muito mais internacional do que nacional, então é uma outra linguagem e o brasileiro não entende muito ainda isso. São poucos os brasileiros que entendem qual é a do trap, qual é a proposta, sabem qual é a ideia. É uma nova proposta, é uma nova linguagem mesmo. A gente se comunica de outra forma. Se entendessem mais um pouco a referência, eles iam com certeza abraçar e escutar com outros ouvidos.

Os caras lá fora também ostentam, também falam coisas pesadas, alguns são machistas, alguns passam dos limites, alguns falam coisas inacreditáveis. Mas o brasileiro aceita de uma forma menos preconceituosa. Quando os artistas de trap também evoluírem nesse lado melódico, quando os produtores evoluírem nessa onda sonora nacionalmente falando, esse preconceito vai acabar. Essa é mais uma luta nossa também: buscar uma evolução da sonoridade para a gente continuar cantando nossa reconquista, a nossa realidade mas em uma melodia que seja mais fácil de aceitar.

Se você pensar na era do funk ostentação que foi ali de 2012 a 2014, os cantores de funk também ostentavam, o Guime ou o MC Daleste. Foi algo que deu bom durante muito tempo, claro com preconceito também, o funk e o rap sempre lado a lado no lance da linha do tiro do preconceito, mas o pessoal abraçou. Os artistas faturavam mais de um milhão de reais cantando ostentação. Quando a parada estourava, tudo que eles falavam que queriam ter, eles acabavam conquistando. É a parada de você acreditar, né? Eu não sou de falar o que eu não tenho. Eu não sou de ficar falando que eu tenho algo que eu não tenho, eu prefiro jogar na minha realidade. Eu vou falar o que eu tenho, vou agradecer e ‘tá’ maneiro. Mas a gente falar que quer ter algo, eu não acho que esteja errado. É o poder de persuasão, é o poder da mente. Você mentaliza uma parada e deposita confiança naquilo com certeza o universo vai ouvir e vai jogar de volta para você. Eu prefiro ver assim do que ver como ostentação. Quando a gente só vê como ostentação, a gente se coloca muito distante de quem não pode ter. Eu prefiro falar que a pessoa pode conquistar.

É como o Tupac falava: não é para o cara ver o que ele tem e achar que é impossível de ter porque ele não é o Tupac ou o Orochi. Ele tem que ver que o Orochi tem e ele também pode ter. O Tupac fala algo parecido com isso, sobre se comunicar dessa forma com quem te ouve.

Como foi seu primeiro contato com o rap? E com a música?
Eu ouvia aqueles CDs “Tracks” que vendiam em camelô, aquelas edições piratas, mas, naquela época, era só de ouvir, com ouvido leigo. Eu só sabia que era hip hop. Conhecia Akon, Snoop Dogg, Lil Wayne, Jay-Z, essa parada mais pista, que era o que chegava para a gente. A gente não sabia o que era trap, R&B, club, boom bap. Meu primeiro contato com o rap foi nesses DVDs piratas. E o rap foi na escola, em 2012 mais ou menos. Tinha uma rapaziada lá que ouvia hip-hop e fazia freestyle na hora do intervalo. Eles me mostraram as batalhas do Emicida e do ConeCrew. Eu já tinha escutado algumas músicas dos Racionais na rua, mas eu não entendia o movimento, eu não sabia como era a cultura. Eu tinha uns 12 anos. Depois que eu comecei a fazer a batalha de rima e fui conversando com as pessoas mais velhas, ali eu fui conhecendo. Sempre fui de ler legenda de música, eu queria saber o que eles estavam falando em outra língua. Sempre tive esse interesse mas nunca foi para fazer música, depois eu comecei a fazer música por um acaso, eu queria mesmo era fazer batalha de rima.

Como você essa decisão de começar a fazer música? Foi nas batalhas de rima no Tanque?
Eu fazia só batalha. Eram eventos culturais na rua, a Roda Cultural que tinha lá na minha área, na Vila Lage, em São Gonçalo. Lá tinha o mestre de cerimônias, o Gordo, que falou que tinha um moleque muito bom, o Maquiny, e que a gente tinha que se juntar e fazer uma dupla. Ele tocava violão e não era bom de melodia, era bom de voz, mas tinha uma musicalidade boa, tocava instrumento. Eu era o cara da rima. O Gordo falava que eu era o cara do rap, que eu ia vir jogando mais rima, mais no flow, mais acelerado, uns papos mais rápidos. Isso ia dar um equilíbrio maneiro. Nessa eu joguei mais um irmão meu de correria, de pista, que tava comigo para cima e para baixo desde novo e foi aí que a gente juntou o nosso primeiro grupo, que foi o Modéstia Parte. Mas a ideia veio do mestre de cerimônias, o Gordo, o apresentador da Batalha do Tanque.

Como você chegou até a Batalha do Tanque?
Meus pais estavam separados e nessa época eu morava com meu pai. Eu já fazia rima nos intervalos para me distrair e distrair a rapaziada toda. Ali para 2014 mais ou menos, uns amigos mais velhos da escola que já iam para esses rolês me falaram que ali perto da escola mesmo rolava toda a quarta-feira a Roda Cultural, a Batalha do Tanque. Eu só sabia o que eram as batalhas porque eu via as do Emicida, as de Belo Horizonte, mas eu não sabia que ali em São Gonçalo tinha o mesmo movimento que poderia me dar acesso às grandes batalhas, aos grandes artistas do rap. E aí eu vi vídeos dessa galera que participava dessas batalhas que eram do lado da minha casa, na Praça dos Ex-Combatentes, que tem um tanque de guerra mesmo que foi usado na guerra mesmo, se não me engano a Segunda Guerra Mundial. Por isso se chama Batalha do Tanque, porque tem mesmo esse tanque de guerra lá. Eu estudei os vídeos dessa galera no YouTube para saber o que eu ia encontrar quando chegasse lá, quem seriam meus oponentes. Eu vi os caras rimando e eu vi que eles eram pitbull de rima mesmo, e eu novinho…

Seu pai apoiou esse seu começo nas batalhas?
Era difícil para o meu pai me liberar porque era muita droga no ambiente, acesso a bebidas e perto de comunidade. Fica entre várias favelas. Meu pai ficava preocupado porque São Gonçalo é um lugar pesado, e isso tudo era à noite. Mas quando ele viu que eu tinha o dom ele liberou. Meu pai me levou na primeira vez e várias vezes depois. Mas ficou com medo de eu me perder no caminho de drogas, aquela preocupação de pai mesmo. Ele tentou me fazer parar de ir, porque talvez isso estivesse atrapalhando meu rendimento na escola, mas talvez tenha sido só meu desinteresse mesmo. Mas eu já estava vidrado naquilo, fascinado por aquilo, viciado em ir para lá. Não era para beber, ver mulher ou ver os amigos. Era o lance da rima mesmo. Era a vontade de ir lá rimar e ganhar. Eu fui 22 vezes e ganhei 22 vezes. Foi aí que ele viu que eu tenho o dom para isso. Meu dom não era o futebol, era o rap. Eu comecei a ir escondido, falava que ia dormir na casa de casa de alguém, que ia dar uma namorada, e assim eu ia para vários lugares. Fui pra roda no Rio, várias batalhas pelo Rio que talvez ele não fosse deixar, mas depois ele foi vendo que eu sou tranquilo e que eu não ia me perder nem nada. Ele foi entendendo e vendo que “pô, esse menino vai se tornar o Orochi das batalhas”. Nem eu sabia. Na verdade, nem eu, nem ele, mas a gente já imaginava o que poderia acontecer. E aconteceu.

Orochi começou a carreira nas batalhas de rima no Tanque, em São Gonçalo.

Como foi crescer na Vila Lage (São Gonçalo)? Você morava com quem?
O tempo em que meus pais estavam juntos é a minha melhor memória de infância. Depois, quando eles se separaram, eu tinha uns seis anos, foi uma fase bem chata. Graças a Deus, eu não tive que passar por nenhuma dificuldade, só depois de velho mesmo que eu tive que acordar para a vida. Correr atrás, se não poderia ficar sem nada. Mas eu tive uma infância bem tranquila, nunca passei fome, consegui estudar em boas escolas. Eu sempre vou ser muito grato porque, por mais que a renda fosse pouca, meus pais sempre fizeram questão de me colocar para estudar em um lugar maneiro. Sempre pensaram no meu estudo e por isso que eu sempre agradeço a eles e sempre vou ser grato porque meus professores sempre foram foda, uns que eu carrego comigo até hoje.

Eu parei de estudar antes de terminar o Ensino Médio porque, quando eu descobri esse lance da música, eu vi que eu já estava aprendendo coisas que eu não ia precisar botar na minha vida. Eu achava também que, na escola, o método de ensino já estava um saco, tudo evoluía menos a escola. Menos o método de ensino, menos aquele massacre que você não podia escolher o que você queria estudar. Várias pessoas novas, eu conheço gente de 12 ou 13 anos, que já sabe o que vai ser quando tiver 18, e o cara não quer estudar Geografia porque ele quer fazer outra coisa, entendeu? Não tem música na escola, não tinha uma aula de canto ou de um instrumento. E nisso eu fui me desinteressando.

Como você acha que o ambiente escolar poderia ser melhor para os alunos?
Tem que ter música na escola, tem que ter aula de canto. Não adianta colocar só Informática e Educação Física. Por que o hip-hop internacional é maior do que o rock? Porque o hip-hop é maior do que todos os estilos de música? Porque os caras aprendem música na escola. Por isso que eles são os que mandam na música do planeta, porque eles aprendem música na escola. Tem que ter tipo um Villa-Lobos (escola de música) nas escolas para você aprender a desenvolver, a ler partitura, aprender o instrumento. Porque aí você já molda o artista do zero. Eu queria que meus filhos, que todo mundo pudesse aprender música. Mas isso é algo que falta. Com certeza, se eu fosse falar isso para o pessoal evoluir as escolas eu falaria isso. Tem algumas que até têm, mas não são a maioria. Tantos professores bons aí, tanto artista com a arte boa para ser passada para o futuro e, pelo contrário, vem esse cara que está aí na presidência — eu não tenho nada contra o cara, não, ‘tá’ ligado — mas, pô, mano, tirar filosofia, tirar as matérias que fazem as pessoas pensar, para mim é porque tem um plano do mal aí por trás disso querendo retardar as mentes das pessoas. Pode parecer papo de maluco cheio de teoria, mas, eu acho que é isso. Os caras tiram as matérias que fazem os seres humanos pensarem, (como) filosofia e sociologia, que foi a matéria que mais me despertou o interesse. Para mim isso é para criar uma sociedade burra, uma sociedade que vai servir. Estão querendo retardar, fazer as pessoas voltarem a ter a mente da Idade da Pedra. Eu acho que tem algum plano aí entre os caras que mandam. Pode parecer um papo de doido, mas a escola está andando para trás. Esse método de ensino muito antigo, ‘tá’ ligado? A escola tinha que ter uma ligação maior com a vida do aluno, mais aulas ao ar livre, mais situações do dia a dia da vida. Fica sempre naquele mesmo ciclo. É por isso que eu saí fora, não tenho vergonha, não.

Você disse que a escolha do nome não veio pelos superpoderes do personagem, mas se você fosse um herói com superpoderes, quais seriam os seus?
Se eu fosse um herói, eu com certeza seria um herói que usa o poder da mente, sem dúvida. Ia fazer as coisas acontecerem só com o poder da imaginação. Ia mentalizar alguma coisa com tanta convicção — se fosse uma parada saudável, claro. Porque não adianta a gente ficar só pensando maldade e depositando a nossa energia mental naquilo porque vai acontecer. Pode não acontecer contigo, mas pode acontecer com alguém que você tem uma ligação forte. Energia. Isso é algo que ninguém me ensinou, foi algo que eu sozinho percebi mesmo. Se você mentalizar maldade, isso vai acontecer. Talvez em um período tão rápido que você não vai nem ver.

A visão é sempre ter pensamentos bons e pensar o máximo que a parada vai dar muito bom para você. Porque se não der bom para você no tempo que você pensou que fosse der, com certeza essa energia que você jogou vai pegar para alguém que está ali do seu lado e vai acabar respingando. É uma parada que eu acredito muito: energia e poder da mente. Mas não é pensar rapidinho e receber. Tem que pensar e continuar pensando com força. Aí o Universo começa a jogar as paradas que você pensou. É um papo de maluco, mas é isso. A mente do ser humano tem que ter algum valor porque carne e osso só não é. É só o momento que a gente vive aqui e depois a gente morre e a nossa mente vai para onde? A nossa mente vai para algum lugar.

Além do seu nome, você faz outras referência a jogos com frequência, como em ‘Balão’, em que você também usa referências de ‘GTA’ e de ‘Pokémon’. Sempre foi um hobby?
Jogo abre a mente, né, mano? Todo mundo que tira uma horinha para jogar um videogame vai ficar com a mente mais aberta. Eu não sou viciadão, mas acho que a parada abre a mente para você pensar. Não só videogame, como filmes, séries, livros… Eu tenho muitos livros também em casa, gosto muito de ler. Não sou de sair matando livros e livros, mas gosto muito. O último que eu li foi a biografia do Steven Adler, do Guns N’ Roses, “Meu Apetite por Destruição: Sexo, Drogas e Guns N’ Roses”. Eu fui me identificando em várias paradas. Ele conta bem no tête-a-tête, bem na realidade do que eles viveram. Você lê e fala: “caralho, ele é o malucão do Guns N’ Roses, ‘tá’ ligado? Uma das maiores bandas de rock do mundo. O livro tinha uma história que passava uma realidade que foi me prendendo. Eu gostei muito. Eu li poucos livros completos porque eu começo e daqui a pouco já estou lendo outra coisa e acaba que eu não termino de ler. Preciso focar mais, porque eu sou muito assim. Mas esse livro, pela realidade dele, foi me prendendo. E livros, mais do que jogos, abrem a mente porque você vai entendendo outras realidades.

Em ‘Balão’, você fala de quando você foi detido pela Polícia Rodoviária Estadual (em março de 2019, Orochi foi autuado por porte de drogas e desacato a autoridade). Na música você transforma isso em um grito de redenção e também em uma crítica à sociedade. Como foi escrever e produzir essa faixa?
A parada mais engraçada é que a “Balão” é o projeto que mais deu certo para mim. O processo de compôr a “Balão” foi muito rápido. Quando saiu essa notícia, eu já tinha uma música, o refrão, o beat e o segundo verso. Eu só não tinha o primeiro verso. E aí, quando aconteceu essa história toda, eu não acreditei. Eu estava em um momento bem delicado em família, meu avô estava falecendo e os caras estavam falando que eu tinha sido preso. Minha mãe estava com meu avô no CTI, em um hospital público, vendo minha foto na televisão e começou a me ligar desesperada: “Você está onde? Eu estou vendo a sua foto aqui!”. E eu falando para ela que eu não tinha sido preso, mas ela ficou falando para eu não mentir, porque na televisão estava dizendo que eu tinha sido preso, minha família toda me ligando. Era de manhã, no “RJTV”. Eu já estava bolado com vários bagulhos acontecendo na minha vida, minha mãe não podia ficar nervosa porque ela também já estava perdendo o pai. E eu que ajudo ela, que sustento ela com a minha irmã. Eu sou filho dela mas ela é minha filha, entende o que eu quero dizer? Eu precisava tranquilizar minha mãe. Eu falei que minha resposta para aquilo tudo iria vir em forma de música. Quando soltei a música, explodiu. Eu sempre falo para os amigos: tem que saber usar essas situações a seu favor. E isso não é só para quem é da música não, é para qualquer um: para você que é jornalista, para o amigo que joga bola, amigo que é empresário… É como eu falo na música “Nova Colônia”: “saber usar uma queda difícil como um trampolim para a prosperidade lembrando sempre que a dificuldade é apenas um intervalo entre duas felicidades”. Eles me deram um soco com aquela notícia e eu devolvi com um tapa sem mão. A “Balão” é a música que mais marcou minha carreira. O Orochi é aquela vibe ali, mesmo que eu tenha conseguido alcançar outras sonoridades, a sonoridade da “Balão” é a minha sonoridade principal.

Como você escolheu o lugar para gravar o clipe da música?
Eu gravei a voz, no outro dia eu fui naquele lugar do clipe. Eu estava passando ali com um amigo, na frente de um hospital abandonado no Colubandê (bairro em São Gonçalo) por onde eu já tinha passado muitas e muitas vezes. Só que dessa vez eu vi por onde entrava e falei para gente ir lá. Pedi para ele encostar e eu entrei, até com um pouco de medo porque o lugar é enorme e estava abandonado, tudo escuro, começando a chover. Eu fui com a lanterninha do celular até o terceiro andar e encontrei um morador de rua que estava lá, que cuidava do lugar e conversei com o cara, falei que queria gravar um bagulho ali. No outro dia a gente já estava lá gravando o clipe.

Em “Nova Colônia” você faz uma dura crítica à forma como o governo e a sociedade enxergam cultura nas favelas. Que tipo de sentimento isso te provoca?
Revolta. Não querendo comparar as duas, mas a “Nova Colônia” é a mesma estética da “Balão”. É revoltante porque eu fiz um show na favela, eu postei um story, eu não sabia que no dia seguinte a parada ia estar na televisão como se fosse um “show para o tráfico”. Eu vi aquilo e fiquei pensando: então quer dizer que a gente não pode cantar na comunidade porque é show para o tráfico? Agora não tem morador na favela? Não tem “menorzada” que gosta de rap e quer ouvir? A mulherada que vai para o baile também, gente que não tem dinheiro para ir em boate de playboy? Era um evento de hip-hop e os caras vêm chamar de “show para o tráfico”. Aí não. Eu vim castigando na letra mesmo. A minha professora Mônica Rosa, que me deu aula de Redação e Literatura por um bom tempo, me ajudou a compor. Eu estava há muito tempo sem ler notícias e eu queria fazer meio que um resumo de todas as neuroses que aconteciam no Brasil, o lance dos 80 tiros, o lance do atentado em Suzano, de queimadas planejadas na Amazônia, que isso aí é para atingir alguma outra cultura de alguma forma; e o incêndio para apagar a História no Museu Nacional, que isso daí foi uma parada mandada, eu não consigo acreditar que foi um acidente, entendeu? Eu pedi para a essa minha professora me dar um caminho porque eu queria fazer a música para tocar na ferida para fechar o álbum. Por isso que ela é a última, porque é o mesmo pique da “Balão”. Eu termino o álbum na minha essência, na minha raiz. Estou louco para voltar aos shows porque as pessoas precisavam ouvir essas músicas juntas. Estamos em um momento de muita dúvida, de medo, fraqueza. Eu acho que a música coloca os outros para cima.

E essa possível parceria com o Wiz Khalifa, em que pé está?
Eu mandei uma mensagem para ele de respeito, como admirador do trabalho dele. Mandei muito tipo “vamos ver se funciona”. Mandei um emoji e escrevi: “máximo respeito”. E eu não sei se ele já conhecia meu trabalho, mas ele respondeu: “Send music. Let’s make a song.” (“manda música, vamos fazer uma canção”, em tradução livre). Não deu para acreditar, mas era o perfil do cara mesmo. Vai rolar, eu estou com a música pronta, só preciso que ele me responda agora. Porque ele fez a proposta, eu fiz a música e agora eu não tenho o contato dele, um e-mail para mandar. Mas estou mentalizando já, e o universo está jogando do meu lado. Estou vendo só uma forma de chamar a atenção dele, mas vai rolar. Pode ser que um dia ele esteja online tomando um café da manhã ou fumando — porque ele fuma para caralho — e vai abrir o Instagram e vai ver. Mas é difícil. Você vê: eu tenho três milhões de seguidores e já é difícil ler uma mensagem. Imagina ele com 30 milhões?

E aqui no Brasil, com quem você gostaria de trabalhar?
Eu sei que ia ficar muito foda e muito diferente com a Alcione, com a Vanessa da Mata. Ia ficar um trap doido! Com elas duas eu ia fazer a melhor música do Brasil, não iam precisar nem escrever, só cantar. As gravadoras têm vontade de fazer (essas colaborações), mas não têm a visão. Também sou fã do Falcão, Seu Jorge, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho… Eu ia representar. Meu pai era do samba, teve um grupo de samba de raiz.

Por que o nome do álbum é “Celebridade”?
“Celebridade” chama atenção, as pessoas querem saber o que você está falando sobre uma celebridade. Eu tenho certeza que a maioria das pessoas pensou que era sobre música de ostentação, mas na verdade não tem muita ostentação, tem só as verdades, o nosso dia a dia, as nossas loucuras e depois tem o nosso lado romântico, porque a gente também sente, também ama e cria laços. E a gente também questiona um monte de coisa mas deixa a carta de motivação no final da “Nova Colônia”. “Depois que fecha os olhos, minha vida vai muito além da vida de uma celebridade”. Você ouviu o álbum todo achando que tudo que eu ostento e que eu falo que eu conquistei, você vê que tudo isso pode ser uma vida de ilusão também. Na verdade você vai ver que a minha vida vai muito além disso: menos vaidade e mais verdade. Para você acreditar que você pode se tornar uma celebridade independente da sua condição de vida.

 

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Destaques: Divulgação //Foto 1: Pedro Darua/Divulgação / Foto 2: 25Birdman/Divulgação


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