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Hoje, é consenso que o rap nacional é parte importante da cultura brasileira. Do mundo do underground dos anos 90 até a ascensão ao mainstream dos anos recentes, o rap é uma das formas de arte que mais revela sobre a realidade brasileira. Das rimas afiadas do Facção Central em ‘A Marcha Fúnebre Prossegue’ até a poesia de Emicida em ‘Amarelo’, a mudança na lírica e na produção do rap nacional mostra uma história incrível da música popular brasileira.
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Do Brasil recém saído da ditadura com uma massa de desenganados na voz dos Racionais até o país em que vivemos hoje, com mais diversidade e representatividade, na voz de Rico Dalasam, passando por momentos de ascensão social e crise política, o rap nacional pode ser uma forma de contar a história do nosso Brasil. Se as rimas por trás do beat são uma das vozes da periferia, a
A saída do Brasil da ditadura militar não foi um mar de rosas. A abertura política não significou em um primeiro momento ascensão econômica ou redução da desigualdade. A polícia que herdava de forma ainda mais direta as práticas da ditadura militar e uma crise econômica desoladora de hiperinflação e desabastecimento assolava o nosso país.
Até Mano Brown, visceral narrador do Brasil da lama dos anos 90, mudou a temática de suas letras; em seu trabalho mais recentes, o rapper se mostrou um romântico inveterado
Foi nesse duro cenário para as periferias brasileiras que um som emergente passou a ecoar de forma mais profunda. Racionais MCs, RZO, Sabotage e Facção Central denunciavam os escândalos da realidade brasileiro, conscientizando as periferias do país sobre o desalento vivido no país.
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Entre 1990 e meados dos anos 2000, o rap nacional viveu seu momento ‘clássico’. Discos como ‘Raio X do Brasil’ e ‘Sobrevivendo no Inferno’, dos Racionais, ‘Rap É Compromisso!’, de Sabotage, ‘Versos Sangrentos’, do Facção e ‘Todos São Manos’, do RZO, se mostraram verdadeiras pérolas para denunciar o racismo, a desigualdade social e a vida em uma periferia verdadeiramente quebrada. E uma letra que pode mostrar isso de forma clara é a canção ’12 de outubro’, dos Racionais:
“Eu fico pensando quantas mortes, quantas tragédias em família, o governo já não causou com a incompetência, com a falta de humanidade? Quantas pessoas num morreram de frustração, de desgosto? Longe do pai, longe da mãe, dentro de cadeia
Por culpa da incompetência desses aí, entendeu?”
Após a confirmação de Luis Inácio Lula da Silva e nos anos subsequentes, o rap nacional ganhou novos tons: os problemas sociais continuavam existindo, mas uma sensação de prosperidade e a factual ascensão da classe média ganharam novos contornos ao rap. Agora, não somente era necessário falar das questões sociais, mas valorizar novas conquistas.
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A figura de Marcelo D2, antes consagrada no Planet Hemp, assume o seu lado rapper e encarna de vez o som para trazer uma nova cara para o rap nacional; ‘A Procura da Batida Perfeita’, de 2003, embalava uma pegada mais dançante para o rap, em uma produção que trazia elementos do rock e do samba. Black Alien, também egresso do Planet Hemp, lançou o clássico Babylon by Gus volume 1, que também seguia em uma pegada inventiva na produção e com letras incríveis. Vale também fazer uma honra ao trabalho do Instituto, no disco ‘Coleção Nacional’, que já dava um novo tom para o rap brasileiro em 2002:
Mas talvez o disco que mais elucide essa era de ascensão social seja o debutasso de Emicida, ‘Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, até que Eu Cheguei Longe…‘. O disco marcava a chegada de um MC oriundo das batalhas de rap para o mainstream e a lógica da ascensão social com tom crítico já estava claro na lírica de Emicida. O melhor exemplo é a canção ‘Triunfo’:
Na primeira metade da década de 2010, o rap nacional era dominado principalmente por dois nomes: Emicida e Criolo. Oriundos das batalhas de rima, esses dois compositores se tornaram o carro-chefe do som com beats inventivos e letras extremamente sofisticadas.
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“Nó Na Orelha”, disco de Criolo lançado em 2011 já mostrava um novo caminho do rap: o jazz aparecia, a MPB aparecia, o samba aparecia de forma mais intensa. O trabalho se tornaria ainda mais arrojado no seu disco seguinte, ‘Convoque Seu Buda’.
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Os governos do PT não foram suficientes e não conseguiram resolver a desigualdade no país. Temas como homofobia, racismo, crise imobiliária e os acordos do governo de esquerda com evangélicos apareciam de forma mais intensa nas letras e o rap era uma voz importante para a crise iminente que estouraria à nível nacional.
O gênero foi se tornando cada vez mais diverso; os trabalhos ganharam novas dimensões. Por um lado, se abriu o caminho para um rap de cunho mais romântico. Baco Exu do Blues, por exemplo, é um nome crucial para esse fenômeno. Por outro lado, a violência também voltou nas ácidas letras de Djonga. Ainda considerado um meio homofóbico, as portas para os LGBTQIA+ também foram abertas com nomes como Rico Dalasam e Monna Brutal.
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Mas não podemos negar a importância das mulheres dentro do mundo do rap. Se anteriormente elas haviam sido apagadas, na década de 2010 elas não puderam ser silenciadas no rap nacional. Karol Conká, Drika Barbosa, Flora Matos, Tássia Reis, Preta Rara e muitas outras ganharam as paradas.
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Independentemente de realities, o trabalho de Karol Conká é essencial para o rap nacional; ela abriu portas para diversas outras MCs dentro da cena e se tornou ícone do empoderamento feminino negro
Os temas foram se diversificando: o debate sobre feminismo, saúde mental, identidade de gênero e orientação sexual se tornaram cada vez mais comuns dentro das letras. O racismo e a desigualdade social brasileira não foram abandonados, mas se conjugaram com questões subjetivas de diversos MCs e nunca se teve um panorama tão rico dentro da lírica do rap nacional. Conduzido por homens e mulheres negros, o debate se tornou cada vez mais rico.
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“Eu aprendi que o hip hop nos faz mudar um hábito, uma mentalidade, pra depois mudar nossa realidade. Mas no meio de todo esse processo, tiveram várias outras músicas que também contribuíram pra eu me tornar mais forte. Esse mês faz 43 anos que o Belchior lançou Alucinação e o verso “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” tá fazendo mais sentido do que nunca”, afirmou Emicida nas redes sociais.
Então vamos com ela, ‘AmarElo’:
O mundo cada vez mais diverso da produção musical traz novos panoramas para a música nacional; o brime – grime brasileiro, inspirado no rap britânico – passa a crescer, além dá já clara ascensão do trap, com a Recayd Mob e outros nomes, além dos já mainstream ‘Poesia Acústica’.
Os temas tendem a se diversificar – tem até rap de direita! -, mas a subjetividade certamente se tornará cada vez mais relevante em um mundo de narrativas individuais como o que vivemos atualmente. Como sabemos, os próximos dez anos não terão a solução das questões sociais brasileiras e, portanto, veremos ainda mais luta política nas estrofes rimadas por aí. Vale ficar de ouvido atento, o rap nacional vai se tornar cada vez mais rico.
“O Rap se transforma junto com o mundo. É uma música viva e questionadora. O Rap nacional representa a possibilidade de uma transformação na juventude, que vai transformar o nosso país e o mundo”, explica Filipe Ret, um dos principais nomes do gênero no Brasil.
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