Inspiração

Adamitas: hereges que praticavam o amor livre e a nudez sagrada como os primeiros hippies no século II

20 • 08 • 2021 às 10:44
Atualizada em 23 • 08 • 2021 às 21:13
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

A história da Igreja Católica é também a história dos grupos hereges, aqueles que justamente contrariavam o totalitarismo da instituição, dentro ou fora da própria filosofia cristã. Entre tais grupos que buscaram versões alternativas ou mesmo livres da religião ao longo dos séculos, uma delas se destaca por uma hipótese singular: seriam os Adamitas, membros de uma chamada “seita” cristã primitiva considerada herege, os primeiros hippies? A suposição, sem resposta objetiva possível mas com muitas vias ricos de pesquisa, sugere o grupo como um ponto de partida vital para o movimento que tomaria os jovens do mundo com liberdade na década de 60 do século passado.

"Assembléia noturna dos Adamitas"

“Assembléia noturna dos Adamitas”

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O grupo existiu no norte da África entre os séculos II e IV, defendendo fundamentalmente o retorno ao que compreendiam como a inocência inicial de Adão e Eva. O que vivenciavam, porém, é chamado por pesquisadores de um surpreendente “misticismo sensual”: praticantes de um “nudismo sagrado”, os Adamitas rejeitavam o casamento e buscavam a emancipação total das chamadas leis morais ou do mundo, criam que toda ação livre e nem boa nem má, e dançavam completamente nus durante os cultos – em uma igreja que chamavam simplesmente de “paraíso”.

"Jardim das Delícias Terrenas", de Hieronymous Bosch, quadro possivelmente inspirado nos Andomitas

“Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymous Bosch, quadro possivelmente inspirado nos Adamitas

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Para eles, o casamento com seu sentido de propriedade entre duas pessoas era essencialmente baseado no pecado, e por isso a liberdade de tais traços institucionais era fundamental para o tal retorno à “inocência” – e à liberdade. Segundo historiadores, o amor livre era a regra, e a castidade era o contrário do caminho ao paraíso. As noções de propriedade também eram abolidas em alguns “braços” do grupo, que viviam em comunidade total – e assim é fácil de compreender o motivo pelo qual foram radicalmente perseguidos pela Igreja, principalmente após a adesão do Império Romano ao cristianismo, e inspiraram outros coletivos desde então, durante a Idade Média, a modernidade, chegando aos hippies do passado recente e de hoje.

Panfleto inglês sobre os neo-andamitas no século XVII

Panfleto inglês sobre os neo-adamitas no século XVII

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Foi, assim, o imperador Constantino, responsável por tornar Roma em um império cristão, que acabou com a celebração da nudez e do amor livre dos Adamitas do passado, ao perseguir com fúria e inclemência os grupos hereges que não se submetiam aos desmandos cristãos determinados pelos romanos e a instituição. A constatação dessa possível origem do pensamento e da experiência hippie como uma afirmação de liberdade ancestral pode iluminar, afinal, o motivo pelo qual tal pensamento segue tão popular até hoje, desde os anos 1960 – ou do século II.

Prisão de grupo neo-adamita em Amsterdam na Idade Média

Prisão de grupo neo-adamita em Amsterdam na Idade Média

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© fotos: Wikimedia Commons


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