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O sucesso do podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, do jornalista Chico Felitti, aponta para outro aspecto fundamental do debate a respeito do racismo e da escravidão no Brasil: a forma como criminosos brancos e ricos são tratados pela imprensa, pela polícia, pela Justiça e mesmo pelo público.
Capa do podcast “A Mulher da Casa Abandonada”, realizado por Felitti para a Folha de S. Paulo
-‘A Mulher da Casa Abandonada’: Margarida e privilégio branco em 1ª entrevista sobre acusação
Pois se os milhões de downloads de cada episódio se explicam pela contundência da denúncia e pela qualidade do trabalho investigativo e narrativo de Felitti, muitas reações à história de Margarida Bonetti, uma mulher rica que por décadas escravizou e torturou uma mulher negra, também dizem muito sobre a parte do Brasil que tira selfies e sorri diante da casa caindo aos pedaços no elitizado bairro de Higienópolis, em São Paulo.
Nos últimos dias, notícias mostraram que a polícia cumpriu um mandado de busca e apreensão no local, mas que Margarida se recusou a abrir a porta, obrigando a operação a gentilmente adentrar pela janela. A ela foi concedido até mesmo o tempo de se arrumar para “receber” os agentes, enquanto desafiava os policiais dizendo que não conseguiriam entrar.
Consta que uma pessoa chegou a ser agredida pela mulher, que gritava com os policiais em meio a imundice de lixo, excrementos, roupas e restos de comida que hoje decoram o local e empestiam os arredores.
A frente da casa deteriorada no bairro de Higienópolis, em São Paulo
-Negros são quase 100% dos mortos em operações policiais na BA, mostra relatório
Diante de tais cenas, uma pergunta se faz evidente e inevitável: como seria o tratamento se a mulher que escraviza, foge da Justiça e impede a entrada da polícia em sua casa fosse negra? Ou negra e pobre como a própria mulher que ela escravizou?
Vale lembrar que a história foi noticiados pela imprensa brasileira e internacional à época e, portanto, nunca foi segredo. Em muitos momentos, é como se os crimes hediondos cometidos por Margarida contra a empregada doméstica – que ela “ganhou” de seu pai quando foi morar nos EUA, feito fosse uma propriedade, e não uma pessoa – fossem colocados em segundo plano pela imprensa e pelo público: como se a mulher da casa abandonada fosse “somente” uma personagem excêntrica e bizarra, quase de ficção, uma “bruxa”, alcunha pela qual era tratada no bairro antes mesmo do podcast ser feito.
Margarida Bonetti à janela da casa, com o rosto coberto de uma pomada branca
O excelente artigo “Quase todo o Brasil cabe na casa abandonada”, publicado por Rosane Borges na Folha, joga luz a esse tratamento ofertado à Margarida.
Com o sucesso da história, procissões de curiosos passaram a “visitar” a decadente casa no rico bairro paulista, com curiosos tirando selfies, alguns com o rosto besuntado em Hipoglós, imitando a criminosa. Nessa hora, Margarida é transformada em celebridade ou personagem pop, com o foco direcionado, como parece fazer a imprensa, mais para seu comportamento bizarro do que para os crimes cometidos, pelos quais ela jamais respondeu.
A história do podcast começa com a poda de uma árvore no bairro
-Madalena, escravizada por quase 40 anos, fecha acordo para indenização
A história, afinal, é completamente real: a mais real possível em um país como o Brasil. A identidade da mulher escravizada é mantida em sigilo por Felitti a pedido da própria, que concorda com a realização do podcast, mas que não quer ser encontrada.
O jornalista buscou ouvir todos os lados da história, detalhar os fatos e dar a devida dimensão ao horror, realizando um trabalho importante, que aponta para a necessidade não da criação de mais uma celebridade excêntrica, mas sim de um debate sério, profundo e honesto sobre trabalho escravo, racismo e privilégio branco pela imprensa e a sociedade brasileira.
Talvez fosse interessante a realização de um novo episódio da série, não para falar de Margarida Bonetti propriamente, mas sim das reações do público, do tratamento policial e do tipo de cobertura midiática que seus crimes receberam.
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