Inspiração

Djamila Ribeiro: biografia e formação de intelectual negra em dois atos

24 • 03 • 2021 às 12:10
Atualizada em 03 • 11 • 2021 às 15:56
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

A filósofa, professora, escritora e ativista Djamila Ribeiro é hoje uma das mais importantes vozes no pensamento e na luta antirracista e feminista no Brasil.

Djamila Ribeiro: ‘Lugar de Fala’ e outros livros para entender raça por R$ 20

Para defender a população negra e as mulheres e denunciar os crimes e injustiças do racismo estrutural e do machismo atávico que conduzem a sociedade brasileira, Djamila enfrentou, em suas obras, as bases de tais dilemas: com os livros ‘O que é Lugar de Fala?’, de 2017, ‘Quem tem medo do feminismo negro?’, de 2018, e ‘Pequeno manual antirracista’, de 2019. a intelectual respondeu a algumas das mais complexas e contundentes questões da contemporaneidade no Brasil e no mundo.

A autora e filósofa Djamila Ribeiro

Djamila Ribeiro é uma das mais importantes e intelectuais do mundo hoje.

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No país com a maior população negra fora da África, a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado: a partir de um dado como tal, a escritora denuncia o racismo estrutural como uma das bases mais fortes de toda relação social no Brasil.

O uso da palavra ‘genocídio’ no combate ao racismo estrutural

“O racismo estrutura a sociedade brasileira, e, assim sendo, está em todo lugar”, escreveu.

A autora e filósofa Djamila Ribeiro no Roda Viva

A autora como entrevistada do programa Roda Viva.

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Nesse mesmo país, uma mulher é assassinada a cada duas horas, estuprada a cada 11 minutos ou agredida a cada 5 minutos, e uma verdadeira cultura do estupro é perpetuada diariamente – é também nesse contexto que a ativista sedia sua luta na causa feminista. “A gente luta por uma sociedade em que mulheres possam ser consideradas pessoas, que elas não sejam violentadas pelo fato de serem mulheres”.

O que é lugar de fala, segundo Djamila?

Mas antes mesmo da luta propriamente, vem a própria fala: numa sociedade patriarcal, desigual e racista, dominada pelo discurso do homem branco e heterossexual, quem pode falar?

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Djamila começou a amplificar sua voz inicialmente pela internet, onde conquistou milhões de seguidores através de seus textos e posts enquanto se tornava mestra em Filosofia Política pela Unifesp. E foi também nas redes que o debate ao redor da questão do lugar de fala se popularizou e foi questionado e enfrentado na prática.

"O que é Lugar de Fala?", livro de 2017 de Djamila Ribeiro

“O que é Lugar de Fala?”, livro de 2017 de Djamila Ribeiro.

 “Esse regime de autorização discursiva impede que esses considerados ‘outros’ façam parte desse regime e tenham o mesmo direito à voz – e não no sentido de emitir palavras, mas de existência”, diz a autora, que aprofundou o tema em seu livro O que é Lugar de fala?, que também inaugurou a coleção Feminismo Plurais.

“Quando a gente fala de ‘lugar de fala’, a gente está falando de lugar social, de localização de poder dentro da estrutura, e não a partir da vivência ou da experiência individual”, ela diz. Coordenada por Djamila, a coleção busca a publicação de “conteúdo crítico produzido por pessoas negras, sobretudo mulheres, a preço acessível e linguagem didática”.

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“Quem tem medo do feminismo negro?”

O sucesso do livro, finalista do ‘Prêmio Jabuti’ em 2018, abriu um segundo ato na vida, carreira e militância de Djamila: se a internet era antes seu principal cenário, os livros e a colaboração com publicações, programas de TV e outros meios passaram também a funcionar como campo para seu trabalho e luta.

Quem tem medo do feminismo negro?’ reúne artigos publicados mas também um ensaio inédito e autobiográfico, no qual a autora olha para a própria história para debater temas como silenciamento, empoderamento feminino, interseccionalidade, cotas raciais e, claro, racismo, feminismo, e a singularidade do feminismo negro.

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Quem tem medo do feminismo negro?: Djamila e seu livro lançado em 2019

Quem tem medo do feminismo negro?: Djamila e seu livro lançado em 2018.

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“O feminismo negro não é uma luta meramente identitária, até pq branquitude e masculinidade também são identidades. (…) minha experiência de vida foi marcada pelo incomodo de uma incompreensão fundamental”, escreveu. “Na maior parte da minha infância de adolescência não tinha consciência de mim, não sabia por que sentia vergonha de levantar a mão quando a professora fazia uma pergunta já supondo que eu não saberia a resposta, por que os meninos diziam na minha cara que não queriam formar par com a ‘neguinha da festa junina’”.

A importância da luta antirracista

Em 2020, o sucesso popular do livro ‘Pequeno Manual Antirracista’ foi coroado com a conquista, na categoria “Ciências Humanas”, do Prêmio Jabuti. Além de tratar de temas como negritude, branquitude e violência racial, o livro propõe caminhos e reflexões para quem deseja de fato olhar de frente à questão das discriminações racistas, o racismo estrutural, em nome da transformação de tal quadro – como uma luta cotidiana e geral: de todos.

Djamila Ribeiro e seu livro Pequeno Manual Antirracista

Pequeno Manual Antirracista foi consagrado como vencedor na categoria Ciências Humanas do Prêmio Jabuti em 2020.

“Não basta só reconhecer o privilégio, precisa ter ação antirracista de fato. Ir a manifestações é uma delas, apoiar projetos importantes que visem à melhoria de vida das populações negras é importante, ler intelectuais negros, colocar na bibliografia”, diz.

A busca do livro foi trazer em capítulos curtos e pungentes algumas ações antirracistas, na prática, capazes de fazer a responsabilização se traduzir em atos. Entre os 11 capítulos estão sugestões como de se informar sobre o racismo, enxergar a negritude, reconhecer os privilégios da branquitude, a percepção do racismo em você, oferecer apoio a políticas afirmativas, e mais – além de sublinhar o pensamento e o conhecimento de uma série de outros autores e autoras fundamentais.

Obras da coleção Feminismos Plurais

Obras da coleção Feminismos Plurais.

Quem é Djamila Ribeiro?

Nascida em Santos em 1980, Djamila Taís Ribeiro dos Santos compreendeu-se feminista quando conheceu a Casa de Cultura da Mulher Negra, ONG em defesa da dos direitos das mulheres e da população negra em sua cidade natal, quando tinha 18 anos. Djamila trabalhou no local, onde atendeu mulheres vítimas de violência, e a partir dessa experiência começou a estudar questões raciais e de gênero. A relação com a militância, porém, é anterior, e vem em muito de seu pai, estivador, militante e comunista.

Djamila na capa da revista Forbes como uma das 20 personalidades de maior destaque no Brasil

Djamila na capa da revista Forbes como uma das 20 personalidades de maior destaque no Brasil.

Em 2012, Djamila tornou-se mestra em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com a dissertação “Simone de Beauvoir e Judith Butler : aproximações e distanciamentos e os critérios da ação política”.

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Colunista na Folha de S. Paulo e na Elle Brasil, a autora foi nomeada em 2016 como secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania em São Paulo, e recebeu prêmios como Prêmio Cidadão SP em Direitos Humanos, em 2016, Melhor colunista no Troféu Mulher Imprensa em 2018, Prêmio Dandara dos Palmares e outros, Sua atuação fez com que a ONU a reconhecesse como entre as 100 pessoas mais influentes do mundo abaixo de 40 anos – e o futuro do Brasil necessariamente passa pelo pensamento e a luta de Djamila Ribeiro.

Djamila Ribeiro

Segundo a ONU, Djamila está entre as 100 pessoas mais influentes do mundo abaixo de 40 anos.

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Foto 1: Wikimedia Commons

Fotos 2, 5 e 8: Reprodução/Instagram

Foto 3 e 6: Reprodução/Divulgação

Foto 4: Reprodução/Facebook

Foto 7: Reprodução/Forbes

 

 

 


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