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A morte do presidente haitiano Juvenel Moïse colocou o país no centro das notícias do mundo novamente, onze anos após o trágico terremoto de 2010 que matou mais de 200 mil pessoas na ilha que detém o pior índice de desenvolvimento humano das Américas.
O tratamento da imprensa ao Haiti sempre costuma ocultar alguns dos fatos cruciais para compreender a história desse país. O país sofreu a mais violenta das colonizações nas Américas sob o regime francês, no século passado foi ocupado militarmente pelos EUA e a continuidade das interferências externas no país – como a ocupação militar brasileira sob ordens da ONU – conduziram a ilha à uma sequência de desastres humanitários.
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O Haiti se tornou uma posse colonial francesa em 1625. O empreendimento da coroa da França na ilha de Saint Domingue – que inclui o atual território haitiano e a República Dominicana – era extremamente lucrativo. Daí surgiu o nome de ‘Pérola das Antilhas’. Mais de 80% das exportações francesas partiam das terras haitianas e boa parte da força de trabalho encontrada na ilha naquele momento era de negros escravizados trazidos da África.
A expectativa de vida média dos africanos levados para o Haiti era de cinco anos de sobrevivência após a escravização. A maior parte da população era constituída de negros que eram forçados a trabalhar para os brancos franceses.
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Os escravizados e desamparados daquele país viram que a revolução francesa de 1789 e a revolução americana de 1779 pregavam valores de liberdade, igualdade e fraternidade, mas não incluíam os escravizados no âmbito desses ideais.
Dessalines e Louverture, dois heróis revolucionários do Haiti e símbolos nacionais de libertação anti-colonial até hoje
Uma revolta de escravizados se instaurou no país em 1791, dois anos após a revolução francesa. Liderados por Jean Jacques Dessalines e Toussaint Louverture, a população negra da ilha se revoltou contra os colonizadores e o país comandou a primeira revolução independentista das Américas. Além disso, o Haiti foi o primeiro país a abolir a escravidão no Novo Mundo.
A mais bela das revoluções na América acabou apagada da história e pouco se conta sobre sua história, que envolve realistas franceses, a influência da Espanha – que via na influência haitiana sobre as colônias um potencial risco para suas posses e até os EUA entraram no conflito. Como não podemos entrar nas profundidades desse conflito, recomendamos a leitura de ‘Os Jacobinos Negros’, de CLR James, uma obra prima sobre o pensamento politico desses revolucionários.
Em 1804, o Haiti confirma sua independência e derrota as forças inimigas, se tornando o primeiro país de facto independente das Américas. Entretanto, a consolidação da revolução levou a um massacre de franceses no país: foram mais de 50 mil colonos mortos. A comunidade internacional não gostou do exemplo dado pelos escravizados e até 1825, o país viveu em um embargo econômico.
Nesse ano, o rei Carlos V da França promoveu um acordo com o então presidente haitiano, Jean-Pierre Boyer. A ilha teria de reaver a França por suas terras no total de 150 milhões de francos, valor impensável e inimaginável para a produção econômica haitiana naquela época. Seriam algo como US$21 bilhões de dólares nos dias de hoje – 30% a mais do que o PIB anual do país atualmente.
Monumento ao Imperador Dessalines em Port-au-Prince
Boyer foi forçado a aceitar: a França havia cercado militarmente a ilha de Saint Domingue. Ele aceitou o acordo. Então, um banco francês emprestou o dinheiro e então o país ficou de joelhos aos colonos: foram 122 anos pagando a dívida, que só foi quitada em 1947. Os juros tornaram esse valor exorbitante em algo ainda pior.
A dívida externa com a França acabou, mas o país continuou sendo refém das potências internacionais.
Os EUA sempre viram o Haiti com bons olhos para aumentar sua influência na comunidade mundial e planejava fazer investimentos no país para tentar barrar a presença francesa no Caribe. No início da década de 1910, um banco privado americano (ou melhor, o Citibank, aquele mesmo) comprou o Banco Nacional da República do Haiti – algo como o nosso Banco Central – e começou a financiar a desestabilização do país.
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Em 1915, com a crescente presença da comunidade alemã na Ilha e uma crise política grave que tomava o país causada pela dívida com a França, os EUA viram a conjuntura perfeita para intervir no país (quem diria, né). O presidente Jean Vilbrun Guillaume Sam foi assassinado em fevereiro e, sob o comando de Woodrow Wilson, os militares americanos tomaram o controle da ilha.
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Durante os anos da presença americana no Haiti, houve sequenciais abusos contra os negros no país, massacres contra opositores e outras violações contra os direitos humanos.
A ocupação durou até 1934, mas a dívida externa do país se manteve alta. Foi somente sob o governo de Dumarsais Estimé, em 1947, que o país conseguiu acertar suas contas com os seus credores internacionais e instaurou diversas reformas, incluindo a criação de uma rede de bem-estar social mas, adivinhem: foi vítima de um golpe.
Entre golpes e eleições, o país chega em 1957 com François Duvalier no posto de presidente. O Haiti estava dramaticamente debilitado economicamente por conta do furacão Hazel, que havia atingido o país. Com aspirações populistas, Duvalier era tudo que uma nação em crise costuma eleger antes de entrar em uma outra crise mais profunda.
Ditador, o ‘Papa Doc’ como era chamado se tornou um dos ditadores ao bom modo latino-americano, com uma dose extra de culto à personalidade e uso da religião em seu benefício. John Kennedy até tentou lutar contra o presidente, mas posteriormente, os EUA passaram a ajudar a ditadura de Papa Doc por sua proximidade de Cuba, principal inimigo americano no Caribe.
Duvalier estabilizou o país brevemente, mas logo começou a emplacar seu plano autoritário. Papa Doc foi se tornando um dos mais sanguinários ditadores de toda a América Latina e fez com que o país voltasse à sua herança maldita: a dívida externa.
Durante seu governo, Papa Doc contraiu diversas dívidas com entidades internacionais, incluindo o FMI, especialmente para reconstruir a ilha de desastres naturais. Foram 19 anos no poder, até que as revoltas anti-Duvalier estouram em um país novamente em posto frangalhos pela comunidade internacional.
Essa matéria se propôs à tarefa ingrata de tentar resumir brevemente a história de um país com uma tortuosa trajetória diplomática e política. Mas, talvez, tudo que queremos dizer possa se resumir aqui: a crise política e humanitária vivida pelo Haiti tem raízes históricas profundas e sua principal causa é a colonização.
A lógica colonialista não abandonou a ilha nem mesmo com a redemocratização do país: as sequenciais crises no país e a Missão de Paz da ONU no Haiti – sob o comando brasileiro – não foram capazes de estabilizar a nação haitiana.
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O trabalho da ONU no país caribenho foi um grande fracasso e a prova está na morte de Juvenel Moïse. A influência internacional foi responsável pela eleição desse presidente, um homem de extrema-direita apoiado por Donald Trump. Agora, com sua morte, resta saber qual será a postura do governo Biden em relação à ilha.
Nenhuma pessoa foi vacinada contra a covid-19 no Haiti até agora. A dívida externa do país só cresceu desde o terremoto de 2010. Moïse, que de santo não tinha nada, morreu em sua residência particular porque até agora o Palácio Presidencial não foi reconstruído, dez anos após o desastre natural.
A França e os EUA deveriam reparar os custos de suas ocupações e colonizações no Haiti. É o mínimo que dois países democráticos poderiam fazer. E os 30 e poucos bilhões que isso representaria nos dias de hoje não é nem um dia do PIB dessas potências. Até lá, crise.
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