Ciência

Inscrições milenares desmascaram o mito do analfabetismo de civilizações africanas antigas

22 • 06 • 2021 às 19:19
Atualizada em 25 • 06 • 2021 às 10:15
Redação Hypeness
Redação Hypeness Acreditamos no poder da INSPIRAÇÃO. Uma boa fotografia, uma grande história, uma mega iniciativa ou mesmo uma pequena invenção. Todas elas podem transformar o seu jeito de enxergar o mundo.

Quando aprendemos sobre história na escola, pouco falamos sobre África. Tirando o estudo da origem da humanidade e, em raros casos, os movimentos de libertação contra o colonialismo no século passado, é raro falar sobre o continente no nosso ensino básico. E isso nos faz acreditar em uma farsa criada pela Europa: a de que os povos africanos eram analfabetos e a escrita só chegou àquelas terras por intermédio dos brancos ou dos árabes.

– País Dogon e a importância do Mali na origem da vida e criação do mundo

Escrita em púnico e em numidiano em uma placa de adoração à Deusa Tanit descoberta em ruínas de Cartago

Isso é uma farsa: os púnicos, povos que habitavam a região da atual Tunísia, tem uma longa tradição de escrita desde antes da chegada dos califados ao norte da África. Em Cartago, os púnicos – descendentes diretos dos fenícios – possuíam uma sociedade altamente desenvolvida, com escrita e livros, que tem seus primeiros registros com mais de 1300 anos de idade.

– Estas 5 civilizações africanas são tão impressionantes quanto a do Egito

Um exemplo até anterior aos escritos púnicos é o idioma numidiano, também chamado em sua versão escrita de líbio-berbere, encontrado em toda a região que vai da Argélia até a Líbia, com registros escritos que datam do século II antes de Cristo.

O líbio-berbere é um exemplo tão evidente de que os povos africanos dominavam a escrita que ele é a base para a escrita tuaregue e tamazigue, utilizada por diversos povos que habitam hoje a região noroeste da África, em países como Saara Ocidental, Marrocos, Argélia, Mauritânia e Líbia.

Mas até intelectuais europeus renomados, como o sociólogo Pierre Bourdieu, que negava a ideia de uma ‘superioridade europeia’ em relação aos povos colonizados, negava que os cartagineses teriam escrito aquilo.

Placa bilíngue em púnico cartaginês e em numidiano no mausoléu de Ateban, príncipe númida. Artefato foi encontrado em Dougga, atual Tunísia

“O líbico berbere revela uma destruição ainda mais perigosa do que a colonização: a violência epistemológica dos mais bem intencionados intelectuais europeus. Existem uma série de europeus arrogantes da academia que insistiram na ideia de que africanos nunca escreveram e que nunca poderiam escrever livros, como o próprio Bordieu”, afirma o professor Vance Smith, medievalista do Departamento de Inglês da Universidade de Princeton, em artigo para a revista Aeon.

– A vila no Saara que preserva milhares de textos antigos em bibliotecas no deserto

Ele levanta que, durante sua análise dos cabila, um povo berbere da Argélia, eles não teriam linguagem escrita – fator decisivo para ele em sua teoria para qualificar uma sociedade -, mas o fato é que os cabila tinham suas leis escritas e utilizavam a escrita em alguns momentos de sua vida.  Ao negar esse dado, Bourdieu comete uma agressão e inferioriza o povo cabila.

“O exemplo de Bourdieu mostra que até os mais compromissados intelectuais, até os mais geniais – e talvez especialmente os mais geniais – de nós podem simplesmente ignorar a escrita da vida das pessoas e esconder uma língua que foi propositalmente escondida por tanto tempo”, completa Vance Smith.

Publicidade

Fotos: Divulgação/British Museum


Canais Especiais Hypeness