Um levantamento do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato mostrou que grupos de evangélicos missionários na Amazônia estão propagando fake news do movimento antivacina para povos indígenas, uma das populações mais afetadas pela covid-19. Diversos relatos, inclusive de fontes oficiais, mostram que há rejeição à imunização por parte de diversas aldeias ao redor do país.
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Indígena guarani da Aldeia Mata Verde Bonita sendo vacinada
Um documento da Divisão de Atenção a Saúde Indígena, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, afirma que há indígenas se recusando a tomar vacina. A motivação? Segundo o documento obtido pela Globonews, a aldeia, que teve seu nome preservado, está “com medo, devido a informações errôneas via rádio, que os indígenas iriam morrer após 15 dias que tomarem a vacina, ou então iriam virar jacaré e várias outras informações que parentes passaram via rádio de outras aldeias do Alto Tapajós”, diz o documento do DSAI.
Um ofício da Associação Brasileira de Antropologia indica que a desinformação sobre a vacinação está tão espalhada que pode gerar até uma “onda de suicídios”. Além disso, sabe-se que a mortalidade da covid-19 é 16% maior entre os indígenas; dados da Sesai mostram que já foram 567 indígenas vitimados pela doença.
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“Entre a população indígena de Dourados, Panambi e Caarapó (MS), circulou um áudio por Whatsapp onde era dito que junto com a vacina seria injetado um “chip líquido”, por meio do qual as pessoas seriam manipuladas. Até mesmo os agentes de saúde indígena no MS estariam se negando a receber a vacina”, diz a carta da ABA. Foram encontrados relatos semelhantes entre os povos Tremembé, no Ceará, Xavante, no Mato Grosso, e Tuxá, na Bahia.
Presença evangélica entre indígenas pode ter acelerado desinformação
A forte presença de missões religiosas entre aldeias indígenas é fato conhecido, em especial, na Amazônia. A concorrência entre os agentes privados de igrejas e os agentes de saúde pública se acirrou em decorrência da vacinação. Também é notório a rejeição de certas organizações da fé evangélica à ciência. É possível ter como exemplo uma recente fala de Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus:
“O mundo inteiro está ajoelhado diante dessa maldição, dessa praga chamada coronavírus. Mas, o pior de tudo é que a maioria das pessoas não sabe que a maior praga não é a coronavírus, é a coronadúvida, e para você enfrentar o coronavírus, que é a coronadúvida, você que está ileso do coronavírus, você tem que estar com o antídoto que é chamado de coronafé”, afirmou Macedo em um culto.
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Segundo pesquisa Datafolha de 2017, um terço da população indígena é da fé evangélica. E os riscos da propagação de fake news endossada por pastores influentes como Edir Macedo e Silas Malafaia, podem ser um tiro no pé na própria ancestralidade.
“É possível perceber que, nas florestas do Purus ou nos bastidores do Palácio do Planalto, a cloroquina continua sendo a mão de Deus. E a vacina, produto da ciência e das políticas do Estado de direito, um adversário inoportuno da coronafé“, afirma Miguel Aparicio, que é antropólogo, professor do Programa de Antropologia e Arqueologia e coordenador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Sociedade na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).