Debate

Companhia das Letras recolhe livro que romantiza escravidão com crianças brincando em navio negreiro

15 • 09 • 2021 às 17:46
Atualizada em 15 • 09 • 2021 às 18:11
Redação Hypeness
Redação Hypeness Acreditamos no poder da INSPIRAÇÃO. Uma boa fotografia, uma grande história, uma mega iniciativa ou mesmo uma pequena invenção. Todas elas podem transformar o seu jeito de enxergar o mundo.

A Companhia das Letras recolheu o livro ‘Abecê da Liberdade’, uma biografia do pensador brasileiro Luís Gama direcionada à crianças. O livro entrou no debate público por conta de seu texto, considerado de péssimo tom, e por ilustrações que mostram crianças brincando em um navio negreiro.

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O livro não é editado pela Companhia das Letrinhas, mas teve uma reimpressão com o selo da companhia. A empresa alegou que não revisou a publicação.

abecê da liberdade

Livro causou polêmica por tom que romantiza a escravidão

A obra foi escrita por José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, dois autores brancos. Confira trecho do livro e tire suas próprias conclusões:

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“Eu, a Getulina e as outras crianças estávamos tristes nos (sic) começo, mas depois fomos conversando, daí passamos a brincar de pega-pega, esconde-esconde, escravos de Jó (o que é bem engraçado, porque nós éramos escravos de verdade), e até pulamos corda, ou melhor, corrente”, diz o texto na página 27. “Nem parecia que íamos ser comprados por pessoas brancas e trabalhar de graça para elas até a morte.”

As ilustrações também colaboram para a visão de que o livro romantiza a escravidão.

Ilustração mostra crianças brincando em navio negreiro

O livro causou furor nas redes sociais, gerando críticas de intelectuais por conta do tom utilizado pelo texto e pelas ilustrações.

“Como pai e pesquisador de relações raciais, foi constrangedor ler o livro. O maior problema, para mim, é a romantização deste período de terror da história do Brasil. A maneira como está colocado no texto e nas ilustrações tira a importância do que foram esses fatos. A escravização foi real. O sofrimento foi real e deixou marcas históricas na forma como o negro é visto”, disse Lourival Aguiar, doutorando em Antropologia pela Universidade de São Paulo que pesquisa a questão racial, ao UOL.

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Outros profissionais negros se desligaram de projetos com a Companhia das Letras após tomarem conhecimento de ‘Abecê da Liberdade’:

Confira nota da Companhia das Letras:

“Recebemos recentemente críticas importantes ao conteúdo do livro Abecê da liberdade, de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, publicado originalmente pelo selo Alfaguara Infantil, da editora Objetiva, e incorporado, na reimpressão, ao selo Companhia das Letrinhas.

Lamentamos profundamente que esse ou qualquer conteúdo publicado pela editora tenha causado dor e/ou constrangimento aos leitores ou leitoras. Assumimos nossa falha no processo de reimpressão do livro, que foi feito automaticamente e sem uma releitura interna, e estamos em conversa com os autores para a necessária e ampla revisão. De toda maneira, como consideramos a crítica correta e oportuna, imediatamente disparamos o processo de recolhimento dos livros do mercado e interrompemos o fornecimento de nosso estoque atual. Esta edição agora está fora de mercado e não voltará a ser comercializada.

Aproveitamos para reforçar que estamos atentos aos processos de mudança em nossa sociedade e temos buscado formas de reler, a partir de uma perspectiva mais democrática e inclusiva, as obras infantis da Companhia, que são publicadas desde 1992, quando a Companhia das Letrinhas foi fundada. Há também um compromisso com os novos títulos: eles devem estar alinhados com as diretrizes de pluralidade e inclusão que vêm regendo o Grupo como um todo.

Reconhecemos nosso erro e pedimos, mais uma vez, desculpas aos leitores. Estamos dispostos e abertos para aprender com esse processo, para dele sairmos, todos nós, muito melhores.”

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Fotos: Reprodução/Cia. das Letras


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