Arte

Diáspora Conecta impulsiona e apoia produções negras para potencializar o cinema nacional

14 • 10 • 2021 às 12:39
Atualizada em 15 • 10 • 2021 às 08:53
Adriane Primo
Adriane Primo   Redatora Comunicadora, praieira nascida em Ilhéus, no sul da Bahia, nunca soube fazer outra coisa senão comunicação, em especial aquelas que envolvem arte, cultura e sociedade. Já escreveu para jornal, sites de notícias, atuou (e atua) em assessorias de imprensa, gerenciamento de redes sociais, pesquisa criativa e afins. Pensa, escreve e executa projetos de desenvolvimento social.

Fui ao cinema pela primeira vez aos 13 anos. Não lembro o nome do filme, mas era uma das produções da Disney. E só fui com essa idade porque tínhamos mudado para a capital.  Antes, só assistia filmes pela televisão. Não sei se porque só existia/existe apenas uma sala de cinema em Ilhéus, no sul da Bahia, mesmo com uma população de quase 160 mil habitantes, ou porque parecia/parece um lugar pouco atrativo para o uso de quem vive ou passa pela cidade.

O Emerson Dindo e o Leandro Santos, sócios-diretores da plataforma Diáspora Conecta, me fizeram resgatar essa memória quando em um momento da nossa entrevista mencionei erroneamente a palavra desprezo, ao me referir aos 19% da população brasileira que nunca assistiram filme nacional e aos 57% que assistiram poucas vezes, segundo pesquisa mais recente sobre hábitos culturais realizada pelo Itaú Cultural e Datafolha. Que apontou ainda, que nas cidades do interior do Nordeste, na região metropolitana de São Paulo e entre os homens, a taxa de quem nunca assistiu filmes nacionais no espaço cinema é muito maior. 

Esses dados, a minha memória, assim como a memória do próprio Dindo que tem uma experiência bem próxima a minha, são reflexos da complexidade estrutural da sociedade brasileira, que também molda a produção e consumo da arte no país. 

A falta de acesso aos bens culturais, a falta de salas de cinema na maioria das cidades, problemas relacionados à falta de acesso a internet, principalmente das populações das classes C, D e E das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, além das dificuldades enfrentadas pelos próprios realizadores brasileiros na comercialização de seus filmes. Tudo isso é resultado de uma política de governo que menospreza a cultura nacional e, esta sim, despreza o potencial econômico, criativo e cultural do setor cinematográfico”, alerta Leandro. 

Assim como há uma invasão de produções internacionais, há também uma tentativa de cristalização da zona sul do Rio de Janeiro como um modelo para todo o país”, afirma Emerson. E completa: “Pensar o cinema nacional e a sua aproximação com o público, passa essencialmente por revisar o modelo de trabalho e políticas públicas que foram aplicadas. Não é possível construir uma indústria forte, sustentável e justa, sem os cinemas negros, indígenas, de mulheres e LGBTQUIAP+.

Diáspora Conecta

Tanto Emerson como Leandro falam de um lugar que une muito estudo e trabalho. Leandro Santos é formado em Roteiro Cinematográfico na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños, Cuba, e agrega em seu currículo experiências como pesquisador, professor de roteiro e curador de mostras e festivais de cinema. Já Emerson Dindo tem formação em Administração de Empresas pela Faculdade de Tecnologia e Ciências da Bahia, é mestrando em Estudos Étnicos e Africanos na Universidade Federal da Bahia, e acumula em seu currículo a função de produtor, diretor, roteirista e pesquisador em projetos de cinema e televisão. Atualmente, dirige o documentário “Kakawa” (Brasil/Nigéria); é produtor e co-diretor da série “Retrato Íntimo” (Brasil); e é co-produtor do documentário “O navio e o Mar”, (Brasil/Moçambique/Portugal), premiado pelo Fundo William Greaves (USA), selecionado para o Talents Berlinale 2020 e Good Pitch Brazil. E os dois são sócios-diretores da Produtora Portátil e da plataforma baiana Diáspora Conecta.

Trata-se uma iniciativa engajada em garantir que cineastas negres do Brasil encontrem subsídios para aprimorar as suas habilidades, trabalhar as suas histórias e tornar os seus projetos mais competitivos e críticos para que possam acessar oportunidades de negócios com agentes da América Latina e de África. 

Lançada em 2018, a plataforma atua em três frentes para o desenvolvimento de carreiras de cineastas negres brasileiros, exclusivamente. A primeira é a área de formação, com a Escola Diáspora; a segunda, a área de difusão, através de Conferências/Diálogos; e a terceira, a área de criação/desenvolvimento de projetos, com o Diáspora Lab. Um formato que surgiu “após conversas constrangedoras durante as rodadas de negócio do Festival de Brasília, em 2017”, conta Leandro. 

Orgulho dos sócios, o Diáspora Lab é um programa de tutoria e assessoramento de projetos para roteiristas e produtores negres brasileiros, que conta com atividades direcionadas ao aprimoramento de narrativas audiovisuais em fase de desenvolvimento e à capacitação das habilidades criativas. A primeira edição aconteceu em 2018, em Cachoeira, no Recôncavo da Bahia, e reuniu grandes potências do cinema nacional. 

Diáspora Lab

Diáspora Lab – Ano 01 from Portátil on Vimeo.

Nos últimos dois anos, o Diáspora Lab recebeu 232 inscrições. Destes, 17 projetos e 25 profissionais, entre produtores e roteiristas, passaram pelas atividades do laboratório, ganharam força e seguem em trânsito. 

São muitos os projetos, mas destaco aqui o filme sobre a jogadora de futebol Formiga, que recentemente ganhou os noticiários com o anúncio de que será co-produzido pela HBO. “Miraildes Mota, a lendária Formiga”, da diretora Taís Amordivino, passou pelo Diáspora Lab em 2020. O filme “Um pouco de mim morreu quando você nasceu”, de Quézia Lopes, que aborda a relação entre mães e filhos com autismo, partindo da própria experiência materna da roteirista e diretora. O projeto levou dois prêmios na última edição, sendo eles o Prêmio Chavón e Prêmio Diáspora, que lhes proporcionaram uma imersão na Universidade Chavón, na República Dominicana, e o valor de R$10 mil. 

Também o projeto “Solina”, uma ficção que explora o realismo fantástico ambientado numa comunidade quilombola do Centro-Oeste do Brasil, tendo como roteirista e diretora Larissa Fernandes e produção de Lidiane Reis. O projeto passou pelo laboratório em 2018 e foi selecionado para dois grandes eventos de coprodução internacional, o Brasil CineMundi e BRLab. Além disso, Larissa se tornou curadora do Diáspora Lab e, estando dos dois lados da moeda, ressalta a importância dos laboratórios para quem quer seguir a carreira de diretora ou produtora. 

São espaços de muita troca e de aprendizado. Você estará expondo o seu projeto para análise, troca e consultorias com pessoas que já possuem muita experiência no mercado e isso contribui imensamente para o crescimento e desenvolvimento do seu projeto. Muitas vezes, um roteirista fica muito apegado a sua ideia inicial e não enxerga outros caminhos, e é em laboratórios que ele consegue perceber outras possibilidades e olhares narrativos para sua história.

Larissa Fernandes, à esquerda, e Paula Gomes, à direita.

Pensando em enriquecer os projetos e garantir sua qualidade Leandro e Emerson optam por trazer consultores que tenham uma escuta atenta e que ajudem a construir um cinema que ressoe a realidade do país, seja na frente ou por trás das câmeras. Um dos grandes lances da plataforma Diáspora Conecta é provocar a sociedade brasileira a mudar o olhar sobre seu próprio povo, a partir da imagem cinematográfica.

Nessa perspectiva, Leandro afirma que o Diáspora Lab toma como ponto de partida “a qualidade da escuta desses profissionais e o senso crítico e artístico do trabalho que elas vêm desenvolvendo ao longo de suas carreiras como cineastas”. Não à toa, na edição deste ano o time de consultoras é formado por Paula Gomes (Brasil), Tanya Valette (República Dominicana), Xenia Rivery (Cuba) e Lara Sousa (Moçambique). 

Paula Gomes é consultora de projetos de documentário desde a primeira edição do laboratório. Roteirista, produtora e diretora do premiado documentário “Jonas e o Circo sem Lona”, entre outras obras, Paula destaca que o acolhimento é uma das muitas potencialidades do Diáspora Lab

Porque os projetos chegam nesse momento tão frágil, e ao mesmo tempo tão importante, que é a etapa de desenvolvimento. Quando a ideia do filme já existe, está pulsando no coração do realizador ou da realizadora, mas ainda é preciso conseguir financiamento, ou trabalhar na forma, ou construir pontes para aquela história encontrar o público”. E afirma: “Quando histórias tão urgentes, tão potentes, ganham as telas, o nosso cinema e a nossa sociedade, com certeza, caminham alguns passos mais à frente.

Inscrições abertas

E para quem está buscando uma oportunidade para alavancar seu projeto, o Diáspora Lab 2021 está com inscrições abertas até o próximo dia 20 de outubro. Podem se inscrever pessoas negras, brasileiras, maiores de 18 anos, com projetos de longa-metragem de ficção ou de documentário em fase de desenvolvimento e que já tenham realizado ao menos 01 curta-metragem e/ou 01 longa-metragem e/ou 01 série de televisão. 

O laboratório será realizado ao longo de duas semanas, de 06 a 18 de dezembro de 2021, em formato remoto. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas através do preenchimento do formulário online disponível em www.diasporaconecta.com.br

Com curadoria do Nordeste Lab, o laboratório realizará pela primeira vez um pitch com profissionais do mercado brasileiro e internacional. Os produtores e roteiristas participantes contam ainda com um workshop preparatório para o pitch com profissionais especializados, além do Prêmio Miradasdoc, que vai selecionar um dos projetos de documentário para participar da próxima edição do Fórum de Coprodução África – América Latina AFROLATAM LAB, em 2021, com todas as despesas pagas.

Nos vemos nas telas!

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