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O parlamentar Arthur do Val (Podemos-SP) entrou em destaque dentro do debate público internacional na semana passada, após áudios de conteúdo misógino sobre vítimas do conflito entre Rússia e Ucrânia vazarem para a imprensa. Conhecido como Mamãe Falei, o deputado estadual e até então pré-candidato ao governo de São Paulo fez comentários machistas e violentos sobre as refugiadas de guerra ucranianas, gerando revolta no Brasil, na Ucrânia e na Rússia.
Mamãe Falei, deputado estadual, foi pousar ao lado de caixas de cerveja afirmando que estava fabricando coquetéis molotov contra o exército russo
Mas uma outra pergunta extremamente importante é: por que o deputado estadual foi para a Ucrânia? Arthur, notório por sua defesa da masculinidade – apoiador da legalização das armas, anti-feminista e extremamente conservador -, foi fazer o que no meio da guerra?
Arthur é um sujeito troncudinho, aspirante a corajoso, que ganhou notoriedade se enfiando em manifestações de esquerda para provocar seus inimigos políticos até que fosse hostilizado em manifestações e espaços acadêmicos. Assim ascendeu politicamente e se tornou parlamentar, e tentaria até uma alçada ao governo estadual como candidato de palanque do presidenciável Sérgio Moro.
Mamãe Falei e Eduardo Bolsonaro posam juntos com armas durante período de campanha em 2018
O ex-aliado político de Bolsonaro compartilha com o presidente e seus filhos o carinho pelas armas, pela guerra e pela virilidade e, a fala de Arthur do Val sobre as mulheres ucranianas, mostra exatamente o que a psique de guerra e combate tem a ver com a masculinidade.
A guerra como “coisa de homem” faz parte do imaginário ocidental desde a Grécia Antiga, com a Ilíada de Homero, e, desde então, se perpetua como forma de violência comum aos nossos olhos. E de onde parte isso?
Conversamos sobre masculinidade e guerra com Marlene de Fávari, doutora em História Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professora aposentada da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), literata e poeta.
A ânsia de poder sobre bens econômicos e pessoas é o que apodrece as relações neste mundo. E isto tem relação direta com a eleição de políticos sem compromissos com a população porque flertam com o fascismo cujos regimes de governo são militaristas e ditatoriais. Vivenciamos uma crise de verdades imposta por mentiras criadas no ventre de hienas ensandecidas por poder e domínio de almas. Políticos como Putin, Bolsonaro, Trump, Orbán… São os ‘tiranos modenos’, na expressão da pensadora Agnes Heller.
“Estes políticos se pautam na hipermasculinidade cuja toxidez se espraia de forma que perdem o senso do que dizem como se fossem intocáveis. No Brasil estamos tendo a experiência nefasta de ter um presidente machista, misógino, racista, homofóbico, biocida e negacionista que exalta a violência e o uso de armas”, afirma Marlene de Fávari.
Vale lembrar que, ao longo dos quase quatro anos de mandato, Bolsonaro se distanciou dos EUA – mesmo após bater continência à bandeira do país – e se aproximou de Vladimir Putin, que conquistou o brasileiro após afirmar que ele era “viril”. Após a última visita do presidente à Rússia, o mandatário do Kremlin reforçou os elogios à masculinidade de Jair, que segue próximo de Moscou, na contracorrente da comunidade internacional.
Putin faz questão de ser fotografado em suas férias fazendo programas associados à masculinidade: o presidente russo gosta de caçar, atirar, pescar e cavalgar, reforçando estereótipos do que é ser homem
Arthur do Val, que apoiou Bolsonaro, cujo partido vota junto com Bolsonaro e que parece-se muito com Bolsonaro, não está tão distante de Bolsonaro como deseja que seus apoiadores acreditem. O parlamentar estadual paulista evidenciou toda sua misoginia nos áudios vazados.
“Na esteira, outros políticos, como por exemplo Arthur do Val – o “Mamãe Falei” – sentem-se no direito de espumar seus preconceitos sexistas e misóginos, e neste caso, com expressões indigestas, machistas, sexistas e desrespeitosas para com as mulheres ucranianas – ‘Elas são fáceis, porque são pobres’ e que ‘nas cidades mais pobres, elas são as melhores’, dentre outras representações espúrias. Isto revela a profunda misoginia incrustada na política, que é estrutural nesta sociedade fincada no sistema patriarcal. O tratamento dado às mulheres em extrema situação vulnerabilidade em meio a uma guerra é deplorável e inaceitável. A misoginia na política é um cancro gestado na sociedade há séculos, e que reverbera ainda hoje nas falas de canalhas”, denuncia Marlene ao Hypeness.
Porém, enquanto os homens se matam nos campos de batalha, a visão forjada da guerra faz com que os homens sejam os heróis e as vítimas dos conflitos bélicos. Contudo, essa visão é distorcida.
“As guerras vitimam sobretudo as mulheres: são elas que enfrentam a escassez de alimentos, são elas que desdobram-se na proteção das famílias, são elas que cuidam dos feridos, são elas que protegem os filhos, são elas que, na maioria das vezes, ficam sozinhas porque os homens são recrutados para as batalhas. São elas que desdobram-se na proteção da vida mesmo sob bombas e destruição”, explicou de Fávari ao Hypeness.
Em áreas de guerras e conflitos, as mulheres são as maiores vítimas pois, além de todas as resistências e perdas, são potencialmente usadas como butim tomado pelos inimigos que pilham e violam seus corpos. O estupro é uma prática imunda de desonrar o inimigo através da violação dos corpos de suas mulheres, meninas e também meninos. Em todas as guerras que conhecemos há relatos da violência sexual sobre mulheres – nas guerras mundiais, a do Paraguai, Vietnã, Coreia, Iraque, Criméia e nos demais conflitos bélicos.
Mulher desolada após perda de casa em Phuon Loc, no Vietnã; da Coreia ao Paraguai, as mulheres pagam pelos erros de diplomacia dos homens
A ONU possui uma resolução que define o estupro como uma espécie de arma de guerra e condena essa prática, que foi observada em conflitos desde a Segunda Guerra Mundial e segue sendo utilizada até hoje. Marlene de Fávari, doutora em História Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), relembra os crimes de guerra durante a dissolução da Iugoslávia, onde as mulheres da Bósnia foram submetidas à violência sexual de forma sistemática.
Um exemplo foi a guerra na Iuguslávia (1991-2001) onde havia “campos de estupro” e as mulheres eram obrigadas a ter relações sexuais com vários soldados à força. Grávidas, eram mantidas presas por meses até a impossibilidade de abortar como forma de promover a “limpeza étnica” e a possessão das mulheres como símbolo do sucesso masculino sobre o corpo que seria de propriedade do inimigo. Em todos os conflitos bélicos há relatos dos “filhos da guerra”, ou seja, crianças que nasceram de estupros por soldados inimigos e que sofrem o estigma desta barbárie.
Não sabemos quando ou como a invasão russa ao território da Ucrânia irá acabar, mas é certo que as vítimas dessa guerra insólita já existem. Para a historiadora Marlene de Fávari, a única saída está na educação. “Do que precisamos? De educação de gênero que tematize questões do feminismo, dos direitos, da paz, da verdade e contra quaisquer violências sobre corpos de mulheres e meninas”, finaliza.
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