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Ruan Arno Brockveld, de 24 anos, foi preso em flagrante na noite da segunda-feira (15) após uma operação encontrar 720 quilos de cocaína e seis quilos de crack em sua casa.
Os mais de R$ 25 milhões em drogas ganharam as manchetes de jornais dentro e fora de Santa Catarina, mas o que grande mote da notícia era o fato de que Ruan é filho do vice-presidente da Câmara dos Vereadores de Penha (SC), Maurício Brockveld (MDB).
E nós explicamos o que racismo tem a ver com tudo isso.
Playboy filho de vereador catarinense não foi chamado de traficante por imprensa brasileira
O portal de notícias catarinense NSC fez um perfil de Brockveld, narrando sua trajetória profissional. O jovem branco de classe média não foi chamado de traficante, mas foi lembrado por sua atuação como professor de artes marciais, por suas faixas pretas, pela atuação como empresário e até pela conquista do título de campeão de caratê estadual em 2021.
A matéria do portal de Santa Catarina escancarou o racismo estrutural presente em boa parte dos veículos de imprensa no Brasil. Jovens ricos e brancos que portam drogas são sempre os detentores de um direito básico previsto na constituição: o de presunção de inocência. Raramente eles são imputados como criminosos diretamente pelas redações jornalísticas.
Por outro lado, o jornalismo se refere historicamente aos jovens negros e pobres como “traficantes”, “bandidos” e outras formas de tratamento que antecedem a própria condenação pela Justiça.
O trabalho de um jornalista é tornar públicos os fatos de forma teoricamente neutra, abrindo espaço para acusadores e acusados, para a denúncia e para a defesa. Além disso, deveria ser regra jornalística a presunção de inocência: antes das condenações judiciais, ninguém é “traficante”, “bandido”, “assaltante”, etc.
O jornalismo não deve chamar de “traficante” quem não foi condenado por tráfico, seja branco ou preto, pobre ou rico. Adotada essa regra, não será chamado ‘traficante’ nem o filho do vereador flagrado com 720 kg nem o jovem periférico flagrado com 10g. (+)
— Demétrio Vecchioli (@Olhar_Olimpico) February 23, 2022
“Ah, mas se o cara tava com 720kg ele é traficante”. É a sua interpretação, e é a minha também. Mas quem julga não sou eu, não é você. Até ele ser julgado, ele não é traficante, é suspeito de tráfico, é alguém peso em flagrante por acusação de tráfico.
— Demétrio Vecchioli (@Olhar_Olimpico) February 23, 2022
Fato é que o tratamento recebido pelos jovens brancos de classe média na imprensa deve ser, na verdade, o padrão. Todos são inocentes até que se prove, efetivamente através de condenação judicial, o contrário. Entretanto, não é isso que se demonstra a atuação jornalística no Brasil.
Estudos no campo da análise de discurso e da teoria de comunicação mostram quer o jornalismo brasileiro, em especial o policial, tende a colocar o negro na posição de ator direto e mentor do crime e o jovem de classe média na posição de coadjuvante nas práticas criminosas.
– Capa apenas com empreendedores brancos mostra que jornalismo não encara o racismo
“A associação entre negro, pobreza e crime é indissociável na opinião pública e no discurso dos cadernos policiais. Dessa forma, a diferenciação entre atores pobres (em geral negros) e de classe média (geralmente brancos) em notícias de ocorrências policiais praticamente idênticas é um dos muitos reflexos do racismo “à brasileira” na mídia”, explica João Victor Pacifico Damasceno Rocha, mestre em lingüística pela UNB em seu TCC “Diferenciação racial de traficantes de drogas na mídia”.
Essa percepção não é exclusiva dentro do âmbito do jornalismo ou da linguagem, mas também possui reflexos importantes no próprio campo do direito. O jovem negro e pobre é pré-condenado na imprensa e pode ser publicamente taxado por um crime do qual é inocente.
“A mídia acaba julgando de forma prévia um crime, toma-se, por exemplo: de homicídio cometido principalmente por pessoas da classe mais rica, percebe-se de forma clara que o tratamento dispensado é diferente, o próprio linguajar jornalístico é mais polido, menos acusador”, explica o historiador e advogado João Augusto Lima de Oliveira, no TCC “A visão encriminalizadora dos negros a partir de manchetes de jornais”.
“A mídia é uma das maiores influências na estereotipia do criminoso, condenando ou absolvendo de forma prévia qualquer tipo de conduta. Por outro lado, quando o mesmo crime é cometido por parcelas mais empobrecidas da sociedade o tratamento é belicoso, aguerrido, expõe de forma abusiva os acusados como se já fossem condenados”, continua o especialista em história social afrobrasileira.
A grande questão aqui, porém, é que o jornalismo e os veículos de comunicação são pobres em diversidade. De acordo com o Perfil Racial da Imprensa Brasileira de 2021, apenas 20% dos jornalistas brasileiros são negros. Vale lembrar que 56% da população brasileira se enquadra nessa categoria.
A maioria dos jornalistas do nosso país não teve que temer pela sua vida em um enquadro, nunca foi seguido em um shopping e tampouco viveu as microagressões que os pretos sofrem no Brasil. Dessa forma, na hora de escrever o texto, o fazem da sua perspectiva branca, usualmente de classe média e classe média alta, celebrando a prisão do preto à moda Datena de jornalismo policial sensacionalista.
Leia: Leandro Narloch: autor de texto racista na Folha foi demitido por homofobia da CNN
O texto passa para os editores. De acordo com a mesma pesquisa, a extensa maioria dos cargos de chefia nas redações brasileiras é ocupada por brancos. Para cada seis pessoas brancas em cargos de gerência nas redações, existe uma negra. Então, a matéria vai para o site ou para o jornal ou para o programa policialesco de domingo e, por fim, o racismo segue operando na cara da população diariamente.
Em suma, não é a cobertura sobre Ruan Arno Brockveld, humanizado pelas páginas de um jornal catarinense, que está errada. É a de todos os outros jovens negros que, quase como regra, passam anônimos, condenados e sem direito à defesa graças ao racismo que estrutura o jornalismo brasileiro.
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