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Favela Sounds ocupa Brasília colocando a música periférica no centro do país

01 • 08 • 2022 às 19:03
Atualizada em 03 • 08 • 2022 às 09:15
Gabriela Rassy
Gabriela Rassy   Redatora Jornalista enraizada na cultura, caçadora de tendências, arte e conexões no Brasil e no mundo. Especializada em jornalismo cultural, já passou pela Revista Bravo! e pelo Itaú Cultural até chegar ao Catraca Livre, onde foi responsável pelo conteúdo em agenda cultural de mais de 8 capitais brasileiras por 6 anos. Roteirizou vídeo cases para Rock In Rio Academy, HSM e Quero Passagem, neste último atuando ainda como produtora e apresentadora em guias turísticos. Há quase 3 anos dá luz às tendências e narrativas culturais feministas e rompedoras de fronteiras no Hypeness. Trabalha em formatos multimídia fazendo cobertura de festivais, como SXSW, Parada do Orgulho LGBT de SP, Rock In Rio e LoollaPalooza, além de produzir roteiros, reportagens e vídeos.

A periferia ocupou a Esplanada dos Ministérios nos últimos dias mostrando que a boa música ferve da borda para o centro. O Favela Sounds voltou a ocupar a Praça do Museu Nacional da República, em Brasília, provando que um bom line up de festival se faz da mistura, da diversidade e do olhar pr’além do eixo Rio-São Paulo.

Quem acompanha festivais pelo sudeste já conhece algumas figurinhas garantidas nas programações. Artistas que, sim, gostamos e que estão bombando, aqueles que circulam por aqui e fora do Brasil e que têm os holofotes – pelo menos hoje – garantidos pelo alargamento do midstream provocado em parte pelas redes sociais.

Favela Sounds ocupa Brasília colocando a música periférica no centro do país

Favela Sounds ocupa Brasília colocando a música periférica no centro do país

 

—30º FIG: diversidade e reencontros marcam a retomada do maior festival multicultural do Brasil 

O Favela Sounds não é sobre isso. E nem sobre simplesmente ouvir música. O festival internacional de cultura de periferia pega na artéria da nova produção musical, da negritude, dos movimentos culturais que fogem do centro, “mas que quando toca, ninguém fica parado”. É afinal um lugar de encontros, em especial do público também periférico com a música produzida fora dos grandes centros.

Nesta 6ª edição, alguns poucos gigantes da música, como foi o caso de Criolo e Jorge Aragão, que nem sequer fechavam a programação, como é de costume nos festivais. A ideia ali era que todos tivessem o mesmo espaço, nada de ordem crescente de fama ou de história.

Criolo leva público ao delírio no Favela Sounds

“A cultura gerada nestes recantos como o Favela Sounds, que são verdadeiros celeiros de arte e inovação, traz soluções para o Brasil de hoje. Aqui, neste território, temos jovens incríveis pavimentando o amanhã”, disse Criolo.

“Tem espaço para todo mundo e é muito gratificante ver eventos como o Favela Sounds favorecendo o som da favela. Me sinto honrado em fazer parte disso e poder representar tantos homens e mulheres pretas. Tenho certeza que ainda vou desconstruir alguns mitos que rolam no meu segmento. Eu não vejo fronteiras. Se me chamarem de sambista direi que sou pagodeiro, se me chamarem de pagodeiro direi que sou sambista”, brincou Jorge Aragão.

Jorge Aragão faz show lindo no Favela Sounds

Na primeira noite, pude conhecer a cantora Realleza e dançar junto com os DJs UMiranda, LaBonita, Donna e V1no, todos de Brasília. Foi lindo ver a intensidade – no som e nas palavras – de César MC, do Espírito Santo, que entregou tudo e mais um pouco para um público que correu às pressas de todos os cantos da praça para entoar junto com suas rimas. Foi dado a César o que era de César.

DJ Donna

DJ Donna no Favela Sounds

Do Rio de Janeiro, N.I.N.A. fez sua estreia na cidade seu novo álbum “Pele” em um show potente que levou a própria cantora de grime às lagrimas. Sued Nunes, novo talento do Recôncavo Baiano, abriu a noite lindamente com show de seu álbum Travessia, mostrando que seu “corpo tambor” tinha mais do que boas batidas, mas muito coração. De Alagoas, o DJ Cleiton Rasta mandou ver nas influências do reggae nordestino para o palco-torre, instalado com telões em frente ao palco principal.

N.I.N.A.

N.I.N.A. entre o baile e a emoção no Favela Sounds

O encerramento da noite, veio na forma de um bailão poderoso comandado pelo pernambucano Marley no Beat. O jovem produtor lançou o Baile do Marley, levando para o palco a participação de três jovens talentos do pop e do bregafunk de Recife e de Olinda: UANA, Rayssa Dias e Gui da Tropa, além das maravilhosas dançarinas Dinian Calazans e Vivian Marvel – sem elas, o show não seria o mesmo.

Baile do Marley diretamente de Recife para o Favela Sounds

UANA participa do Baile do Marley

Entre tantos bons shows, dediquei um tempo à escuta e nisso o Favela Sounds é especialista. Além da música, o evento tem o impostantíssimo Favela Talks, um espaço para as trocas de ideias, para os encontros e para o conhecimento – esse sim que vai nos levar além. A mesa “Olhos da diversidade na era da atenção”, comandada por Marta Carvalho entrevista Renata Hilário (Budweiser) e Samantha Almeida (Globo), três mulheres negras poderosas da comunicação, foi um banho de inspiração.

Falando sobre como se destacar em meio a tanto conteúdo, elas trouxeram experiência de mercado para dar não só conselhos, mas abrir os olhos dos artistas e comunicadores ali presentes. “Raça e classe caminham juntas em matéria de exclusão, de solidão e que a falsa sensação de não termos um conflito racial, de gênero declarado no Brasil, nos tiram essa consciência real da situação dos negros, das pessoas com deficiência, dos LGBTQIAP+”, disse a produtora cultural e publicitária Marta Carvalho, abrindo a conversa.

Renata Hilário (Budweiser), Marta Carvalho e Samantha Almeida

“Quando eu digo que a minha única consciência possível é que eu sou negra é por que no Brasil de 22 – e assim como ele tem sido nos últimos 500 anos – ele constitui um lugar original e limitador para quando você pertence a um grupo de pessoas negras. E ele escala quando é classe, mas ele nasce a partir de raça”, disse Samantha falando sobre como suas experiências de vida estavam relacionadas a sua negritude e como essa consciência é libertadora. “Ao descobrir isso você entende que na mesma potência que o mundo diz para você que essa negritude tem um lugar determinado, então sou eu que vou definir que lugar é esse”.

Inspirada por essas três potências, segui para o Museu Nacional para o segundo dia de Baile do Favela Sounds focada em ver o show da revelação da nova cena baiana Rachel Reis. Ela que embalou meu verão de 2021 com sua Maresia, subiu ao palco acompanhada da banda Lambreta e teve o público como backing vocal de suas faixas. Confortável e de pés no chão, fez um show lindo e se mostrou à vontade com palco e público.

Revelação baiana, Rachel Reis, no Favela Sounds

O duo Guitarrada das Manas, que nasceu no Festival MANA, trouxe a sonoridade paraense para o Favela. Acompanhadas de ninguém menos que a cantora e performer Leona Vingativa, fizeram um show digno do poder feminino do norte, trazendo a Amazônia periférica sapatona e trans para o centro do país.

Guitarrada das Manas convida Leona Vingativa

Teve ainda discotecagem do produtor musical Ruxell – um dos principais talentos do pop brasileiro atual que assina beats de Gloria Groove; a cantora paraense radicada no DF Ediá; um dos principais nomes do pagodão atual, O Poeta; a DJ criadora de uma da equipes de pagode baiano mais proeminentes de Salvador, Paulilo Paredão; e os DJs brasilienses kLap, J4K3 e Ketlen. Rebecca encerrou a noite com seus hits do funk carioca.

Um refresco para os ouvidos de quem respira música. Um festival comprometido com a revolução, com o novo, com a cultura periférica sendo muito mais do que bebendo de qualquer fonte. Vida longa, Favela Sounds!

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Fotos: Thais Mallon, Laura Baggi (Rachel Reis) e Gabriela Rassy (Favela Talks)


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