Diversidade

Diamante da Tiffany usado por Beyoncé e o colonialismo na África do Sul

29 • 08 • 2021 às 16:41
Atualizada em 02 • 09 • 2021 às 16:33
Vitor Paiva
Vitor Paiva   Redator Vitor Paiva é jornalista, escritor, pesquisador e músico. Nascido no Rio de Janeiro, é Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Trabalhou em diversas publicações desde o início dos anos 2000, escrevendo especialmente sobre música, literatura, contracultura e história da arte.

Atualmente cada nova aparição de Beyoncé se faz em história, e vira natural motivo de interesse e mesmo polêmica eventual – e com a imagem da cantora vestindo o famoso diamante amarelo da Tiffany & Co. ao lado de seu marido Jay-Z para uma campanha da joalheria nova-iorquina não seria diferente.

Mais do que uma simples peça de luxo em uma foto publicitária, a pedra preciosa usada por Beyoncé traz uma longa e complexa história, que motivou as reações intensas e cobranças diante do fato da artista se tornar a primeira mulher negra a vestir a pedra preciosa amarela, tendo como pano de fundo e ponto de contraste o fundamental impacto do trabalho da artista pela afirmação e autoestima da população negra na atualidade.

Beyoncé e Jay-Z com o diamante da Tiffany

Beyoncé se tornou a quarta pessoa a usar o diamante para a campanha © Tiffany/divulgação

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O diamante 

O diamante amarelo é de tal forma emblemático para a mais famosa joalheria do mundo que o nome pelo qual a pedra é conhecida é simplesmente o mesmo da própria marca: o “Diamante Tiffany” tem 128 quilates e 82 facetas, e é mantido em permanente exibição no primeiro piso da joalheria em Manhattan desde sua inauguração, em 1940.

Para além do brilho raro e hipnotizante, da beleza estonteante e rara da peça e do imenso valor que a pedra possui, sua história se mistura com a história do racismo, da exploração e da violência contra a população negra da África do Sul, onde o “rei dos diamantes” foi descoberto e extraído.

Beyoncé e Jay-Z em campanha para a Tiffany

O uso da pedra pela artista tornou-se motivo de debate em todo o mundo © Tiffany/divulgação

Diamante Amarelo da Tiffany

O “Diamante Amarelo” da Tiffany é considerada uma das pedras mais famosos do mundo © Tiffany/divulgação

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Em raras ocasiões o diamante amarelo é posto em uma joia para ser usado em público: antes de Beyoncé a pedra pela primeira vez adornou um pescoço em 1957, vestida pela socialite Mary Whitehouse para um baile filantropo.

Quatro anos depois, em 1961, a joia seria usada pela atriz Audrey Hepburn para as fotos publicitárias do filme “Bonequinha de Luxo” – que, em inglês, se chama “Breakfast at Tiffany’s”, título que teria a tradução literal de “Café da manhã na Tiffany”. Em 2019 foi Lady Gaga a última artista a usar a pedra, como joia principal de um colar coberto de diamantes para a festa do Oscar na qual conquistou a estatueta de Melhor Canção pelo filme “Nasce uma Estrela”.

Origem do diamante

O ponto das críticas recebidas por Beyoncé ao vestir o diamante está justamente na origem da pedra, extraída em 1877 da mina Kimberley, na África do Sul, e comprada por 18 mil dólares por Charles Lewis Tiffany. À época a realidade do país era marcada por uma intensa corrida por ouro e diamantes: mais de 2700 quilos de diamante foram retirados da mina, em exploração que evidentemente não retornou como riqueza para o povo sul-africano.

A polêmica envolveu até mesmo o autor de novelas Aguinaldo Silva e a atriz Jéssica Ellen, em debate sobre o uso do diamante amarelo da Tiffany, avaliado hoje em mais de 160 milhões de reais, pela cantora.

Diamante Amarelo da Tiffany

A pedra em exposição na loja, em Manhattan Diamante © divulgação

Diamante Amarelo da Tiffany

Antes de ser posto no colar que Beyoncé usou, a pedra estava em um broche na Tiffany © divulgação

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Mais de 10 mil trabalhadores negros trabalharam na mina, seguindo o sonho de enriquecer, mas enfrentando uma realidade de violência e exploração mera. Para além da imensa desigualdade econômica, a mineração impulsionou a Guerra dos Boêres, conflito entre os exploradores ingleses e boêres, descendentes dos holandeses, colonizadores anteriores, em contexto no qual a política racista do Apartheid que marcaria o país a partir da segunda metade do século XX começou a ser fomentada e informalmente praticada.

Audrey Hepburn com o diamante da Tiffany

Audrey Hepburn usou a pedra em um colar para a divulgação do filme “Bonequinha de Luxo” © Getty Images

Lady Gaga com o diamante da Tiffany

Em 2019, Lady Gaga usou o diamante para vencer o Oscar © Getty Images

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Esse é o pano de fundo da polêmica ao redor da decisão de Beyoncé de se tornar a primeira mulher negra a vestir uma pedra vista como símbolo de uma longa história de exploração e violência na África do Sul, bem como da própria desigualdade racial e econômica, e do apagamento dessa exploração pelo glamour da indústria cultural.

O debate, portanto, aponta para a diferença no peso da cobrança sobre uma mulher negra em destaque, dentro do contexto de um sistema, no entanto, que sempre explora e dissemina a mesma desigualdade que rouba o diamante, o transforma em símbolo de riqueza, segrega e violenta um povo e, ao mesmo tempo, cobra demasiadamente da primeira mulher negra a vesti-lo.

Jay-Z e Beyoncé em campanha para a Tiffany

Beyoncé é a primeira mulher negra a vestir a joia, conhecida como “Rei dos diamantes” © divulgação

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